Um divórcio que vem de longe: "As pessoas deixaram de apoiar e a Académica enfraqueceu"
Despromoção da Académica foi mais um capítulo de um progressivo afastamento dos adeptos. Há 10 anos festejavam a Taça... O quarto clube com mais sócios na década de 1970 perdeu-se e tarda em agigantar-se. "Deixou de haver investimento e o adepto só vai ao futebol com equipas competitivas", explica José Viterbo.
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Noite de 20 de maio de 2012, Coimbra exultava pela conquista da Taça de Portugal, 73 anos depois de ter vencido a primeira edição da histórica competição, em 1939. Sob o comando de Pedro Emanuel, a Académica, o mesmo clube que nesta época, a quatro jornadas do final do campeonato da II Liga, viu confirmada a descida, pela primeira vez, à terceira divisão nacional (Liga 3) em 134 anos de história, havia batido nada mais nada menos do que FC Porto na quarta eliminatória e o Sporting na final.
Enquanto o autocarro panorâmico percorria demoradamente as principais artérias da cidade, porque as ruas estavam pejadas de gente a festejar, os jogadores não paravam de questionar: "Onde é que estavam todas essas pessoas? Por que razão não apareciam nos outros jogos?"
No Jamor, já haviam testemunhado com espanto que metade da bancada do Estádio Nacional estava totalmente preenchida com adeptos da Briosa, mas aquele mar de gente era espantoso.
Diogo Valente, um dos heróis dessa final, depressa percebeu que se tratava de um entusiasmo efémero. "No ano seguinte, a equipa até venceu o Atlético de Madrid na Liga Europa. Imaginava que o clube iria dar um grande salto, mas, passado pouco tempo, desceu à II Liga. As pessoas deixaram de apoiar e o clube enfraqueceu. E agora acontece esta descida ao terceiro escalão: é incrível. Acredito, no entanto, que é possível ressuscitar. O Espinho e o Salgueiros também bateram no fundo e reergueram-se", exemplificou.
José Viterbo, o coordenador técnico da Académica Secção de Futebol, entende que o emblema "não conseguiu capitalizar" a última conquista da Taça, mas recorda que na época de 2011/12 "já vinha dando sinais de alguma falta de competitividade."
"Oito dias antes dessa final da Taça, a Académica salvou-se da descida de divisão com uma vitória em Guimarães. Por incapacidade de alguns dirigentes, a cidade afastou-se um bocadinho do futebol. Deixou de haver investimento e competitividade e o adepto só vai ao futebol quando tem equipas competitivas", avaliou, vincando que a Académica chegou a ser uma admirável "passadeira de grandes jogadores, como foram Artur Jorge, Toni, Mário Campos, Vítor Campos, Vítor Manuel, Gervásio, Alhinho, Zé Costa, Zé Castro, Pedro Roma, Dário..."
"A Académica deixou de ter jogadores atrativos e os sócios cansaram-se de ver o clube a lutar só pelos lugares da permanência", juntou.
Ícone da Académica entre 1963 e 1978 (durante esse período licenciou-se em Medicina e foi três vezes internacional português), Mário Campos puxa mais atrás a fita da história do clube para concluir que "o princípio da derrocada" se verificou logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, quando "os estudantes da esquerda radical extinguiram a secção do futebol", posteriormente transferida para a Académica Secção de Futebol (um clube gémeo fundado como alternativa).
"Tudo ficou decidido em cinco minutos numa Assembleia Magna da Associação Académica. Nessa altura, o clube tinha cerca de 15 mil sócios. Era o quarto com mais sócios em Portugal e também era o quarto com maiores receitas. Como costumava dizer o meu amigo Manuel Alegre, eles, os adeptos, entravam em campo connosco, com os jogadores. Só passados 10 anos é que o futebol regressou à Académica como organismo autónomo e já com jogadores profissionais. Durante esse período, verificou-se um afastamento natural dos estudantes, que olhavam para o clube como outro qualquer ", recordou.
Os tempos mudaram e, na perspetiva de Mário Campos, a Briosa demorou a adaptar-se "à dinâmica de comprar e vender bem jogadores." "Não havia esse hábito. Nos últimos anos, a gestão do clube não tem sido a mais correta e a pandemia afastou ainda mais as pessoas", avaliou, embora esperançado num rápido regresso da Académica às ligas profissionais à boleia de uma "gestão correta."
Cidade de Coimbra vai continuar a ser "a casa"
A Académica continuará a jogar no Estádio Cidade de Coimbra. O contrato de cedência das instalações apenas expira em 2024 e José Manuel Silva, o presidente da Câmara Municipal, não tem "qualquer indicação" de que o clube pretenda mudar-se para o Estádio Sérgio Conceição, em Taveiro, como se especula. "Seria difícil em termos de manutenção da relva, porque esse estádio já tem uma taxa de ocupação exagerada", explicou.
SDUQ e atletas estão na mira
Palco habitual de tertúlias acaloradas relacionadas com a Académica, o café Velha Academia (mais conhecido por "Piolho") está de luto profundo. A inédita descida ao terceiro escalão do futebol português não tem perdão e os principais visados são os membros da SDUQ, presidida por Pedro Roxo, e os jogadores, numa época que já vai no quarto treinador (Zé Gomes). "Houve erros desportivos e precipitação também nas trocas de treinadores. Nenhum resolveu. Agora vai ser muito difícil sair do terceiro escalão. Se antes os apoios já eram fracos, agora ainda vão ser menores", calculou o economista Joaquim Leitão.
Recordando que a Académica até "chegou a lutar pela subida de divisão" na época anterior, João Inácio estima que a SDUQ "formou um mau plantel, sem falar sequer com o treinador." "A equipa não tem qualidade. Só se veem pontapés para a frente, para os avançados se desenrascarem", explicou o estudante.
Atribuindo culpas à pandemia por algum afastamento dos adeptos, Joaquim Almeida também acha que a Direção podia ter feito "bem melhor." "Fizeram contratações em grande número, sem qualidade, e despacharam os melhores. Foi má gestão", observou.
Para Maria do Rosário, a culpa "só pode ser dos dirigentes." "Escolheram mal os jogadores e não vi ninguém com estofo a pegar na equipa. Faltou um treinador à altura: tenho muitas saudades do Vítor Oliveira", confessou.
Da AAC ao reitor pelo fim da "crise"
Apesar de se ter esbatido, o cordão umbilical que liga a Académica ao meio estudantil perdura. Daniel Aragão, o presidente interino da Associação Académica de Coimbra, diz que chegou o momento de todos se unirem em torno do clube. "Os estudantes nunca deixaram de marcar presença nos jogos, mas ainda podemos melhorarmos esse apoio", comentou o líder estudantil. Já Amílcar Falcão, o reitor da Universidade de Coimbra, encara a "crise desportiva e extra-desportiva da Académica com preocupação." "Espero que consiga reerguer-se. Coimbra só terá a ganhar", juntou. José Manuel Silva, o presidente da Câmara Municipal, propõe "um novo modelo de gestão" para que "a subida de divisão aconteça já na próxima época." "Acumularam-se erros com consequências financeiras graves", referiu.