Edgar Almeida revelou que houve salários em atraso, mas tudo terminou em festa no S. João de Ver, num final épico, repleto de lágrimas e choro
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O S. João de Ver entrou para a última jornada em zona de descida, depois de ter falhado o “match point” frente ao Anadia, adversário contra o qual, em caso de vitória, garantiria automaticamente a permanência na Liga 3. Mas acabou por perder. Apesar deste cenário desfavorável, em que a equipa passou a depender de terceiros, Edgar Almeida, que é sub-capitão dos malapeiros, transmitiu ao grupo que a salvação ainda era possível. Para isso, o central contou com a preciosa ajuda da Sanjoanense, clube da terra de onde é natural, que derrotou os bairradinos. Isso, aliado ao triunfo do S. João de Ver sobre o Vilaverdense, permitiu à equipa respirar de alívio, num final emocionante.
A equipa só se salvou na última jornada, graças a uma vitória sobre o Vilaverdense e uma derrota do Anadia com a Sanjoanense. Como viveram esse momento?
—Foi um dia especial. Sabíamos que ia ser difícil depois da derrota inesperada em casa contra o Anadia, num jogo que tínhamos obrigatoriamente de ganhar para o objetivo ficar cumprido. Com o Vilaverdense já sabíamos que não ia ser fácil, dada a semana que vivemos, mas o treinador e os capitães passaram uma mensagem de grande esperança e nós, enquanto grupo, acreditámos. A Sanjoanense vinha de cinco vitórias seguidas, e também seria difícil para o Anadia, dada a qualidade deles. Embora não dependêssemos de nós, fomos para o último jogo com uma crença grande. No final foi uma alegria gigante para todos.
Contra o Anadia, o plantel sofreu um grande soco no estômago, ao cair para despromoção. Como lidaram com isso?
—Foi muito duro. Tivemos de reunir as tropas e levantar jogador a jogador. Ali era o mata-mata, uma verdadeira final. Quem saísse vencedor estaria muito próximo de alcançar o objetivo de uma época. Às vezes há estados de ansiedade. Sofremos um golo um bocadinho consentido, mas, a haver um vencedor, tínhamos de ser nós. Fomos superiores e tivemos três ou quatro ocasiões para marcar, mas não o fizemos. O futebol tira mas também dá, e depois daquela injustiça, senti que algo estava reservado para nós. Na última jornada, conseguimos ser felizes.
Numa semana, o S. João de Ver foi do inferno ao céu. Houve muito sofrimento?
—Tenho 32 anos, já vivi muita coisa no futebol, mas nunca vi tantos jogadores juntos a chorar. Foi uma época muito complicada. Nós, enquanto capitães, fomos segurando o grupo, mantendo o foco, mas a gestão que foi feita pela SAD foi difícil, com salários em atraso e bastantes dificuldades. O investidor da SAD não aparecia, até que o presidente do clube [Carlos Branco] teve de pegar outra vez nas coisas para regularizar os ordenados e isso criou instabilidade. Estávamos a fazer um campeonato tranquilo, fomos aos quartos de final da Taça de Portugal contra o Rio Ave e, de repente, as coisas começaram a desmoronar-se aos poucos, mas a união do grupo conseguiu suportar tudo. Daí este final épico e as lágrimas.
O plantel fez alguma promessa por ter conseguido esta espécie de milagre?
—O diretor-desportivo [ Fábio Torres] foi a Fátima com uma camisola do S. João de Ver agradecer e o guarda-redes [Ricardo Benjamim] também meteu lá uma velinha. O Danny, no final do jogo, percorreu o relvado de uma ponta à outra de joelhos, em jeito de agradecimento.
É natural de S. João da Madeira. Agradeceu aos seus conterrâneos pela ajuda?
—Joguei mais de 20 anos no clube e tenho uma ligação muito forte lá, por isso, era dos que mais acreditava nesta possibilidade. Sei do que se vive ali, da seriedade das pessoas que estão à frente da Sanjoanense, que têm sempre o lema de querer ganhar. O Anadia tinha um estímulo superior, a permanência, mas, conhecendo quem lá trabalha, sabia que se fizéssemos o nosso trabalho eles iriam dar uma boa resposta, porque estavam numa fase muito positiva, com cinco vitórias seguidas, e as coisas iam proporcionar-se.
O Pedro Lomba chegou a três jornadas do fim para render o Afonso Cabral. O que trouxe ele?
—O Pedro teve um ato de coragem. Tinha feito uma época tranquila no Vianense, onde cumpriu os objetivos, e veio para um desafio muito grande. Entrou num clube com dificuldades, o grupo um bocado dividido, mas trouxe uma nova energia, liderança, rigor e profissionalismo. Não o conhecia, mas em pouco tempo fiquei a gostar dele, e foi uma das chaves do sucesso. Mesmo levando um soco no estômago com a derrota contra o Anadia, foi sempre um guerreiro.
Foi dos jogadores mais utilizados nestas duas épocas. O futuro passa por renovar?
—Neste momento estou de férias. Foi das épocas mais desgastantes em termos mentais e quero fazer um reset. Fiz os jogos quase todos, sei que as pessoas do clube gostam de mim, sempre nos apoiaram. Agora quero estar tranquilo, desfrutar, e o futuro logo se verá. Não sei se será no S. João de Ver ou noutro projeto, mas este clube terá sempre um espaço grande no meu coração.
Campeão, subida de divisão em França e carinho pela Sanjoanense
Na única experiência que teve no estrangeiro, ao serviço dos franceses do Créteil-Lusitanos (2018/19), Edgar Almeida foi campeão e terminou a época com uma subida à terceira divisão. “Fui para lá através do Carlos Secretário, que era meu treinador no Cesarense. Foi muito enriquecedor e joguei os jogos todos. Havia a possibilidade de renovar, com salário duplicado, mas quis voltar para junto da família em Portugal”, contou o central, que concilia o futebol com o trabalho numa tabacaria, um negócio de família, revelando que a Sanjoanense, clube onde jogou durante 16 épocas, é o emblema de que guarda mais carinho. “Fiz lá épocas muito boas; há dois anos fomos à fase de subida e estivemos perto de subir à II Liga. Também gostei do Beira-Mar e do S. João de Ver, onde foi marcante a subida à Liga 3”, explicou.