A Mulher da Semana: Stéphanie Frappart e o desejo de deixar de ser notícia
Pela primeira vez, uma final da UEFA será arbitrada por uma mulher
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Num novo capítulo de uma carreira já com vários marcos, Stéphanie Frappart foi nomeada para dirigir a final da Supertaça Europeia, disputada entre o campeão europeu Liverpool e o vencedor da Liga Europa Chelsea. O jogo realiza-se em Istambul, na Turquia - país que está longe de ser uma bandeira dos direitos das mulheres - e terá Manuela Nicolosi (França) e Michelle O"Neill (Irlanda) no papel de assistentes. Cuneyt Çakir joga em casa e desempenhará as funções de quarto árbitro.
Este será o encontro de futebol masculino mais mediático e relevante alguma vez dirigido por uma mulher. Melhor que isto, só mesmo o que a própria Frappart conseguiu, arbitrar pela primeira vez na Ligue 1 em abril de 2019, num jogo entre Estrasburgo e Amiens. A alemã Bibiana Steinhaus é outra pioneira e já dirigiu 15 partidas da Bundesliga e 12 da Taça da Alemanha.
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Ter uma mulher num palco como a Supertaça Europeia é, neste momento, uma grande notícia e um feito. Mas o grande objetivo de todos os que lutam pela igualdade de género é que, daqui a uns anos (preferencialmente não muitos) tudo isto seja normal. Tão normal que o impacto de uma mulher a arbitrar uma final europeia seja reduzido ao mínimo. Mesmo que os homens possam estar em maioria.
Para lá chegar é, sem dúvida, importante que se atinjam metas como esta que Frappart ultrapassa, mas também é necessário ter isto em mente. Pretende-se igualdade. Os mesmos direitos, não mais. Quem se advoga defensor da igualdade de género e não compreende isto, está a lutar por outra coisa qualquer.
Seria normal um homem chegar a uma final europeia meses depois de se estrear numa das cinco principais ligas? Não.
Mas, por outro lado, é normal sequer ver uma mulher nessas competições? Também não. No início do texto dei os únicos dois exemplos que existem nas cinco principais ligas. E isso não é normal. E se é, então tem de deixar de ser.
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Frappart, que dirigiu a última final do Mundial feminino, chega à Supertaça Europeia num contexto difícil de replicar no meio masculino, mas também teve de combater barreiras que só se colocam às mulheres. Arbitrar na Bundesliga, La Liga, Serie A, Premier League ou Ligue 1 será sempre um ponto alto na carreira de qualquer juiz, mas para uma mulher (ainda) é uma notícia que corre o mundo. Se eu disser que os senhores Andy Madley e Peter Banke entraram esta época para o grupo de árbitros da liga inglesa estou até estou a dar uma notícia, mas nunca por serem homens. Sem impulsos como esta nomeação para a Supertaça Europeia, nunca mais chegamos onde queremos.
A UEFA entendeu que Frappart mostrou toda a competência para receber este jogo e enquadra esta nomeação como uma forma de desbravar um pouco mais de caminho na igualdade no futebol. Que seja um passo para abrir mais portas às mulheres, que sirva para dar balanço e rumo à tal normalidade. Pelo menos, espera-se que seja isso e não uma mera manobra de oportunismo para ficar bem na fotografia.
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Não sei se Stéphanie Frappart vai fazer um bom trabalho, mas já sei que, se tudo correr bem, vou ver muitos elogios como "arbitrou melhor que muitos homens". Quando era miúda adorava jogar futebol e diziam-me muitas vezes que jogava melhor que muitos rapazes, ou como um rapaz. Da mesma maneira que vi muitos rapazes serem gozados por outros através de frases como "pareces uma menina a jogar". Ainda hoje, no futebol profissional masculino, deparo-me com insultos desse género - "Olha, a menina caiu, não tem força. Parece uma bailarina." Portanto, compara-se a um homem para elogiar e compara-se a uma mulher para denegrir.
Por melhor que seja a intenção dos que elogiam dessa forma (eu sei que é), façamos um esforço para deixar o género de fora. Vamos olhar só para a competência e, num mundo ideal, ser homem ou mulher é só um detalhe biográfico, como a idade, por exemplo. "Bom jogo, fizeste melhor que muitos ho...que muitos que fazem isto há muito tempo."
NOTA: A Mulher da Semana é um conteúdo semanal de O JOGO, habitualmente em modo Premium, que hoje entendemos deixar completamente disponível para todos os leitores. A nomeação de Stéphanie Frappart pelo mundo do futebol assim o justifica.