OS INFIÉIS DEFUNTOS (episódio 4): Lembra-se de nos anos 1990, Maradona iniciar de forma quase pirata a carreira como treinador no modesto Mandiyú, ao ser castigado por 15 meses pela FIFA ao acusar efedrina no Mundial '94? Sabia que esse clube do norte da Argentina faleceu e foi depois desenterrado após a passagem de "Deus"? Esta é a história... e a história de um clube de nome guarani e que é feito de algodão
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A 19 de novembro passado, uma notícia correu mundo: Diego Armando Maradona, três nomes cuja sequência soam a grandeza da maior, não era mais o treinador do Gimnasia La Plata. Na loucura do futebol argentino, voltaria a sê-lo poucas horas depois.
O Mandiyú era visto de soslaio, tido como uma "equipa de paraguaios e uruguaios"
Fechava-se e reabria-se assim mais um episódio no errático romance do antigo astro argentino com o banco, uma aventura plena de colinas e vales, que começou em 1994, ao serviço do modesto Deportivo Mandiyú, um clube, que como El Pibe, já provou ter mais de uma vida.
Continuemos com outra data: 14 de dezembro de 1952. Na província argentina de Corrientes e na cidade com o mesmo nome, os empregados da fábrica têxtil Tipoití fundaram o Club Deportivo Tipoití, designação logo depois apagada, em virtude da proibição dispensada a agremiações deportivas com nomes comerciais.
O clube correntino logo tirou Tipoití e adotou Mandiyú (algodão em guarani, a língua nativa daquele pedaço de terra sul-americana). Depois de muito porfiar, o pequeno clube da província foi-se tornando o maior de Corrientes, tendo como rival o Boca Unidos e foi subindo na cadeia alimentar, mas precisou de quase 30 anos para aparecer no primeiro plano do futebol argentino profissional. Esse momento ainda é muito recordado.
Hoje joga o Torneo B, uma divisão regional do quartão escalão do futebol argentino
Começou aqui o melhor período dos algodoneros, que tinham na sua grande figura José Horacio Basualdo, médio que integrou a Argentina vice-campeã do Mundo no Itália '90. Clube orgulhoso que lutava pela sua terra, O Mandiyú era visto de soslaio, tido como uma "equipa de paraguaios e uruguaios" e que se baseava na força física, apresentando dificuldades nos duelos diretos com os maiores dos maiores do país: Boca Juniors e River Plate.
À entrada para a década de 1990, o clube do norte da Argentina começou a arranhar o alçapão que se abria para o topo. Acabou um campeonato em 3º e outro em 6º, mas as alegrias acabariam aí. E nem "Deus" valeu aos correntinos...
Viver, morrer e ressuscitar, com e sem a ajuda de "Deus"
Castigado por 15 meses por acusar efedrina durante o Mundial de 1994, Diego Maradona não tinha o que fazer. Encontrou algo no clube de Corrientes, a província de origem do seu pai, Don Diego. Corria o mês de outubro do ano acima mencionado. A aura messiânica de uma figura evangelizada no mundo do futebol e em toda a Argentina colocaram em definitivo o Mandiyú no mapa do futebol global.
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Apesar de ainda não ter as habilitações necessárias, Maradona chegou como aposta da nova gestão do clube, composta pelo deputado Roberto Cruz e um ex-dirigente do Independiente, Roberto Navarro. A equipa já contava com o guardião Sergio Goycoechea (grande amigo de El Pibe e semi-herói argentino no Itália'90) e com o médio paraguaio Guido Alvarenga.
Na estreia, ficou para a posteridade a imagem de Maradona a ver um jogo da sua nova equipa na bancada, entre o povo, ao lado do irmão Lalo, agarrado ao alambrado e desesperado por não conseguir entrar em campo e mostrar como se fazia - os algodoneros perderam 2-1 frente ao Rosario Central (vídeo abaixo).
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Mas a aventura não correu como todos esperavam. Maradona ainda fez a gracinha de empatar (2-2) em casa do River Plate que execrava, alfinetando de saída. "Diziam que ia levar cinco..."
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O "paso" por Corrientes durou pouco. Uma vitória, seis empates e cinco derrotas depois, tudo se desmoronou por inimizade com Ricardo Cruz. "O presidente achava que podia entrar no balneário. Não lhe permito. Aí, mando eu." A história do astro que voltaria aos relvados pelo emblema dos algodoneros está resumida aqui.
Sem Maradona, o Mandiyú furou o fundo e continuou a cair. A gestão Cruz-Navarro atirou o clube nortenho para o colapso. Em 1995 era a descida, com salários em atraso à mistura. Os dirigentes simplesmente desapareceram e o Mandiyú evaporou-se ao ser federativa e compulsivamente desfiliado. O clube deixou simplesmente de existir.
Órfã, as gentes de Corrientes, compostas por antigos dirigentes e adeptos, formaram em 1998 o Deportivo Textil, depois designado Mandiyú Textil, que continua ativo, mas não tem ligação direta ao anterior.
Finalmente, em maio de 2010, a Inspeção Geral de Personalidades Jurídicas, cedeu os direitos legais do Deportivo Mandiyú a uma comissão diretiva normalizadora e o clube foi de pronto reativado tal qual havia sido deixado: no símbolo, nas cores, nas instalações refeitas, na paixão correntina (vídeo abaixo).
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Os algodoneros foram colocados na segunda divisão regional. Recomeçaram a vida em campo com uma vitória por 3-0 sobre o Nueva Valencia de Riachuelo. Hoje joga o Torneo B, uma divisão regional do quartão escalão do futebol argentino.
Afinal, o Mandiyú é como o algodão: não engana. Ou antes, só engana a morte.
Abaixo, os primeiros três episódio de OS INFIÉIS DEFUNTOS:
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