<strong>TEMA - </strong>Se juntar as iniciais de Bélgica (Be) com Nederlands (Ne, a designação da Holanda), mais a palavra League (liga), tudo junto dá Beneleague, uma ideia a ganhar força e que pode revolucionar os campeonatos europeus. As duas federações ponderam unir-se para atacar o sexto lugar do ranking da UEFA.
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Se é um fanático por futebol e se tem na ponta da língua a designação da maior parte das ligas europeias, saberá provavelmente que Beneleague não é nome de nenhum campeonato do Velho Continente. Mas poderá vir a sê-lo num futuro próximo. A Beneleague é um projeto em fase de estudo, que visa juntar a liga belga à holandesa ("Nederlands", em holandês) e daqui vem a junção "Bene" com "League" (liga, em inglês).
Holanda e Bélgica estudam a fusão das respetivas ligas num campeonato único. Há detalhes que ainda escapam, mas uma coisa é certa: os "clássicos" ficariam a uma distância mais curta do que a que separa o Porto de Lisboa
Tudo começou antes do verão, quando o G5 dos clubes belgas, composto por Anderlecht, Genk, Gent, Club Brugge e Standard de Liège, e o G6 holandês, onde estão Ajax, PSV, Feyenoord, AZ Alkmaar, Vitesse e Utrecht, se debruçaram sobre a possibilidade de criar uma competição conjunta entre os dois países. O passo seguinte foi encomendar um estudo à consultora Deloitte sobre o valor da prova e a viabilidade da mesma.
Na semana passada, a KNVB (federação holandesa) emitiu um comunicado dando conta das conclusões da Deloitte. "A primeira fase de um estudo da consultora Deloitte confirmou o potencial de uma Beneleague. Decidiu-se, portanto, iniciar a segunda fase do estudo de viabilidade", começava a nota da KNVB. Um dos objetivos passa por reduzir significativamente a diferença face às "cinco maiores competições europeias, tanto financeiramente quanto a nível desportivo". Segundo a KNVB, a Beneleague poderia tornar-se na sexta maior liga, atrás de Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália e França.
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Por agora, belgas e holandeses estarão a pensar num campeonato com 18 equipas, dos quais oito seriam emblemas da Bélgica, aos quais se juntariam uma dezena de clubes da Holanda. Mas nada mais se sabe sobre como seria o sistema de subidas e descidas. Aliás, este pode muito bem ser um dos pontos mais difíceis de conjugar. Senão vejamos: se numa época descessem três conjuntos do mesmo país, quão desequilibrada ficaria a Beneleague? Sobre este assunto, Peter Croenen, presidente da liga belga e do Genk, tem uma certeza:
"A nossa intenção é que os clubes dos dois países fiquem felizes com a situação. Deve haver um bom mecanismo quanto às subidas e queremos que isso possa ser feito por país. Isto seria uma promoção desportiva para a maioria dos clubes", salientou. "A Beneleague terá um impacto para os clubes que não farão parte dela e as coisas também devem ser aceitáveis para esses clubes. O G5 belga e o G6 holandês tomaram a iniciativa; a decisão final pertence à Jupiler Pro League [liga belga] e à Eredivisie [liga holandesa]. Se todos não saírem beneficiados, a Beneleague não verá a luz do dia", afirmou o dirigente a 26 de outubro. Nada que belisque o entusiasmo que o projeto está a suscitar em pessoas como Bart Verhaeghe, presidente do Club Brugge. "Isto pode desenrolar-se rapidamente. Se não for para a próxima época, então acontecerá provavelmente nas próximas duas", afirmou o dirigente.
No entanto, a KNVB veio deitar alguma água na fervura depois destas declarações e disse que tal será muito difícil acontecer nos próximos três anos. Por outro lado, Jaap Stam, agora ex-treinador do Feyenoord e antigo internacional holandês, é um dos opositores da ideia.
"Atualmente, a seleção holandesa está a jogar melhor e alguns clubes estão a portar-se bem na Europa. Não sou a favor da fusão", declarou.
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Segundo o jornal belga "Le Soir", o entusiasmo parece ser maior para os lados de Bruxelas, mas tanto o português Ivo Rodrigues, que joga no Antuérpia, como Deni Hocko, médio montenegrino que passou pelo Famalicão nas últimas duas épocas e que está no Mouscron, pouco sabem sobre o assunto. "Ouvi falar disso há quatro ou cinco dias, no máximo. Também não vejo muitas notícias, porque aqui fala-se muito holandês e eu só domino francês", refere Ivo. "Ouvi falar sobre isso, mas é um assunto que nunca foi discutido entre colegas aqui no Mouscron", completa Hocko. Aliás, João Queirós, central emprestado pelo Sporting aos holandeses do Willem II, denota mais entusiasmo no lado mais oriental. "Não é um tema de conversa frequente, mas de certa forma já sinto algum entusiasmo. Penso que seria uma ideia que beneficiaria os dois lados", comenta.
A distância não será, por certo, um entrave. Os três maiores clubes de cada país estão separados por uma diferença inferior à que separa Lisboa do Porto (cerca de 300 quilómetros). Por exemplo, a viagem de Liège a Eindhoven faz-se em menos de 120 quilómetros e o maior intervalo situa-se entre Bruges e Amesterdão (252 quilómetros).
Beneleague já existe noutras modalidades
A Beneleague é a designação precisamente usada num campeonato conjunto de... andebol e hóquei no gelo. Portanto, a ideia do futebol de criar uma supercompetição não é nova. A Liga Bene de hóquei no gelo foi criada em 2015. No andebol, a Beneleague chegou a contar com a participação da federação do Luxemburgo, mas os luxemburgueses abandonaram a ideia em 2014, restaurando o nome original, que aglutina belgas e holandeses. No histórico de organizações conjuntas dos dois países, há a salientar a mais mediática de todas: o campeonato da Europa de futebol de 2000, que teve uma mascote chamada Benelucky e que foi disputado, no lado belga, em Charleroi, Liège, Bruxelas e Bruges, e, do outro lado, nas cidades de Amesterdão, Roterdão, Arnhem e Eindhoven.
Uma teórica ameaça ao ranking português
Alcançar o sexto lugar no ranking das ligas da UEFA é o anseio da Beneleague. Essa posição é ocupada atualmente por Portugal, que na penúltima jornada europeia ultrapassou a Rússia. Em teoria, os portugueses podem sentir-se ameaçados, mas, na prática, os clubes lusos fizeram muito mais na Champions e Liga Europa, neste milénio, do que belgas ou holandeses.
Desta forma, Portugal soma três títulos europeus nos anos 2000 (uma Liga dos Campeões e duas Ligas Europa, todas ganhas pelo FC Porto), esteve em três meias-finais da Liga Europa e perdeu quatro finais desta competição. Os belgas, que são oitavos no ranking, a mais de oito pontos de distância de Portugal, não estiveram presentes em nenhuma semifinal desde 2000, ao passo que a Holanda venceu uma Liga Europa, teve um clube nas "meias" da prova e outro que foi finalista vencido, e viu PSV (2004/05) e Ajax (2018/19) nas semifinais da liga milionária.
Contudo, a Beneleague teria a capacidade de chegar a um público-alvo composto por 28 milhões de habitantes (17 milhões na Holanda e onze milhões na Bélgica). Por isso, Ivo Rodrigues deixa o alerta. "Poder juntar os clubes mais fortes dos dois lados daria um dos campeonatos mais competitivos na Europa. Era preciso procurar muito bem para encontrar uma prova que tivesse oito ou nove candidatos como Ajax, Brugge, PSV, Genk, Gent, Feyenoord ou AZ Alkmaar. Basicamente haveria um jogo pelo título todas as semanas e, em Portugal, gira tudo à volta dos três grandes", opinou. A maior competitividade aumentaria, na opinião do extremo, a possibilidade de brilhar lá fora. "Equipas como Ajax, PSV ou Brugge poderiam fazer boa figura na Europa", avisou.