"Senti que Jorge Costa estava em campo, era o Bicho que os estava a capitanear"
Paulo Machado faz uma reflexão a O JOGO da dor que se instalou em si com a morte de Jorge Costa, seu colega e capitão no FC Porto, mesmo quem mais o praxou, numa viagem de afetos que colheu ambos num último capítulo na Índia. Desabafando pelo meio "o meu sonho tornou-se ser como ele"
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Paulo Machado levou um baque com a morte de Jorge Costa e, longe de Portugal, não teve oportunidade de aparecer nas cerimónias fúnebres, sofrendo com a despedida súbita e dolorosa do grande capitão portista, conhecendo o antigo central como ídolo de infância, seu companheiro, carregando esse efeito siderado de proximidade com a lenda nos seus 18 anos, quando entrou na armada invencível dos azuis-e-brancos de Mourinho, treinando com os craques que levaram tudo o que havia para ganhar, até na Europa. E, para finalizar, ganhando a amizade, doce, sensível e, agora, eterna, quando ambos privaram na Índia no Mumbai em 2018/19, com o Bicho a treinar o médio, orgulhoso filho do Cerco e figura desconcertante em cada balneário. Paulo Machado partilhou a sua dor quando irrompeu pelos ecrãs a mais dura das notícias, procurando amenizar a perda com lembranças de momentos divertidos com o diretor de futebol do FC Porto, então nessa ligação tão proveitosa na Índia.
"Falar do Jorge é falar do meu ídolo. Era nele que eu via o que era ser capitão, como se mostrava a raça de um clube e uma cidade. Essa relação fica mais relevante quando consigo treinar com ele e conhecê-lo melhor. Cada dia com o Jorge era um exemplo de como era viver o FC Porto, saber ser capitão e líder, fazer do balneário uma fortaleza. Quem entrava ali ficava arrepiado com a sua dimensão. No campo, os adversários tinham medo do que o FC Porto podia fazer", lembra Paulo Machado, resumindo o perfil do Bicho. "Ele orientava todos, o balneário e a equipa e unia toda a gente."
O baú nunca se esgota de histórias, afinidades e lições. Os sentimentos por Jorge Costa saltam da alma de Paulo Machado, guardando o tesouro de cada sorriso trocado, cada conversa encetada. "Tinha no FC Porto um amor da minha vida, também passado pelo meu pai, sócio há 60 anos. Ele transmitiu-me a alegria de ver a equipa vencer, de uma era titulada. E falar dessa época é falar do Jorge Costa, do que ele transmitia em campo. O meu sonho tornou-se ser como ele, ao vê-lo treinar e ao ver o respeito que todos lhe tinham", destaca, brincando com a aura imensa do antigo capitão. "Não era qualquer um que ia para cima dele para o fintar, havia muito respeito e sabiam que iam levar fruta. Ele nisso até os pisava, no bom sentido! O FC Porto vencedor tem muito dele, nunca teríamos vencido tanto sem um capitão deste calibre", conta o antigo médio, agora a viver na Suíça, que uma semana depois da triste ocorrência conseguiu também saborear a resposta do FC Porto no Dragão, cuspindo fogo e dando recital de entrega fiel à imagem de outros tempos. "A homenagem foi linda a um homem que deu a vida pelo clube. Senti que ele estava em campo, vendo aquela raça dos jogadores dentro do campo a pressionar por todo o campo. Diria mesmo que era o Bicho que os estava a capitanear", defende.
As praxes várias e a mensagem 'ganha-me raça'
Recuando ao menino que foi, campeão europeu de sub-17 com espaço de entrada muito cedo no plantel portista, Paulo Machado rejubila só de lembrar esse período áureo. "Subo na melhor altura de todas. O FC Porto tinha ganho tudo o que havia para ganhar. Consegui integrar os magníficos, eram incríveis. E o Jorge estava lá, sempre me acolheu muito bem, mesmo com as partidas e as praxes. Mandava-me ir buscar águas, toalhas, e, se eu trazia isso tudo, pedia que fosse buscar mais alguma coisa. E ainda as praxes dos treinos, era cada fruta! Mas ele apoiava muito e, na hora, 'ganha-me raça', sempre dizia. São coisas marcantes da minha vida", rebobina Paulo Machado, entrando no último capítulo que partilhou com o Bicho, na Índia.
"Foi a melhor fase. Conheci o Jorge como jogador mas, quando o tive como treinador, vi um ser humano de exceção, um coração incrível. Conheci o verdadeiro Bicho, todos os dias eram almoços e jantares. Andávamos sempre juntos, não me esqueço de como tratou os meus filhos e a minha mulher", afirma, voltando a ser enfático nas memórias. "Ele no campo comia toda a gente, mas fora dele era bondoso e fantástico. Faz-me já muita falta, mas ao mundo do futebol também. Não é um adeus, é um até já, mais tarde jogaremos cartas e beberemos um bom vinho. Acho que ainda vou aproveitar a vida lá em cima com ele", finaliza o antigo médio, de 39 anos, que foi internacional A por Portugal.