"Rui Nabeiro chamava-me e dizia: 'brasileiro, leva estas garrafas. Não as bebas, são para o teu pai'"
Rui Nabeiro e o filho João
foto LUSA
Gila, esteio defensivo da subida do Campomaiorense, recorda as comemorações que levaram a um bloqueio de estrada em Estremoz
Gila veste uma capa "malvada" para o Campomaiorense. Foi peça histórica do clube mas acabou por ganhar a Taça de Portugal pelo Beira-Mar, quando uma vila alentejana sonhava com o Olimpo. O antigo defesa reflete muito com a morte de Rui Nabeiro. "Fiquei extremamente triste, lembro uma pessoa muito querida e disponível para o bem social" começa por definir, atacando os marcos históricos. "A primeira subida do Campomaiorense foi dos dias em que vi o senhor Rui exteriorizar mais a sua alegria, realizava algo muito importante para ele", assevera.
"Foi na Madeira que começaram os festejos, após o jogo com o Nacional. Duraram pela noite dentro, até amanhecer. Impressionante a viagem de Lisboa para Campo Maior, impactante foi que centenas de adeptos vieram ao nosso encontro, não aguentavam a espera e acabaram por bloquear a estrada em Estremoz. Fez-se uma caravana até entrar na vila", precisa.
"Na consagração com o Amora, em que marco dois golos numa vitória de 4-1, a direção organizou uma festa brutal com uma tenda enorme no parque de estacionamento com muita comida e bebida. Aberta ao povo e com a presença do senhor Rui. Houve prémios de jogo e prémios de subida imediatamente cumpridos", acrescenta Gila, decifrando o sentimento gerado na terra.
"Essa subida foi um passo gigante, rendeu balneários novos, bancadas novas e uma grande evolução na estrutura diretiva. Ficou tudo muito mais profissional", desfia, enaltecendo a presença do líder da Delta. "Aparecia de surpresa, cumprimentava um a um ou via o treino à parte. O clube era como mais um filho que ele tinha, estava sempre pronto para tudo o que fosse preciso", revela.
"Posso recordar uma história em 1993/94, uma época a correr dentro das expectativas e tivemos uma sequência horrível de seis derrotas em que ficámos em situação comprometedora. Ele veio ao balneário, olhou-nos e disse-se uma única palavra: coragem."
Taça, aquela prova tão adorada
"A final da Taça foi algo incrível. Eu estava do outro lado mas sabia o quanto a prova era adorada pelo senhor Rui e pelo seu filho João Manuel. Eles queriam sempre chegar longe na Taça, acho que era um sonho chegar à final. Vencer pelo Beira-Mar foi o ponto mais alto da minha carreira. Foi algo inexplicável. Mas o Campomaiorense era a última equipa que escolheria como adversária porque sabia que o meu sonho colidia com a família Nabeiro", regista Gila. "Foi um grande choque terem perdido essa final, talvez mesmo uma origem para a extinção pouco depois", resume.
As garrafas de vinho para o Brasil
Demétrios chegou a Portugal com 26 anos para representar o Campomaiorense em 1997/98, tendo sido goleador dos galgos no ano da final da Taça. O brasileiro, campeão nacional pelo Boavista, foi logo conquistado pelos afetos de Rui Nabeiro.
"Estou grato até hoje pelo investimento que o Campomaiorense fez em mim. Quando lá cheguei conheci um gentleman, uma pessoa ímpar. Alguém inspirador, capaz de nos comover pela sua história. Ergueu um império e manteve a dignidade com todas as pessoas. Queríamos ser vencedores como ele foi".
"Ele tinha uma capacidade afetuosa fora do comum. No final de cada época, no período de férias, antes de partir para o Brasil, chamava-me ao seu escritório e dizia "brasileiro, leva estas garrafas da minha garrafeira, mas, atenção, não as bebas, são para o teu pai". Ele dizia isso sem conhecer a pessoa. Não dá para esquecer isso. Ele dizia "tu marcas golos e alegras as pessoas da vila". Era um homem honesto", afirma.
"Cumpriu a sua missão com mestria. Fico com uma imagem dele a sorrir e a dizer na véspera dos jogos "amanhã é para ganhar, vejam lá". Fazia-o sempre de forma educada", rebobina Demétrios, mergulhando numa mágoa.
"Perdi e ganhei muita coisa mas perder a final da Taça, sabendo o que representava para a família, doeu muito! Fico arrepiado de me lembrar. Pai e filho preferiam ganhar a Taça ao Campeonato, a prova que idolatravam. Era a cereja no topo do bolo para eles. Lembrar a alegria que ele nos transmitiu, a forma como movimentou a vila para o Jamor, a deixou deserta! Não podemos esquecer a festa que foi o acesso à final mas faltou o troféu. Ele, mesmo assim, sorriu e felicitou todos, generoso e sereno", finaliza.