O fracasso português na Europa visto de fora. Este foi o desafio lançado por O JOGO a quatro intervenientes-tipo no processo (dirigente, treinador, jogador e jornalista) e todos eles convergem na necessidade do regresso de uma "típica" sagacidade no mercado para evitar um novo "acidente". O objetivo passa por não perder pedalada na luta contra ligas emergentes e de ranking inferior que começam a ameaçar estatuto da portuguesa
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Eliminação do quarteto luso na Liga Europa foi encarada a nível continental como consequência de falhas de ordem competitiva, financeira, tática e até de atitude.
Juande Ramos (treinador): "Este quarteto passa jornadas a massacrar rivais, sem que estes tenham maneira de lhes causar transtornos a nível defensivo"
Responsável por uma depressão coletiva ao nível dos adeptos e pelo início, ainda bem tímido, de uma reflexão sobre o estado da nação futebolística, a eliminação das quatro equipas portuguesas (Benfica, FC Porto, Sporting e Braga) nos 16 avos de final da Liga Europa constituiu um rude golpe no orgulho da sexta melhor liga nas contas do ranking da UEFA.
No entanto, as ondas de choque não ficaram confinadas às fronteiras do nosso país e espalharam-se por um continente que não escondeu o espanto face à surpreendente hecatombe de um futebol que, nos últimos anos, se habituou a navegar num mar tranquilo de elogios.
Determinado a aprofundar o olhar estrangeiro sobre o insucesso português, O JOGO recolheu quatro depoimentos de personalidades europeias de diversas áreas (dirigente, treinador, jogador e jornalista) e estas consideraram que a eliminatória negra, ainda tratada como um simples "acidente de percurso", representa, acima de tudo, um sinal de alerta para o futuro do futebol português.
Atento à nossa realidade, Javier Ribalta, diretor desportivo do Zenit, "desafia" os clubes a retirar o foco de guerrilhas internas para concentrarem atenções na defesa de um estatuto europeu que está sob ameaça de ligas emergentes. "Acho que em Portugal, a Liga Europa é encarada com algum relaxamento porque os clubes estão totalmente concentrados no campeonato local e nas guerras com os rivais, que acarretam uma pressão enorme. É uma questão quase inconsciente, mas, numa altura em que outras ligas estão a crescer, a falta de concentração face a outros objetivos pode ser fatal. Para mim foi um acidente pontual, mas que requer atenção e reflexão em Portugal", frisou o dirigente, em conversa com o nosso jornal.
Nikola Vukcevic (jogador do Levante): "Em La Liga todas as equipas têm três ou quatro atletas de grande nível. Resultados são imprevisíveis"
Colocando o ónus do problema na falta de competitividade da Liga, o técnico Juande Ramos explicou que Benfica, FC Porto, Sporting e Braga acabaram vítimas da ausência semanal de desafios à sua altura, opinião que entronca na do médio sérvio Vukcevic (ver abaixo).
"No Sevilha tínhamos jogos duríssimos todas as semanas. Em Portugal, as equipas com estatuto europeu passam quase todas as jornadas a massacrar os adversários, sem que estes tenham potencial para lhes causar transtornos a nível defensivo. Depois, quando jogam lá fora, têm dificuldades. Acredito que os treinadores trabalhem esse aspeto, mas é complicado se não consegues testar essas ideias em jogo", afirmou aquele que é conhecido por "Mr. Liga Europa" (nesta altura desempregado) à boleia dos dois troféus conquistados pelo Sevilha, bem como por ter conduzido o Dnipro à final da prova.
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Este não fica por aqui e também aponta ao decréscimo de qualidade nos plantéis. "O fracasso europeu deve ter sido duro para Portugal, mas acaba por ser normal face à forma como as equipas são desmanteladas dos seus maiores valores, como foi o caso do Sporting com o Bruno Fernandes. Os plantéis também não têm a mesma qualidade de há alguns anos, onde Portugal era um exemplo a nível do mercado. Se conseguirem voltar a essa fase, podem tornar-se mais competitivos, certamente."
Jornalista da prestigiada revista "France Football", Antoine Bourlon recorreu ao tempo das contratações de Falcao, James (ambos pelo FC Porto) ou Di María (Benfica) para traçar um panorama mais negro da realidade atual. "Acho que a questão financeira é determinante. Nas últimas duas décadas, os talentos de topo da América do Sul jogaram quase todos em Portugal. Contudo, com o fim dos TPO [Third-Party Ownership] eles vão diretamente para Espanha, Alemanha ou Inglaterra. A isto junta-se a dificuldade de reter o talento que sai da excelente formação dos clubes portugueses. Aqui em França, à exceção do PSG, o problema é o mesmo: os grandes talentos querem logo saltar para as grandes ligas", partilhou o jornalista francês.
Antoine Bourlon (jornalista do "France Football"): "Deixou de haver capacidade para adquirir grandes talentos e para reter jovens de qualidade saídos da formação"
Uma aposta mais forte no selo de qualidade português - ao nível de formação e treinadores - é apontada como o antídoto a seguir pelos clubes. "Portugal tem muitos talentos na formação e treinadores cuja excelência é reconhecida a nível mundial. Acredito, a 100%, que isto foi um acidente e que o futuro nas provas europeias será mais risonho", disse.
Diáspora confia nos... Wolves
Benfica, FC Porto, Sporting e Braga já não fazem parte das contas europeias, mas, para a diáspora portuguesa em França, ainda há uma equipa na Liga Europa que apela ao coração. "Aqui em França já ouvi uma piada vinda de um emigrante português que quis minimizar esta hecatombe. Dizia que o país ainda está muito bem representado pelo Wolverhampton", partilhou Antoine Bourlon, numa referência à legião lusa do emblema inglês formada por Nuno Espírito Santo, Rui Patrício, Rúben Vinagre, Rúben Neves, João Moutinho, Diogo Jota, Pedro Neto e Podence.
Javier Ribalta (diretor desportivo do Zenit): "Os clubes portugueses parecem relaxar na Liga Europa porque estão muito focados na liga nacional"
SETE RAZÕES PARA UMA ELIMINATÓRIA NEGRA
• Competitividade da Liga aquém do nível dos grandes campeonatos europeus
• Plantéis com um nível mais fraco em comparação com os últimos anos
• Incapacidade de reter talento e falta de poder financeiro para compensar as suas saídas a nível qualitativo
• Crescimento de ligas anteriormente periféricas
• Relaxamento europeu em detrimento de "guerras" internas
• Menor intensidade nos treinos em comparação com as ligas mais fortes do continente
• Dificuldades na transição defensiva pela (quase) ausência de desafios nesse capítulo a nível doméstico
Negociado pelo Braga em 2018, o sérvio fala em treinos que equivalem a jogos em Portugal
Diferença de ritmo pesou na adaptação do Vukcevic ao Levante: "Em Espanha ficava à rasca"
Contratado pelo Levante ao Braga em 2018, Vukcevic aponta a diferença de ritmo, tanto em treino como em jogo, como um "handicap" dos clubes lusos na batalha contra adversários habituados a outro andamento. "Depois de ter jogado em Portugal achei que podia atuar em qualquer outro lado, mas logo percebi que a história não iria ser assim. Em Espanha encontrei um futebol bem mais intenso, rápido e pressionante e ficava à rasca. Para mim um treino no Levante equivale a um jogo em Portugal. Demorei algum tempo a adaptar-me e a encontrar o ritmo", disse a O JOGO.
Outro dos fatores de comparação entre as duas ligas é o do nível de competitividade. "Aqui qualquer equipa tem três ou quatro atletas de grande nível e os resultados são imprevisíveis. Em Portugal, a diferença dos três grandes e do Braga para as outras equipas é bastante grande e provoca um desequilíbrio grande de forças", afirmou Vukcevic, reforçando a sua posição com a experiência que viveu no Minho: "Quando estava no Braga até nos batemos bem na Europa, embora a diferença de ritmo para a liga portuguesa fosse grande. Os jogos eram muito intensos e lembro-me de um, com o Hoffenheim, onde acabámos o jogo em dificuldades."
O fracasso português nos 16 avos de final da Liga Europa foi visto com surpresa por Vukcevic, especialmente nos casos de Benfica e Braga. "O FC Porto apanhou um rival difícil, mas penso que Benfica e Braga eram melhores que Shakhtar e Rangers. O Basaksehir também não era nada de especial, mas o mau momento do Sporting já não indiciava nada de bom na eliminatória. Porém acho que dificilmente acontecerá novamente uma coisa destas no futuro.
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