"Bélgica foi um choque muito grande. Pensei: 'O que é isto? Nem no tempo do Eusébio!'"
ENTREVISTA - Médio de 26 anos, ex-Braga, Marítimo e Estoril, volta a emigrar, depois de passagem para esquecer pela Bélgica, apostando as fichas no Pogon Szczecin, que tudo fez para o assegurar.
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João Gamboa não queria deixar Portugal, mas partiu para a Polónia, procurando o sucesso a partir do Pogon.
Depois de meia época na Bélgica, outra metade em Portugal, que razões o levaram à Polónia?
-Pesou pelo interesse das pessoas, que já me haviam demonstrado essa vontade quando saí para o Estoril. Não foi uma altura propícia para encarar esse convite, porque queria voltar a Portugal, pois tinha a minha mulher grávida e enfrentava problemas físicos. Queria recuperar bem e rápido em Portugal, na Bélgica não estava a ser bem acompanhado. O Estoril foi uma escolha fácil, tinha uma ótima relação com as pessoas. Agora, tocou-me decidir, não queria sair de Portugal, por causa da família, mas não pude dizer que não...
Então, como foi forte esse apelo do Pogon?
-O interesse foi mesmo muito forte, chegaram a valores muito bons. Depois vi um projeto excelente, um estádio de topo, campos de treino incríveis. Interiorizei que tinha de ir, mesmo ficando uns meses sozinho e afastado de um filho recém-nascido. Custa um bocado, mas a força que vamos buscar é na família, a fim de lhes proporcionarmos melhor futuro.
E não surgiram convites de cá que satisfizessem?
-Eles não me deram tempo. Sabiam que eu ia ter mercado em Portugal e, mal acabou a época, passado uma semana já estávamos em negociações. Chegaram logo aos valores que eu queria para sair.
Ambientação fácil, sem portugueses na equipa, mas muitos na Liga?
-Antes de vir falei com o Yuri Ribeiro e o Nené, que jogam cá. De todos obtive ótimo feedback, de um clube financeiramente estável, que podia nos próximos anos lutar pelo título. Também me convenceram, sei que vamos jogar para 20 mil pessoas. Tivemos o primeiro treino aberto da época e apresentação do equipamento para cinco mil. O Podstawski mandou-me um abraço pelo Luka Zahovic, que fala português e a garantir que estava num clube top. Temos um técnico português, o Vítor Gazimba, e falou comigo sobre as ideias do treinador.
Tem ideia do que esperam de si neste clube?
-O treinador explicou-me que os jogadores são muito emocionais na Polónia, que as emoções crescem depressa e que ele precisava de equilíbrio, maior controlo do jogo, pensar mais e pausar sempre que necessário. Eles aqui jogam muito para a frente, estão desposicionados e continuam a atacar. Fui contratado para meter um pouco de calma, até parece que o resultado não importa muito. Em Portugal é tática a mais, aqui a menos. Penso que vim acrescentar conhecimento e qualidade.
Há aqui condições para lutarem por títulos?
-Estou com um bom pressentimento, uma boa energia de que vai tudo correr bem. Todos querem singrar, todo o clube trabalha em função dos jogadores, para que não falte nada. Estou fora no momento certo, com maturidade e experiência. Acho que vou poder dar um contributo importante à equipa. Vamos lutar pelo campeonato e pela taça, já percebi que querem muito ganhar um título e oferecê-los aos adeptos. E ainda temos a participação na Liga Conferência.
"Não sei porque o meu pai se desligou do meio"
Gamboa não esquece a herança futebolística. "Os meus dois avôs jogaram, mas há uma proximidade natural com a carreira do meu pai. Ajudou-me muito e só não percebo porque se desligou completamente do meio. Sempre foi crítico, queria que fosse mais duro. Tem conhecimento e inteligência de jogo. Sempre me disse: "Quando deixares de jogar, vais perceber porque eu não quis mais nada do futebol". Ainda tenho memórias dele no Beira-Mar, mas até me lembro mais do que faziam jogadores como Juninho Petrolina ou Fary."
"O que é isto? Nem no tempo do Eusébio!"
Sem papas na língua, Gamboa garante que a Bélgica foi experiência para lá de dececionante. Ficou incrédulo com os conceitos do treinador.
A ida para o Leuven foi pálida em protagonismo?
-Foi um choque muito grande na Bélgica. Ao conversar com eles, disseram uma coisa, depois cheguei lá e foi outra. Uma inacreditável diferença de realidade, num clube onde se jogava homem a homem. Ao ver os treinos e os primeiros jogos, nem queria acreditar. O central a acompanhar o ponta-de-lança e a passar à minha frente. O que é isto? "Nem no tempo do Eusébio!", interrogava-me. Fazia-me confusão, era só preencher espaços, e bati de frente com o treinador. Eu estava sempre errado, tinha de andar atrás dos médios.
Autêntico retrocesso?
-Não é à toa que a Liga onde se marcam e se sofrem mais golos é a belga. São muito físicos. Na paragem do Mundial tivemos um estágio em Espanha e fazíamos corrida em jejum no alcatrão. Com esse volume de treinos o meu tendão inflamou. Foi algo de alguma gravidade, que superei no Estoril. Outro podia não ter voltado a jogar na época.
E valeu a pena regressar ao Estoril?
-Senti que toda a gente estava muito ansiosa e preocupada quando cheguei ao Estoril. Os resultados não estavam a aparecer, mas sentíamos que estávamos preparados. Arrisco dizer que o Ricardo Soares foi dos melhores treinadores que já apanhei. Tem esse mérito de ir ao detalhe, um conhecimento de jogo incrível. Muito bom mesmo. Com ele, já jogávamos de olhos fechados ao fim de um mês. Se tivéssemos mais campeonato pela frente, era sempre a subir. Foi uma pena ter saído do Estoril, não ter ficado mais tempo, mas foi opção dele ir para a China.
E doeu a descida do Marítimo?
-É um clube que faz falta, mas pode ser bom ir à II Liga. Pode fazer mudar mentalidades e abrir horizontes. Agora estão a tentar mudar, a investir na estrutura, melhorar condições. Tinham parado no tempo, o futebol tem de evoluir.