"Só os desacatos na AG justificavam buscas? Tenho dúvidas de que se justifique um aparato desta natureza"
Buscas da “Operação Pretoriano” levam preso Fernando Madureira e dois funcionários do clube. Adelino Caldeira, administrador da SAD, surge envolvido pelo Ministério Público num alegado conluio que levou à confusão na AG do FC Porto. Carros, droga e dinheiro confiscados.
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Fernando Madureira é o rosto mais mediático de um grupo de 12 pessoas ontem detidas pela Polícia Judiciária, que incluiu ainda a sua esposa, Sandra Madureira, Fernando Saúl, oficial de ligação aos adeptos (OLA) do FC Porto, Tiago Aguiar, que trabalha no departamento do planeamento e relações externas dos dragões, e Vítor Catão, ex-presidente do São Pedro da Cova, numa megaoperação na sequência de dois inquéritos do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) relacionados com os incidentes ocorridos na Assembleia Geral Extraordinária de 13 de novembro e também com as pichagens na casa de André Villas-Boas, assim como as agressões de que foi vítima o vigilante do condomínio onde vive o candidato à presidência portista. Adelino Caldeira, administrador da SAD portista, também é visado nos autos, por suspeita de ter combinado com a claque o clima de intimidação na AG, que o próprio negou.
Após a operação policial e buscas em residências, a PSP confirmou a apreensão de droga, três automóveis (para se realizarem perícias com os GPS), uma arma de fogo e milhares de euros, tendo sido apontado durante o dia que 50 mil em notas estariam na casa do líder dos Super Dragões. Os 12 detidos não estão todos no mesmo local. O casal Madureira pernoitou na esquadra da PSP de Santo Tirso, de onde será, esta manhã, encaminhado para o Tribunal de Instrução Criminal do Porto, onde decorrerá o primeiro interrogatório aos 12 detidos no âmbito da “Operação Pretoriano”. Os crimes em questão podem levar a penas de prisão que variam na duração. As residências de Hugo Carneiro, Vítor Manuel Oliveira, Carlos Nunes, Vítor Bruno Oliveira, Hugo Loureiro, José Pedro Pereira e António Moreira de Sá também foram alvo de buscas autorizadas pelo tribunal.
Clube promete colaborar com as autoridades
O FC Porto reagiu em comunicado ao início da tarde, prometendo “continuar a colaborar com as autoridades” e confirmando a “detenção de dois dos seus funcionários presentes” e prometendo agir em conformidade. “Se desta investigação resultarem mais factos, o FC Porto agirá em conformidade, tal como agiu em relação a três sócios que foram condenados a penas de suspensão entre seis meses e um ano na sequência dos acontecimentos dessa noite [da AGE]”, leu-se.
Caldeira repudia e promete agir para punir
De acordo com os autos, a que O JOGO teve acesso, o Ministério Público e a PSP dizem ter prova testemunhal de sócios do FC Porto presentes na AG, mas também prova documental de conversações em grupos de WhatsApp e de outras redes sociais, mensagens escritas e conversações digitais, que indiciarão um alegado conluio entre Adelino Caldeira, Fernando Saúl e os Super Dragões com o objetivo de ameaçar e expulsar sócios do FC Porto que fossem a favor de Villas-Boas na AGE que iria servir para votar a revisão dos estatutos do clube e não chegou a terminar por causa de desacatos e violência.
O vice-presidente e administrador da SAD reagiu num comunicado publicado no site oficial dos dragões. “Repudio veementemente qualquer associação que se pretenda fazer entre a minha pessoa e os factos ocorridos [...] É falso que tenha instruído seja quem for a fazer fosse o que fosse na dita Assembleia Geral. [...] A seu tempo, por certo tomarei conhecimento de quem enlameou o meu nome nesta vergonhosa fabricação e agirei de forma a que o falso testemunho prestado seja exemplarmente punido”, pôde ler-se.
“Timing calculado, calculista e persecutório”
Segundo os autos, a estratégia para a AG foi dividida em duas fases. Primeiro, Fernando Madureira terá distribuído pelas 20h30 cartões de sócios a um número elevado de cidadãos que não eram associados e também pulseiras, juntamente com Hugo Carneiro, conhecido como “Polaco”; já no pavilhão, terá começado a insultar os sócios afetos a AVB. Em declarações à “Rádio Observador”, Gonçalo Cerejeira Namora, advogado de Fernando Madureira, Sandra Madureira e Fernando Saúl pronunciou-se sobre o desenrolar da “Operação Pretoriano”, estranhando o “aparato que se quis montar” em redor das diligências. “É absolutamente inaceitável. Temos a PSP a querer dar ‘show-off’, só faltaram os aviões da Força Aérea. Não há factos que justifiquem detenções ou privação de liberdade”, atirou o causídico, garantindo que haverá reação à apreensão de viaturas, uma vez que “não há justificação legal” para a mesma.
Gonçalo Namora assegurou que nenhum dos arguidos que representa tinha “armas, estupefacientes ou engenhos pirotécnicos em suas casas” e chamou a atenção para “o timing” da operação. “É calculado, calculista e persecutório. Faz parte de uma agenda para prejudicar uma instituição e uma pessoa”, prosseguiu, deixando nas entrelinhas estar a referir-se a Pinto da Costa. “Essa conclusão não é minha, mas rapidamente se chega lá. Não tenhamos panos quentes. Quem quer justiça não anda a impingir proteção policial a quem não a pede e mesmo a quem diz que dela não precisa. Estamos perante uma autêntica cabala sustentada numa fábula digna de novela rasca”.
O advogado frisou que “não há motivo para as pessoas não terem sido constituídos arguidos com uma simples chamada, notificação ou visita de um órgão de polícia criminal”. “Não há motivo para arrombamento de portas, violência policial e detenção, para destruírem propriedade privada quando não havia nada para o sustentar”, rematou, classificando a ação das forças policiais como “inaceitável”.
3 questões a Nuno Sá Costa, advogado de Direito Penal
1 - Qual a moldura penal deste tipo de crimes?
-Sendo a prática do crime de ofensa à integridade física no âmbito da lei 39/2009, relativa à segurança e combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, a pena de até três anos é agravada um quarto nos seus limites mínimos e máximos. No caso do arremesso de objeto ou produto líquido criar perigo de vida, por exemplo, incorre numa pena de prisão de até quatro anos. A coação é punida com pena de prisão de até três anos ou multa, mas como o despacho fala em coação agravada, pode ser punida com pena de prisão de um a cinco anos. No crime de ameaça, a pena é de até um ano ou multa até 120 dias, mas sendo agravada, passa para até dois anos e multa até 240 dias. Por fim, o de instigação pública a um crime é punido com prisão até três anos ou pena de multa.
2 - Só os desacatos na AG justificavam as buscas?
-Só tendo conhecimento efetivo do processo poderia responder cabalmente a essa pergunta. Tenho dúvidas de que se justifique um aparato desta natureza, mas passaram-se dois meses desde a AG do FC Porto e o MP já terá outra prova produzida. Se calhar, ouviu algumas das pessoas que lá estiveram. Mas isto também poderá ser mais do que está no comunicado.
3 - Após as buscas, poderão ser imputados outros crimes aos suspeitos?
-Podem. Se encontraram coisas que possam indiciar a prática de outros crimes, ou se extrai uma certidão e iniciam outro processo pelas práticas desses crimes, ou se junta tudo no mesmo processo, alargando-se o âmbito do mesmo. É uma decisão que cabe ao MP.