"As bancadas enchiam-se de prostitutas e chulos, a área de diversão ficava na esquina"
Subida do St. Pauli à Bundesliga é celebrada pelo mundo ao fim de 13 anos e na cidade de Hamburgo mudou por completo a tradição e lei do mais forte
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Foram 13 anos sem os Piratas na Bundesliga, sem que a febre e o culto pelo St. Pauli tenham esmorecido, seguindo cada vez mais forte a conquista de fãs pelo mundo. O clube de Hamburgo está de volta ao convívio dos grandes na Alemanha, abraçando nona presença, depois de passagem defraudante em 2010/11 com queda imediata na divisão secundária. Orgulhosamente, uma tribo rebelde, um underdog destemido, um clube de bandeiras sociais.
Buttje jogou pelo St. Pauli na primeira passagem do clube pela Bundesliga em 1977/78 e descreve a paixão que virou culto nos oitentas. Retrato perfeito, duro e cru, de quem entretanto se fez jornalista.
Congrega em Hamburgo uma aura rebelde, que desperta admiradores pela Alemanha e pelo mundo, sendo uma das marcas mais fortes espalhadas nas mais variadas latitudes por conta de uma identidade que abraça causas, enchendo-se de apaixonados pelos valores e não pelo estrondo dos títulos, sendo cada jogo no Millerntor uma experiência memorável e sempre arrebatadora, mesmo para os que levam anos de fidelidade ao sentimento. Pela primeira vez, Hamburgo será representada na Bundesliga apenas pelo clube compreendido como mais marginal dentro da atmosfera da cidade, associado a zonas de prostituição e deboche, um bairro dos punks e dos não alinhados, daqueles que recusam ser subservientes ao poder estabelecido. Reeperbahn terá as suas luzes mais coloridas que nunca e o Millerntor as suas colunas no pico da selvajaria e loucura... com o grito comum de Hell’s Bells nas artérias envolventes.
Esta será a nona presença dos “piratas” na Bundesliga
De volta aos treinos, de olho em jogos grandes da Bundesliga, após época fantástica sob a liderança de Fabian Hurzeler, novo treinador do Brighton, com Marcel Hartel como estrela cintilante, mas já anunciado como reforço do St. Louis, da MLS, o St. Pauli respira um delírio que ainda vem do que fez, das molduras humanas que acolheu e da celebração épica que correu Hamburgo na subida e na coroação como campeão do segundo escalão. Houve direito a duas festas e agora todos querem mais.
Falamos com ‘Buttje’, alcunha de Rolf Rosenfeld, antigo médio do clube, que esteve com o St. Pauli na primeira subida e pronta descoberta da Bundesliga. Aconteceu em 1977/78, tendo o antigo jogador, vizinho do Millerntor, visto a vida transformar-se, sendo jornalista. É um cicerone de sonho entre o que era o St. Pauli nos setentas, a alma gigante ganha nos oitentas e o culto que cavalgou até aos dias de hoje.
Millerntor é lugar de puro culto, esgotado sempre com 30 mil espectadores
“Cresci a cerca de 500 metros do estádio. Mas ainda demorei para entrar no clube pelos juvenis. O St. Pauli parecia demasiado grande para mim, então fiquei um pouco assustado. Comecei a jogar futebol aos dez anos num pequeno clube chamado SC Falke, depois mudei para o Paloma. Aos 16 anos fui para o St.Pauli porque naquela época já me sentia forte o suficiente para alinhar pelos ‘pardos-brancos’. Foram três anos nas equipas jovens, alguma experiência pelos amadores, depois fui um jogador profissional com muito orgulho”, rebobina, prestes a entregar-nos a dimensão que conheceu do emblema de Hamburgo. Essência pura e crua.
“Não se pode comparar St. Pauli dos setenta com agora. Era o número dois da cidade e não tínhamos tantos espectadores. Quando fomos para a Bundesliga em 1977, após 27 jogos sem perdermos, tínhamos média de 8000 espetadores. Hoje isso é praticamente ridículo! Cada jogo no Millerntor esgota-se há décadas”, desfia. “Nos anos setenta não havia o culto que apareceu nos oitentas. Não havia bandeiras com a caveira, nem faixas, nem músicas emblemáticas, os adeptos apenas gritavam ‘St. Pauli, St. Pauli’. Era um simples clube de trabalhadores, um underdog, as bancadas enchiam-se de prostitutas e chulos, pois a área de diversão Reeperbahn ficava logo ali na esquina. Foi emocionante para mim jogar pelo St.Pauli, mesmo sem ganhar grande dinheiro”, atesta Buttje.
“Não se pode comparar o que era ao que é. Era o número dois da cidade, jogos só para oito mil pessoas, era um simples clube de trabalhadores, um underdog”
“Fiz parte da primeira subida do St. Pauli à Bundesliga mas devo dizer que o público em Hamburgo não prestou muita atenção a isso. O Hamburgo (HSV) era, então, força maior indiscutível na cidade. Aliás, os “Redtrousers” foram campeões europeus em 1977 e tinham estrelas como Keegan. Mesmo com o nosso sensacional 2-0 a 5 de setembro, isso não mudou muito. No final da temporada descemos”, recorda. “Ocorreu por dois motivos. O nosso plantel era muito curto e, além disso, tínhamos muitos jogadores lesionados. Em segundo lugar, o clube cometeu o erro de mudar vários jogos para Volksparkstadium, casa do HSV. Só para ganhar mais dinheiro! Das vezes que os jogos aconteceram no próprio estádio, Millerntor, não tivemos qualquer derrota. Não foi um marco, St. Pauli era um cometa! Dois anos depois, o clube perdeu a licença devido a terríveis problemas financeiros e teve que se fazer amador. Só em 1984 conseguiram regressar à 2ª Divisão”, relata Buttje, pesaroso só pelo destino, de não ter vivido a euforia em redor do clube.
“Uma coisa é certa: quem jogou no St. Pauli adorou e isso nunca foi por dinheiro. Foi pela atmosfera e reputação”
“Adorei ser um jovem no St. Pauli mas como iria adorar mais ter jogado mais tarde, quando a atmosfera se transformou no Millerntor. Deixei de jogar com 25 anos, após uma última época pelo Osnabruck. Mais tarde, jornalista, escrevi sobre o St. Pauli e, claramente, era mais divertido atuar pela equipa a partir de 1988. A segunda promoção é que fez do St. Pauli assunto por todo o país, os adeptos enlouqueceram e desenvolveu-se a imagem do underdog. St. Pauli era chamada casa dos prazeres da Liga, ou até casa das prostitutas! O estádio foi chamado de lixeira. Todos temiam jogar lá pelo jeito duro dos jogadores”, conta, atualizando. “Isso mudou, claro, nos últimos anos, exceção à última época, de grande sucesso. Há uma coisa certa, quem jogou no St. Pauli adorou! E nunca o foi por ganhar dinheiro, foi só pela atmosfera e pela reputação. Tirava fotos oficiais com as minhas jeans favoritas, ninguém impunha nada”, vinca.