ENTREVISTA, PARTE III - Treinador Ricardo Soares recorda os trabalhos realizados no futebol português
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Pelo que já fez em Portugal, na Liga, pelas experiências fora, como olha para destinos obrigatórios da carreira?
- Tenho vivido dias rápidos, tudo a correr, sem férias, sem grandes paragens, tempo difícil com a família. É uma profissão excelente, mas que nos tira algumas coisas. Este tempinho diz-me que os treinadores também devem para parar para voltar com mais energia, pensando no que se tem feito, nas linhas de orientação, na metodologia e liderança. Não podemos deixar fugir novas valências para ter mais assertividade. As coisas têm corrido bem, poucos despedimentos, mas o conformismo é meio caminho para o insucesso. Tenho de responder bem a quem me contrata, essa é a ambição, dar às pessoas o que esperam de nós.
O apelo de ir para fora é muito superior, nesta altura?
- O objetivo de continuar no estrangeiro está claro na mente, quero ver até onde posso chegar, como me adapto aos contextos. Já estive longe de tudo, dos amigos e da família e adaptei-me a culturas futebolísticas diferentes e lideranças díspares. Mas não descarto nada, Portugal tem uma liga muito organizada, há um potencial fantástico.
Treinou em todas as divisões, sente que fez um caminho mais esforçado do que a maioria e que isso o valoriza mais?
- Olhando para trás, há o sentimento que trabalhamos muito, mas cruzando com as pessoas certas, que nos ajudaram. Digo desde a distrital. Todos os clubes exigiram muito de mim e proporcionaram-me sucesso. Não posso descurar nenhum, tenho carinho por todos. Ganhando, toda a gente anda feliz e as amizades prosperam, deixei amigos em toda a parte. O que mais nos marca são sempre as pessoas. A grande maioria foram boas, as que dispensávamos, apenas uma gota no oceano.
Mas houve uma saída que o deve deixar a pensar como foi possível, a lutar pela Europa?
- Se fala do caso concreto do Moreirense, guardo na cabeça um presidente que me foi buscar ao Covilhã e lançou a minha carreira. Estou grato para o resto da vida. Não quero saber se, num outro momento, podia ter agido ou gerido de outra forma, porque saí de forma inesperada. Tenho de olhar para coisas positivas. Como quando vou a Chaves e trago sempre a mala cheia, ou quando vou à Covilhã e me enchem o carro de queijo. Ligação menor com um clube, talvez o Aves. O Estoril adorei, um clube muito organizado.
E o Gil Vicente fica como a grande obra?
- Pouco depois da tal saída do Moreirense, ligaram-me do Gil, que o presidente queria falar comigo. Gostei logo da pessoa. Cheguei com a equipa no penúltimo lugar, incentivado também pelo Vítor Oliveira a aceitar e, pouco depois, aconteceu a fatalidade que nos deixou mais pobres. Não foi carregar num botão e logo acendeu a luz. Eu não sou mágico. Mas a equipa era boa e tudo funcionou bem, valendo o 11.º lugar. A preparar a época seguinte foi uma coisa familiar, passava tudo pelo presidente, pelo scouting do Tiago Lenho. Na pré-época percebi que ia ser um ano especial, estava tudo no mesmo barco. Veio o Navarro, já tínhamos o Samuel Lino, resolveram jogos, depois apareceram o Fujimoto e o Vítor Carvalho, que não eram titulares na época anterior. Mais do que a classificação, a melhor de sempre, ou os resultados, que nem sempre posso controlar, fica a nossa qualidade de jogo. Foi marcante, excedeu expectativas com vitórias incríveis. Ninguém nos conseguia pressionar, falo dos grandes. Os jogadores foram heróis numa estrutura muito solidária.
Sei também que a última etapa em Portugal, no Estoril, acabou de forma especial...
- Quando saí do Al Ahly não queria vir para Portugal. Falhei fora e queria ver se era ocasional. O Estoril contacta-me, avisei que tomava um café mas não iria aceitar. As coisas mudaram porque fui convencido pelo Pedro Alves. Gostei de tudo e tive que me explicar a pessoas chegadas porque mudara de opinião. Não foi por dinheiro, foi apenas porque me senti feliz pelo tipo de abordagem e era uma equipa numa fase descendente e perigosa. Foi o trabalho mais difícil com uma equipa que não vencia há muito e uma frustração pronta a explodir. Tudo acabou bem e saí, porque o Estoril aceitou que colocasse essa cláusula que podia sair, mediante oferta do estrangeiro. O adepto nunca entendeu bem porque fiquei só três meses, apareceu o clube chinês e outros.
“Subi degraus desde a distrital, porque subi equipas”
Treinar em Portugal novamente requer um convite de um dito grande ou um Braga?
- É uma excelente questão… Se houve algum segredo da minha ascensão foi viver em paz comigo. Os clubes é que devem achar se tenho as valências pretendidas. Eu apenas me preparo convenientemente para fazer o melhor possível e ter a melhor carreira que conseguir. Convivo bem com o que me aparece à frente, se não dei o salto, é porque decidiram por outras pessoas. Mas treinei o Al Ahly, um gigante, é porque reconheceram competência. São coisas difíceis de controlar, é o momento, é o grande precisar de um treinador com as caraterísticas do Ricardo. As coisas passam e vão.
Podia ter sido pensado por um grande em circunstâncias como as que viveu o Rui Borges, que teve um percurso semelhante ao seu?
- Podia ter acontecido, mas não aconteceu. O Rui é meu amigo, foi meu colega no Paredes e desejo-lhe tudo de bom. Chegou lá com grande merecimento. Falando por mim eu ainda comecei mais abaixo do que o Rui, subi dois anos seguidos o Felgueiras, depois subi o Vizela. Eu subi degraus na carreira porque subi equipas e encontrei jogadores que me proporcionaram isso. E quando fui despedido, estava a cumprir ou superar objetivos. Alguns treinadores falham objetivos, mas caem para cima, eu sei que não posso perder.
Objetivamente, recebeu algum contacto dos ditos grandes? E imaginava-se preparado?
- Nunca tive qualquer contacto dos três grandes e do Braga. Daí querer ter ido para fora para saber se conseguia ter sucesso, saber do que era capaz. Não respondo se estou preparado para os grandes, porque estou preparado para o nível de exigência de quem me contrata. Se for do meu agrado, se estiverem alinhados os objetivos desportivos e financeiros, posso aceitar qualquer clube da Liga Portuguesa.