Villas-Boas revê o FC Porto e Luís Castro explica a sensação: "Evita-se os contactos..."
Luís Castro, treinador do Shakhtar, aponta a prudência na semana do jogo e recusa que o conhecimento seja trunfo. Treinou Penafiel, FC Porto, Rio Ave, Chaves e V. Guimarães, viveu muitos regressos e soube sempre dissociar a afetividade. Causam-lhe "estranheza" algumas reações.
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Técnico do Shakhtar travou duas vezes o FC Porto na época em que treinou o V. Guimarães e residia na Invicta. Mas isso não o impediu de sair à rua e fazer a vida normal.
O que sente um treinador na primeira vez que volta à casa de um ex-clube?
-Todos sentimos as coisas de forma diferente, mas eu dissocio-o muito bem o lado profissional do lado afetivo, social e familiar. É uma oportunidade de rever amigos, pessoas com as quais já trabalhámos e elas sabem o que sentimos e o que queremos no desempenho da nossa profissão. Todos sabem que quando os visito é para ganhar e que tudo o que fiz em termos de rigor, disciplina, ambição e determinação quando os representei também o farei como adversário. Não motiva mais, nem menos. Olho de forma fria para as situações. Todos sabem o respeito que tenho por aqueles com quem trabalhei, desde o presidente, ao técnico de equipamentos ou ao team manager, mas que também exijo respeito. Respeito muito as massas associativas quando estou no clube, mas também exijo que o façam quando estou no lado contrário.
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É normal que os contactos se mantenham, mesmo em lados opostos. Isso também acontece na semana antes do jogo ou evita-se?
-Evita-se. Não é por causa da nossa consciência, é por causa da desonestidade intelectual de muita gente no futebol. Como há pessoas que não são honestas intelectualmente, que nos marcam e perseguem toda a vida, para tentar agarrar alguma coisa mal de nós, é preciso ter cuidado com elas. Infelizmente já não tenho pai nem mãe, mas a minha mãe podia ser presidente de um clube e o meu pai o treinador, que podia sentar-me à mesa com eles no dia anterior, porque sabiam que no dia seguinte teriam pela frente o filho a querer ganhar-lhes. Para muito gente, o futebol tem complexidade a mais para a simplicidade que tem. O futebol é muito simples: nós estamos de um lado e queremos ganhar e os outros também. Eles dão tudo para nos ganhar e nós damos tudo para lhes ganhar. É só isto. Muitos toldam tudo, viram tudo ao contrário, ganhando dinheiro da forma como falam sobre estas situações. Pronto, são as regras do jogo. Nós estamos lá e, por isso, para evitar essas coisas, evitamos contactos. Quando estava no V. Guimarães, vivia no Porto e fomos ao Dragão ganhar e empatámos em Guimarães. Não foi por isso que deixei de sair à rua, que fui para casa ou que não fiz a minha vida normal.
"O futebol tem complexidade a mais para a simplicidade que tem"
Historicamente, até pela diferença de patamares de alguns clubes, os treinadores que voltaram ao Dragão perderam sempre. Isso contraria a ideia de que conhecer a casa é uma vantagem no jogo?
- Isso são preconceitos que existem. O futebol está cheio destas coisas. O treinador conhece bem porque a treinou no ano anterior... Que vantagem é que isso tem? O que a equipa faz está espelhada nos jogos que realizou até então. Temos departamento de observação, análise, relatórios, imagens partidas por cada jogador que atua, o desempenho coletivo e individual, quilómetros percorridos e não percorridos... Temos tudo! Há conceitos de há 20 anos que as pessoas ainda dizem hoje, quando já existem ferramentas fantásticas de ajuda. É como as que são de um clube e, mesmo com o VAR, continuam a dizer que não foi penálti, quando toda a gente vê que foi. Não tem vantagem nenhuma irmos jogar a um clube que já representámos. Antigamente é que não havia imagens, relatórios e quando queríamos um homem na observação as Direções diziam que era tudo muito apertado e não queriam gastar dinheiro. Hoje, nem é tema.
Ainda tem curiosidade para ver o que fazem as suas anteriores equipas?
- Sim. Tenho amigos em muitos clubes, mas, quando se vive mais tempo num clube, fica-se lá com mais pessoas conhecidas. Muitas vezes nós somos amigos deles e eles deixam de ser nossos não sei bem porquê. Às vezes, a forma como me cumprimentam antes de um jogo e depois de um jogo em que tivemos êxito preocupa-me bastante. Às vezes causa-me sensações estranhas. OK, eu sei que é tremendamente violento perdermos um jogo, mas há uma coisa que nunca podemos perder: o respeito. Mas é o que é.