"Vê-se um fosso tremendo do quarto lugar para baixo. É a realidade do nosso futebol"
Declarações do antigo futebolista Fernando Mendes.
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A edição 2022/23 da I Liga "vai continuar" a acentuar um "fosso tremendo" entre os três grandes e os restantes 15 clubes a nível de qualidade, investimento, infraestruturas e massa social, lamenta o ex-futebolista Fernando Mendes.
"O Braga aproximou-se um pouco e tornou-se um adversário difícil para os grandes, mas as coisas não correram bem nas últimas duas épocas. Vê-se, depois, um fosso tremendo do quarto lugar para baixo. É a realidade do nosso futebol. Sempre foi assim e parece que irá continuar desta maneira", contextualizou à agência Lusa o antigo internacional luso.
Na sua carreira, Fernando Mendes passou pelos cinco campeões nacionais, o Sporting (1985/1989), o Benfica (1989/1991 e 1992/93), o Boavista (1991/92 e 1994/95), o Belenenses (1995/96 e 1999/2000) e o FC Porto (1996/1999).
O lateral esquerdo não passou, pelo contrário, pelo Braga, que se impôs pela quinta temporada seguida como o "rei dos pequenos" do escalão principal em 2021/22, ao fechar o top-4, com 65 pontos, mais 14 do que o Gil Vicente, quinto, mas a nove do Benfica, terceiro, e a 26 do campeão FC Porto.
"Também não nos podemos queixar muito, até porque se passa o mesmo se formos por esses campeonatos europeus fora. Os campeões são praticamente sempre os mesmos em Inglaterra, França e Espanha, mesmo havendo maior competitividade. O Braga tem sempre capacidade de contratar bons jogadores, muitos deles no mercado português, além de uma formação excelente e muitos miúdos que têm dado cartas na equipa profissional. Com certeza, será uma equipa complicada e competitiva", afiançou.
Artur Jorge voltou ao comando técnico dos arsenalistas para render Carlos Carvalhal, sendo uma das cinco trocas nos bancos dos clubes da I Liga para 2022/23, cenário que, ao contrário de 2021/22, costuma superar a dezena de mudanças no decorrer da época.
"Deve-se a resultados desportivos e às formas de os treinadores pensarem em objetivos que muitas vezes não condizem com as metas reais das equipas em termos financeiros. Sei que é muito hábito do futebol português, mas não posso aceitar que um clube tenha quatro ou cinco técnicos num ano. Não faz sentido nenhum. Depois, há presidentes que acreditam num treinador, mas deixam-se disso ao fim de 15 dias. Quando começam a ter um conhecimento mútuo mais profundo, entram em choque em muitas situações", notou.
Fernando Mendes, de 55 anos, sugere a criação de "muitas regras" para suavizar essa crónica instabilidade técnica e augurar um "futebol muito melhor", mas avisa que "esse discurso e interesse" não é seguido pelos organismos reguladores do setor em Portugal.
"Basta começar pelos castigos e pelas leis que vigoram no futebol português, que têm sempre buracos para favorecer os clubes. Se formos a alguns campeonatos por essa Europa fora, as coisas são mais duras, daí a competitividade ser muito mais evidente do que na nossa I Liga. As entidades fazem as coisas e não são os clubes que mandam", ilustrou.
Pugnando por uma competição "mais igual", em que a "desconfiança tremenda" venha a dar lugar a uma "crescente verdade desportiva", o ex-lateral esquerdo internacional luso vinca que os responsáveis "deviam aprender e copiar algumas práticas" do estrangeiro.
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"É pena, porque temos jogadores e treinadores fantásticos e um público excelente. Os adeptos não vão mais vezes aos bilhetes, porque são caríssimos. Com todo o respeito que esses clubes mereçam, não posso aceitar que vão a um jogo da I Liga e estejam 200 ou 300 pessoas a ver a bola. Vou aqui ver um jogo do Olímpico do Montijo e está mais gente a ver do que em muitos jogos do principal escalão. Tem de haver novas pessoas. Os clubes só têm de aceitar essas regras e formas de pensar diferentes", argumentou.
À margem do Braga, que volta a ter entrada direta na fase de grupos da Liga Europa, Fernando Mendes deteta valor no Gil Vicente e no Vitória de Guimarães "para se baterem com muitos clubes" na Liga Conferência Europeia, apesar dos parcos recursos financeiros para "terem plantéis muito vastos e rodarem o "onze" sem grande diferença".
"Das equipas que mais gostava de ver na época passada, o Gil Vicente tinha qualidade e apresentava futebol extremamente agradável. Pelo público fantástico e pela forma como vivem o clube, é pena o Vitória de Guimarães andar algo arredado destas andanças, mas merece estar nas provas europeias pela sua capacidade", destacou o atual comentador.
Acautelando "surpresas" num início de campeonato "importante para muitas equipas", o antigo defesa projeta pouca diversidade clubística na primeira metade da tabela de um campeonato em vias de antecipar a centralização dos direitos televisivos já em 2023/24.
"Pode haver mais dinheiro, mas quem vai lucrar sempre com isso serão os "grandes". Os outros clubes vão ter mais verbas para se poderem reforçar um pouco melhor. Mas, para os "grandes" aceitarem isso, é porque irão ter outro tipo de contrapartidas que os clubes mais fracos não devem ter. A centralização é boa, mas acho que não resolve", concluiu.
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