Uns vêm, outros vão: português do Shandong Luneng pode ter que voltar à China
As ideias feitas que os portugueses têm da China e dos chineses: Rodolfo Silva desmistifica
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Rodolfo Silva é funcionário de um clube de futebol chinês, mas por esta altura, em plena e preocupante crise epidémica provocada pelo coronavírus, tem a sorte de se encontrar em Portugal. Chegou no dia 26 de janeiro, depois de ter estado quase um mês a estagiar com os jovens jogadores do Shandong Luneng, clube em que dirige o departamento de prospeção. O problema é que, dentro de poucas semanas, pode ter que regressar ao maior país asiático.
Desde que o surto se tornou preocupante que o estado chinês tem mantido as escolas e academias fechadas, entre outras instituições públicas, mas a reabertura está agendada já para o dia 15 de fevereiro. Uma data que, porém, poderá sofrer nova alteração. Segundo Rodolfo conta a O JOGO, o prazo inicial era dia 3, antes deste adiamento por duas semanas. Agora, um novo adiamento seria a situação mais desejável, uma vez que não parece crível que neste curto espaço de tempo consigam restabelecer a normalidade e assegurar a segurança dos cidadãos.
"O mais desejável seria ficarmos em Portugal durante todo o mês de fevereiro. Estamos apreensivos e preocupados com a eventualidade de um regresso prematuro, pois é difícil acreditar que no espaço de um mês tudo fique resolvido", afirmou o funcionário do Shandong Luneng, num quadro profissional em que trabalham outros dois portugueses: David Pereira, analista, e Nuno Cardoso, responsável pelo desenvolvimento de coordenação físico-motora.
Apesar de tudo, Rodolfo não embarca no tom alarmista com que por vezes este episódio é retratado nos média ou nas redes sociais. "Pinta-se um cenário de quase guerra, mas não é bem assim. Ainda há comida nos supermercados, por exemplo, apesar de por vezes aparecerem fotografias de prateleiras vazias. Tratam-se de cenários episódicos, normais, porque toda a gente tem acorrido com muito maior frequência às lojas. Depois fazem normalmente as reposições e pelo que me dizem a comida ainda não faltou. Os hospitais também têm cumprido, apesar de alguns relatos parecerem assustadores. O mundo não vai acabar amanhã. E os chineses não olham para este problema de forma tão aterradora como nós, talvez por já terem tido uma epidemia em 2003", conta.
"Pela minha perceção, o coronavírus, em termos de potencial mortífero, assemelha-se mais a uma pneumonia, por exemplo, do que a uma grande doença incurável. Segundo afirmam, a taxa de mortalidade ronda os dois por cento, ou seja, morre uma pessoa em cada 50 contaminadas. O facto de ainda não ter cura é que está assustar toda a gente", declara Rodolfo, relativamente a um cenário que motivou a Organização Mundial de Saúde a classificá-lo, esta quinta-feira, como uma emergência global de saúde pública. "É uma medida positiva da OMS, pois ainda havia algum desconhecimento ou despreocupação na Europa e com as medidas de prevenção que vão ser tomadas creio que poder-se-á evitar ou conter a sua propagação", comenta a este propósito.
"O que me preocupa é que me mandem para lá mais cedo do que desejaria. Se isso acontecer teríamos que conversar com a entidade patronal para perceber o que poderia ou não ser feito", explica, quanto à possibilidade de adiar o regresso por mais tempo. "Mas o país vai ter que voltar ao normal, isso é inquestionável. As pessoas têm que voltar ao ritmo normal de vida."
Apesar de tudo, se tiver que voltar, Rodolfo acredita na qualidade dos hospitais chineses, que pelo que foi percebendo ao longo de cinco anos no país, pouco tem a ver com algumas unidades de saúde aparentemente degradadas que por estes dias têm sido divulgadas nas redes sociais: "Já fui atendido num hospital militar em Xangai e achei muito semelhante aos hospitais portugueses, em termos de qualidade. Depois tive uma vez um problema de pele, uma mancha que me apareceu, e fui tratado num hospital excelente, ao nível de um grande hospital português como a CUF, por exemplo. Fiquei muito bem impressionado. Os chineses têm uma grande capacidade de resposta a esse nível, com hospitais quase a cada esquina, passe o exagero. Talvez nas cidades mais pequenas não seja bem assim, claro. Mas grande problema tem sido a falta de máscaras, isso sim. Esgotaram em todo o lado, pelo que tenho percebido."
Outra ideia feita em relação aos chineses, como aponta, tem a ver com os hábitos alimentares. "Há muito aquela ideia de que todos os chineses comem cães e gatos e que os locais de venda de comida têm pouca higiene. Pois bem, em cinco anos nunca vi cães à venda para comer na rua. Só uma vez é que vi na ementa de um restaurante, mas de modo discreto. E, por exemplo, eles quase não comem coelhos, por respeito. Para eles, os coelhos são como para nós os cães, falando em relação ao lado alimentar. Quanto a condições de higiene, sobretudo nas grandes cidades, os pontos de venda são quase todos extremamente limpos. Talvez nas terras mais pequenas é que possa não haver tanto cuidado em relação a isso", afirma.
Diferente é também a dimensão das coisas. Só para se ter uma ideia, a província de Shandong, onde Rodolfo trabalha, tem 100 milhões de habitantes, isto numa área semelhante à de Portugal continental. Há muito mais gente, claro, como se todos os portugueses e espanhóis vivessem deste lado da fronteira. E nessa província, por exemplo, só havia cerca de 180 casos até ontem, sem nenhum falecimento ocorrido. "Em área, a China é praticamente do tamanho da Europa. O facto de haver uma grande incidência de casos na província de Hubei não significa que corresponda à realidade de todo o país. Ou seja, se na minha província há 180 casos, isso é como se existissem 16 casos em Portugal, comparando as populações respectivas."
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