Rui Vitória aborda a O JOGO a sua aposta nos jovens e há um que pode voltar à Luz. Técnico do Panathinaikos destaca que a aposta no talento jovem tem de “fazer parte dos projetos de todos os clubes”, como demonstrou ao serviço do Benfica e com vários títulos conquistados.
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Nos últimos anos vários têm sido os jogadores que o Benfica, depois de lançar e transferir por verbas chorudas, recebe de volta no seu plantel. Renato Sanches foi o último exemplo, João Félix pode ser o próximo, pois está nos planos do clube, do jogador e do empresário deste recuperar uma ligação que deu grandes frutos, nomeadamente um título de campeão e um encaixe de 120 milhões de euros. O JOGO abordou o treinador Rui Vitória, que lançou o dianteiro vinculado ao Chelsea, responsável pelo lançamento na equipa principal de mais 14 jogadores formados pelas águias.
Agora ao serviço do Panathinaikos, o técnico de 55 anos aborda a mudança de paradigma quando foi contratado, em 2015/16, até à sua saída, em janeiro de 2019. Apostou em jovens e… continuou a vencer. Aliás, com sete títulos (3 Ligas, 2 Supertaças, 1 Taça de Portugal e 1 Taça da Liga), é o melhor treinador das águias no rácio conquistas/anos, tendo sido o último a fazer uma dobradinha pelo Benfica e também o único em quatro décadas a vencer dois campeonatos nos dois primeiros anos de ligação. João Félix foi apenas um jovem lançado, que Rui Vitória vê como um “jogador distinto”.
De onde vem a tendência na sua carreira para apostar nos jovens?
—Acredito que apostar em jovens é uma forma de construir equipas com identidade e futuro. E isso acompanhou-me desde o início da carreira. No Vilafranquense, apostei, por exemplo, no Marinho e no Leitão. Saleiro, André Santos, André Matias, André Carvalhas e João Vilela foram lançados no Fátima; no Paços, Pizzi, David Simão ou Nélson Oliveira; no Vitória, Ricardo Pereira, Paulo Oliveira, Tiago Rodrigues, Tomané e Hernâni são alguns dos nomes e no Benfica muitos mais. Aqui já num contexto mais difícil, não só pela exigência, como também por não haver, até então, grandes referências a este nível, no que respeita à aposta em jogadores jovens. Seria algo inovador, num clube grande, que estava a ganhar e tinha de continuar a ganhar, alterando o paradigma. Se corresse bem, estaríamos a abrir caminho a uma nova forma de vencer. Se não, seríamos arrasados. Correu bem.
Quando mudou o paradigma no Benfica, o que o levou a esse rumo?
—Acima de tudo acreditava – eu e o presidente do Benfica [Luís Filipe Vieira] estávamos em sintonia – que era possível ter mais jogadores portugueses em equipas de topo, fundamentalmente, jogadores da formação e continuar a vencer. Foi arriscado? Foi, e muito. Mas sempre acreditei. Foi preciso coragem, acreditar no potencial e protegê-los para que pudessem ir progredindo, com todos os aspetos positivos e negativos destas idades.
Lançou vários jovens no Benfica, um treinador tem de ter coragem para isso ou a qualidade dos jovens justifica essa aposta?
—Tem de haver coragem porque, na realidade, penso que todos concordamos que seria, à partida, mais fácil contratar jogadores já feitos para a luta pelos títulos. Apostar em jogadores jovens, sobretudo num contexto em que estamos obrigados a ganhar, não é para qualquer um. Reconheço. No que respeita à qualidade, é fundamental conhecer muito bem como funcionam os jogadores destas idades. A experiência que fui tendo ao longo dos anos anteriores, acumulada com a minha passagem pela equipa de juniores do Benfica, em que pude conhecer este tipo de jogadores, jovens e a jogar num clube grande, deu-me legitimidade e muita confiança em acreditar que era possível. E segui, muitas vezes apelidado de louco, mas sem nunca fugir das minhas convicções iniciais. Felizmente tudo correu bem: lançámos jogadores da formação e conquistámos títulos. Não sei como poderia ter sido melhor.
Vários jogadores formados pelo Benfica têm voltado a casa. Como explica este processo?
—A esmagadora maioria dos que saíram começaram connosco, durante os três anos em que lá estivemos. Tem a ver com a forma como se trabalha a promoção à equipa principal. Os estímulos para lá chegar, quase como a realização de um sonho, deixam marcas muito fortes e bem profundas, ao ponto de, mesmo andando por todo o mundo, noutros campeonatos, o regresso a casa esteja sempre nas suas cabeças. Depois, o nível, neste caso do Benfica, mas também dos outros clubes que jogam provas europeias. É sempre um grande aliciante.
O último foi Renato Sanches, agora está em vista o regresso de João Félix. Isso é um passo atrás na carreira ou será benéfico para o jogador?
—Cada jogador, em cada momento da sua carreira, tem um contexto muito específico. O que posso dizer é que jogar num dos grandes portugueses é altamente prestigiante, com uma grande probabilidade de um grande jogador poder mostrar-se e revelar toda a sua qualidade nas competições em que vai entrar.
Depois de várias experiências menos positivas, João Félix ainda tem muito para dar ao futebol português e ao Benfica?
—No máximo das suas potencialidades, é um jogador distinto que pode ser determinante em qualquer equipa. Acredito muito no seu potencial.
Portugal sagrou-se campeão europeu de sub-17. Isso prova que o futebol português está no bom caminho?
—A aposta no jogador jovem português tem que ser algo que faça parte dos projetos desportivos e financeiros de todos os clubes. Já temos provas mais do que suficientes de termos algo que muitos países não conseguem ter: o potencial dos futebolistas. Isto é ouro que não podemos de forma alguma desvalorizar. O título dos sub-17 vem testemunhar isso mesmo a quem ainda tinha dúvidas.