"Poucos podem aspirar fazer o que ele fez...um homem que todo o mundo futebolístico reconhecia e admirava"
Augusto César Lendoiro, outro histórico presidente, que fez o Depor gigante em Espanha, curva-se às memórias passadas com Pinto da Costa, que começaram em despiques no hóquei em patins entre FC Porto e Liceo e que tiveram grande expressão na meia-final da Champions que separava um dos dois de Gelsenkirchen.
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Histórico presidente do Depor, fazendo também da Corunha e da sua envolvência do Atlântico lugar sagrado na alta roda europeia, Augusto Cesar Lendoiro foi um dos dirigentes mais próximos de Pinto da Costa, num afeito de proximidade, de afetos regionais, e de um olhar inspirador quanto à catapultação de um clube de cidade para uma dimensão arrebatadora à escala europeia. O contacto entre Lendoiro e Pinto da Costa ainda começa fora do futebol, quando FC Porto e Liceo da Corunha repetiam despiques por grandes conquistas no Hóquei em Patins. A notícia da partida de Pinto da Costa também o deixou abalado. "Já era muito tempo sem falarmos, desde que deixei o Depor. Deixou de haver esse contacto pessoal mas sinto verdadeiramente a sua morte. Foi um homem especial dentro da presidência do FC Porto e no que foi a sua internacionalização. Mas ainda o lembro como presidente de todas as modalidades, não só preocupado com o futebol, tínhamos muita relação quando eu presidia o Liceo", contou Lendoiro. "FC Porto, Liceo e Barcelona eram os grandes, a amizade forjou-se aí, fiquei com uma simpatia forte por ele. Mas na vida chegas a uma certa idade e já sabes que estás na rampa", desabafou o homem que comandou o Depor 25 anos, conduzindo o emblema galego da 2ª Divisão a um título de La Liga e a presenças de grande nível na Champions.
Conhecedor um sucesso com longevidade, fala sem paralelo de Pinto da Costa. "Poucos pessoa podem aspirar fazer o que ele fez. Eu estive 25 anos à frente do Depor, que já é muito, ele 42 anos. Era uma figura internacional entre os presidentes, um homem que todo o mundo futebolístico reconhecia e admirava. Era muito querido pela sua forma de ser, um homem curioso, pelo que contava. E não esqueço as imagens dele sentado no banco nos jogos. Acho que era caso único, dá logo a dimensão da sua chama e carisma", recordou Lendoiro."Ele deu muito ao seu FC Porto e ao futebol pelo exemplo de sucesso. Fez transcender o clube como nunca, virou o poder do Benfica que ganhava quase sempre em Portugal. Era como Real Madrid em Espanha. Mas chegou um momento com Pinto da Costa que o FC Porto virou por completo o tabuleiro, de forma muito forte e com vocação superior", explicou o homem que na pele de presidente do Depor viu o FC Porto superar os galegos na meia-final da Champions, antes de Gelsenkirchen.
Aqui fica um pormenor da imensidão do arquivo do malogrado líder portista. "No almoço no Porto no dia da segunda mão, ele apresentou-me um álbum de fotos minhas com ele para eu firmar. Nem sabia que existiam, eram muitas, mais de vinte, dos nossos duelos no hóquei. Ele levava o futebol com muito entretenimento, provocação positiva e sabia como lidar em diversos momentos. Isso fez com que ficasse tanto tempo à frente de um clube potente como o FC Porto", destacou Lendoiro, que sempre olhou com encanto para esta obra vizinha. "A cidade do Porto tinha arredores mais fortes do que a Corunha. Isso acaba por potenciar a força de uma equipa e as possibilidades de crescimento. É ver o que o FC Porto conseguiu fazer, tornou-se a referência de todo um norte de Portugal, batendo de frente com os grandes de Lisboa, superando-os. Era um exemplo para nós, claro, uma inspiração. Mas em Espanha tínhamos que nos transcender a dois transatlânticos como Real Madrid e Barcelona. Conseguimos em parte, mas era complicado prolongar isso anos por condições económicas profundamente distintas. Numa escala maior que a nossa, mas não gigante, o FC Porto alcançou isso e com logros muito significativos", elogiou.
Augusto César Lendoiro absorveu muito de Pinto da Costa e não esconde o fascínio gerado, mesmo com memórias sopradas entre gracejos, que também marcam outro tipo de apreciação. "Eu tive muitas épocas de hóquei com Pinto. E o Liceo ganhou mais do que perdeu para o FC Porto. No futebol já foi diferente. Ainda me recordo quando comecei no Depor, com a equipa na 2ª Divisão, pedi-lhe ajuda que cedesse algum jogador. Estávamos com poucos recursos. Ele propõe Raudnei. Deu resultado, claramente, mas cobrou-nos muito", brinca, puxando a fita das duras memórias quanto à eliminatória que afastou o Depor de uma final da Champions. "Como eu disse Pinto era muito curioso mas também perigoso. E estou certo que nessa meia-final os árbitros não nos ajudaram e prejudicaram-nos de forma chamativa com a expulsão de Jorge Andrade. Ele pode ter tido algo a ver, era muito habilidoso em muitos aspetos. Morreu a nossa ilusão de sermos campeões da Europa e foi o que nos faltou. Só não conseguimos bater o FC Porto de Pinto mas também de Mourinho. Eles eram um coletivo impressionante mas creio que éramos superiores individualmente. E os árbitros inclinaram um pouco as coisas", evidenciou Lendoiro.
Jorge Andrade, expulso por um episódio com Deco, havia sido objetivo alcançado entre Depor e FC Porto. Lendoiro também tentou outros interessantes jogadores. "A contratação de Andrade foi excelente, que era um grande jogador do FC Porto nesse momento. Mas não havia entre nós muito espaço para contratações, porque eram clubes mais compradores que vendedores. Era muito difícil ir buscar algum jogador importante ao FC Porto, mas ainda tentei o Sérgio Conceição antes deste rumar a Itália. E o Deco, mais foi antes de chegar ao FC Porto", confessou o carismático antigo presidente do Depo, recordando também Pinto da Costa à mesa quando se estimulavam negociações. "Ele era muito afável, brincalhão sério, muito esperto, metia boas conversas e era preciso cuidado com a carteira. Se estavas despistado ele levava-te. Por isos esteve 44 anos a dirigir um clube dessa grandeza e sempre com obsessão de ganhar. Deixo um grande abraço a todos os portistas e a toda a sua família. Foi um grande homem", rematou.