Tirsense já eliminou FC Porto da Taça: "O míster lixou-me, vou ter que vender os campos..."
Clube de Santo Tirso já fez das suas na Taça de Portugal. Nas Antas, protagonizou um momento sublime, repleto de histórias. Neca foi o homem que levou o clube a uma graça das grandes na prova rainha, deixando o FC Porto em choque com um 0-2. Presidente prometeu prémio chorudo e teve de fazer contas à vida.
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Deixou marca forte no Tirsense, alcançou uma subida e promoveu duas caminhadas na 1.ª Divisão. O professor Neca tem chancela de grande protagonista no clube de Santo Tirso, ainda para mais com uma façanha na Taça de Portugal, que quase rivaliza com o atual acesso às meias-finais. Foi em 1989/90 que o Tirsense chocou as Antas: venceu por 2-0, afastou os dragões da prova rainha e assegurou assento nos quartos. Eusébio e Lay foram encarregues da demolidora e atrevida sentença, acompanhado de embaraço gigante para nomes como Branco, Geraldão, Baía, João Pinto, Demol, Bandeirinha, André, Semedo, Magalhães e Rui Águas.
“Pouco tempo antes de ganharmos nas Antas para a Taça, tínhamos perdido 7-0 lá para o campeonato. Guardo-o como a maior derrota na carreira. Depois, cai em sorte o FC Porto, novamente nas Antas. Na semana do jogo, o médico vem ter comigo, depois de um resultado positivo, a dizer que tínhamos uma situação problemática, que estavam muitos jogadores lesionados. Que doía isto, doía aquilo. Só respondi ‘sem problema, desde que não haja pernas fraturadas’. E lá começaram fazendo corridas, depois abdominais, tudo começou a andar. No outro dia, já se mexiam normalmente”, recua Neca, guardando uma mensagem que rendeu façanha e ousadia travestida. “Eu disse ‘vamos às Antas fazer uma coisa diferente. Eles vão estar distraídos a dormir à sombra do 7-0’. Surge a partida, os meus jogadores estavam prontos para a festa da Taça e o FC Porto apresenta-se com o mesmo onze que nos tinha goleado. Na palestra prévia, aparece o presidente José Maia, que metia umas piadas. Aproveitei a descontração e disse-lhe ‘dê um prémio à rapaziada, porque já sabe que vai ficar com o dinheiro’. Dito e feito, achou porreiro e prometeu 200 contos a cada um. O jogo correu bem, foi entretido, chegaram os golos e a vitória até foi folgada, por 2-0. Saímos das Antas ovacionados por todos. Houve essa dignidade e foi tudo muito correto”, vinca o professor Neca.
Na altura, a proeza ganhou projeção a letras garrafais nos jornais, até com graçolas de Carnaval. “O presidente veio ter comigo e disse ‘o míster lixou-me. Vou ter que vender os campos, umas bouças, que vai ser uma batelada de dinheiro. Mas vou dar com gosto’. Disse-lhe que fazia bem, porque o troco da cidade ia ser muito superior. Recordo esse brilho de um tempo muito bom. Os jogadores tinham o sentimento de uma grande goleada sofrida, mas os mesmos intérpretes conseguiram depois algo completamente diferente”, recorda o experiente técnico.
Com a passagem pelos jesuítas, Neca construiu uma ligação com grande peso sentimental. “Ali fizemos uma família, fomos felizes. Tivemos a festa bonita de uma subida. Sinto o Tirsense, desde então, como minha casa e as pessoas continuam a tratar-me com grande dignidade. Era uma equipa difícil de ser ultrapassada e, no geral, conseguimos trazer visibilidade ao clube e cidade. O estádio estava quase sempre cheio imbuído de grande paixão e entusiasmo”, aclara Neca, que formou um meio-campo com três pedras basilares: Eusébio, Tueba e Zé Maria da Música.“Eusébio tinha chegado da formação, era um ponta-de-lança. Percebi que podia ser melhor noutras zonas. Fez épocas excelentes como médio. Zé Maria da Música era uma figura lendária do Varzim, um homem bravo e pescador. Veio com o Lúcio, eram o garante de experiência e maturidade. Foram jogadores que envolveram a equipa de sede de conquista. Juntou-se Tueba, um zairense sublime de grande execução técnica. Uma criatura fantástica, mas que vinha do Benfica com dificuldades físicas. Conseguimos ajudá-lo e mantê-lo sempre em condições. Zé Maria e Tueba deram qualidade de jogo”, conclui.