André Silva e um segredo para o sucesso: "Antes não tive esta estabilidade"
Uma retrospetiva pessoal fez o jogador entender o que precisava de melhorar e o que o impedia de estabilizar nos grandes números. A convicção de evolução expressa a O JOGO há um ano vinha daí.
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Pela primeira vez desde o FC Porto repete um clube de uma época para a outra. E isso faz a diferença.
Disse há pouco menos de um ano, antes da retoma do campeonato 2019/20, que o melhor de si estaria para chegar. Chegou realmente, mas 2021/22 tem sido ainda mais impressionante. De onde vinha essa convicção?
-Essas palavras cada vez pesam mais dentro de mim pelo que tenho passado na minha carreira. Tenho passado por momentos instáveis e de muita aprendizagem, visto que tenho lidado com muitos obstáculos e nunca tinha tido uma estabilidade muito grande. Isso fez-me crescer muito a nível pessoal e futebolístico, fez de mim melhor pessoa e melhor jogador, mas ao mesmo tempo não tive a estabilidade que me permitisse desfrutar ao máximo e demonstrar todas as qualidades. Há muitas coisas à volta sem ser o que se passa em campo. Quando disse que as coisas iriam correr melhor e me sentia mais eu, era precisamente por causa disso, pela experiência adquirida e por já estar familiarizado com obstáculos novos a cada momento, experiências e sensações novas. Eu nunca tive ninguém da família ou perto de mim ligado ao futebol. Então, tudo o que tive pela frente foi pela a primeira vez. Tive de reagir às coisas, nem sempre escolhemos o caminho certo, nem sempre temos as melhores ferramentas na mão para seguir em frente. Em contrapartida deu-me uma aprendizagem grande que agora me permite mostrar aquilo que aprendi.
Mas imaginava um impacto tão grande?
-Na minha carreira sempre fui mostrando do que era capaz, aquilo que me faltou mais foi a consistência. No FC Porto, na equipa A, por estar em casa, a falar a minha língua, tive mais estabilidade, mesmo sendo a primeira época na equipa principal. Na Seleção também tenho bons números porque me senti sempre em casa, senti-me sempre muito bem. Tal como em Sevilha, no início, mas depois uma lesão impediu-me de continuar. Sempre mostrei na minha carreira que era capaz e em certos momentos consegui isso. Aquilo que me faltou foi a consistência, mas agora tenho demonstrado isso.
Falou em várias dificuldades. As lesões estão documentadas, especialmente a do Sevilha. Mas referiu outras dificuldades para justificar a inconsistência. Podemos saber quais?
-Acho que foi essencialmente ter saído da zona de conforto. Aconteceu pela primeira vez quando fui para Itália. A língua foi o mais complicado porque não ajuda nos treinos, mas também mudar de casa, chegar a uma cultura nova, uma mentalidade diferente, coisas novas, coisas que não estava habituado... No ano seguinte voltei a mudar de terra, mais conhecida é verdade, porque estar em Sevilha facilita em relação à língua, mas não deixa de ser mais uma mudança, levar malas outra vez, mudou novamente o ambiente, os colegas, o staff... Depois vim para a Alemanha, com língua completamente diferente e tudo o resto... Acabei por ter seis/sete treinadores, quatro equipas diferentes. No FC Porto sentia-me na minha zona de conforto, estava em casa, falava a minha língua, conseguia perceber os treinos, tudo facilitava um bocado.
No FC Porto percebia-se que seria aposta, até por ser um dos principais ativos no clube, e que teria margem para errar, algo que não aconteceu noutros clubes, onde esperavam rendimento imediato. Isso faz a diferença?
-A velocidade com que vivemos hoje em dia exige as coisas de um momento para o outro, mas eu nunca tive alguém ao meu lado que soubesse o que eu poderia vir a passar e isso tornava as coisas um bocado complicadas. No FC Porto jogava constantemente e tive sempre muito apoio e confiança da estrutura toda. Em Itália já não foi dessa forma. Tenho muitos jogos lá, mas se somarmos os minutos se calhar não dava metade dos jogos. Acabei por não ter consistência e sentia isso em mim e na energia à minha volta. Não dá muita confiança e, sendo jovem, as coisas também não estavam tão definidas
Se calhar, já lhe fazia falta transitar de época no mesmo clube. Foi a primeira vez em Frankfurt...
-Nunca se sabe como poderia ter sido. No presente, olho para o passado e sinto-me bem porque tudo o que vivi fez-me a pessoa e o jogador que hoje sou. Sinto que as coisas que passei me deram muitas coisas positivas. Não sabíamos se, de outra maneira, as coisas seriam melhores ou piores, olho para o presente e sinto-me muito bem com o que trabalhei, realizei e com o que sou agora.
"Recuperar em sete dias é o que permite estar a 100% no jogo"
Uma questão pertinente, até porque muito se fala disso sobre as vantagens do Sporting na luta pelo título em Portugal. Ainda assim, André queria jogar mais. Se possível na Champions. Ai que saudades...
Não sente falta de lutar por títulos e estar numa equipa maior, que também permita pensar em números individuais melhores?
-Neste momento a principal dificuldade é lutar apenas pela Bundesliga e esta ter o Bayern... No momento de forma em que estamos, se tivéssemos outras competições, a ambição poderia ser outra.
Se calhar isso também confere uma vantagem: jogar apenas uma vez por semana. Tem-se falado muito em Portugal, até a propósito da luta pelo título e do Sporting. Até que ponto ajuda jogar só uma vez por semana?
-Eu preferia estar a jogar duas vezes por semana, a motivação seria outra. Nós queremos sempre mais, mas tenho noção que para estar um passo à frente é preciso fazer o melhor possível não só no trabalho, mas também na recuperação. Não é igual recuperar em três dias de um jogo de Champions ou em sete para a Bundesliga. Há essa vantagem, claro, mas não estando também não temos a possibilidade de aumentar a intensidade. Na Champions, a intensidade é superior, a possibilidade de ganhar um jogo é 50/50. Mas recuperar em sete dias é o que nos permite estar a 100% no jogo a seguir, isso é importante. Bayern, Leipzig e Dortmund estão na Champions, terão jogadores com risco maior de lesão. Nós temos essa vantagem.
Já fala alemão?
-Já dou uns toques [risos]... Percebo algumas palavras aqui ou ali, no treino percebo mais ou menos o que me dizem, mas essencialmente é o facto de ter o mesmo treinador que ajuda muito nisso.
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