A renascença do calcio: "'Efeito Ronaldo' levou a mais visibilidade e investimento"
Desde 1994 que não havia equipas do país nas finais das três provas europeias de clubes.
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A expressão é de Carlos Freitas, antigo diretor desportivo da Fiorentina, e ilustra com pertinência o ressurgimento do futebol italiano de clubes: esta época vive-se uma "Renascença", com a presença de três equipas transalpinas nas três finais das competições europeias de clubes.
Depois do Inter de Milão ter garantido na terça-feira a presença no jogo decisivo da Liga dos Campeões, dois dias depois foi a vez de Roma e Fiorentina assegurarem a ida às finais da Liga Europa e da Conference League, respetivamente.
Um feito que já não acontecia há cerca de 30 anos, correspondendo a um período de apagamento dos clubes transalpinos, na sua generalidade, em relação à altura em que se assumiam como principal potência continental.
Entre finais dos anos 80 e inícios dos anos 90, como salienta Carlos Freitas, a Itália marcava invariavelmente presença nas principais decisões. Em 1989 também três equipas do país garantiam as três finais, então com as denominações de Taça dos Campeões (equivalente à atual Champions), Taça dos Vencedores das Taças (realizada entre os vencedores das taças de cada país) e Taça UEFA (equivalente à Liga Europa).
Nessa época, o Milan de Rijkaard, Gullit e Van Basten, mas também de Maldini, Baresi ou... Ancelotti (então um médio de 30 anos), goleava o Steaua por 4-0 na final da prova principal, enquanto na terceira mais importante o Nápoles, de Diego Maradona, aviava o Estugarda para a sua primeira (e única até hoje) conquista extramuros. Só a Sampdória (de Toninho Cerezo, Vialli e e Roberto Mancini) perdeu nessa época, derrotada na final da Taça das Taças pelo Barcelona, por 2-0.
Italia vivia tempos de glória por essa altura, com a presença de muitos dos melhores do mundo nas fileiras dos seus clubes, e não apenas os principais emblemas, conforme relembra Carlos Freitas. E em 1990, 1993 e 1994 repetia-se o cenário, comclubes transalpinos em todas as finais.
Até ao hiato que agora teve um ponto final. Segundo aponta Freitas, a competitividade interna será uma das razões principais para este ressurgimento. Excetuando o Nápoles, esta temporada houve mais seis clubes a lutarem de igual para igual nas posições cimeiras, o que também se tinha verificado nas épocas anteriores.
A O JOGO, o treinador Daúto Faquirá lembra a importância da passagem de Cristiano Ronaldo no Calcio, ao serviço da Juventus, entre 2018/19 e 2020/21: "Por um lado tem havido um investimento forte das principais equipas Italianas, com a Serie A a ser neste momento a segunda que mais investe na Europa. Lautaro Martinez, Di María, Vlahovic, Pogba, Dybala , Abraham , Rafael Leão, Lukaku ou Wijnaudium são exemplos. E a partir de 2018, com benesses fiscais concedidas pelo governo aos clubes, juntando o 'efeito Ronaldo', que levou a uma maior visibilidade do Calcio e, consequentemente, a um maior investimento dos clubes e também a um novo olhar tático dos treinadores, que começaram a afastar-se de uma tendência defensiva na construção ideológica do seu jogo. Todos estes factores concorreram para um crescimento exponencial do Calcio e para um fortalecimento das suas equipas."
Pode ter oito equipas em 2023/24
A presença em massa de equipas italianas nas finais pode resultar na participação de oito equipas na Europa em 2023/24. Sete estariam sempre garantidas (quatro na Champions, duas na Liga Europa e uma na Conference League), mas pode haver mais uma nas contas. Se, por exemplo, as três transalpinas vencerem as finais em que estão envolvidas e terminem nas atuais posições em que estão na Serie A, a Itália teria Nápoles, Juventus, Inter, Lázio e Roma na Champions, Milan e Fiorentina na Liga Europa e Atalanta na Conference League.
A opinião de Carlos Freitas, diretor desportivo
A força nasce na competição interna
Em meados dos anos 80 e na década de 90, a Serie A era a mais desejada por todo e qualquer jogador de elite. Fora dos três grandes do Norte, Juventus, Milan e Inter, não faltaram grandes nomes em clubes de outra dimensão. Zico (Udinese), Falcão (Roma), Socrates (Fiorentina), Junior (Torino), Batistuta (Fiorentina), Caniggia (Atalanta), Francescoli (Cagliari), apenas alguns exemplos da dificuldade que era entrar na Liga com maior "glamour", à época.
Na memória de todos está o legado de Arrigo Sacchi, ele que fora a surpreendente aposta de Silvio Berlusconi em Fevereiro de 1986, data da sua chegada aos "rossoneri". Um trio de holandeses, Marco van Basten, Ruud Gullit e Frank Rijkaard, deu corpo a um projeto futebolístico com traços vincados de uma eficácia arrasadora e de uma beleza inolvidável.
Que dizer do Nápoles,de Maradona, Careca e Alemão? Da Juventus, de Platini e Boniek? Do Inter de Milão, com Brehme, Matthaeus e Klismann? Do Parma, com Fernando Couto, Brolin e Asprilla? Era Itália no esplendor de um poder arrebatador, que ditava leis na Europa.
Hoje, os tempos são outros e a Série A tem a concorrência da Premier League, La Liga, Bundesliga e Ligue 1, prevalecendo outros atributos competitivos. É difícil ter sucesso em Itália sem rigor tático, intensidade e estrutura física. Obviamente, existirão sempre exceções e muitos recordam a plasticidade do jogo de Maurizio Sarri com o Nápoles, onde Callejón, Mertens e Insigne ensaboavam o juízo aos antagonistas. Mas... não ganhou. Essa glória ficou para Luciano Spaletti.
A força das equipas italianas na Europa nasce na competitividade da competição interna. Arrisco a dizer que Roma e Fiorentina tiveram uma dúzia de jogos na Serie A com um grau de dificuldade superior a qualquer um dos que efetuaram na Liga Europa e na Conference League de 2022/23. A valia intrínseca das equipas, a sagacidade dos treinadores, a preparação e competência dos diretores desportivos é patente e justifica a Renascença.