Pinto da Costa compara testes à covid-19: "Enfermeiros continuam a ser carne para canhão"
Entrevista a Pinto da Costa (parte 4) - Presidente do FC Porto atira-se aos exageros a que o futebol se teve de sujeitar para que a I Liga pudesse recomeçar, dá exemplos concretos e fala também dos médicos e enfermeiros e de várias incoerências
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Certeza sobre o empenho a 100% das entidades desportivas ao lado da de que os responsáveis pela saúde se estão a "marimbar para o futebol".
Numa entrevista recente, o presidente do Benfica deixou a sugestão bem clara que se tivesse de haver uma decisão administrativa, o presidente da FPF, Fernando Gomes, não teria a decisão que o FC Porto esperava.
"Os enfermeiros continuam a ser carne para canhão. Eles e os médicos são uns heróis, mas vão-lhes ao bolso e não se lembram que têm família"
-O FC Porto não esperava nada. Primeiro nunca admitimos que o campeonato não recomeçasse e pelos vistos tínhamos razão. Portanto, nunca estivemos preocupados. Falei imensas vezes com dr. Fernando Gomes e nunca lhe perguntei o que ele pensava, porque para mim não era assunto. Se o presidente do Benfica sabe o que o dr. Fernando Gomes pensa era porque estava preocupado que campeonato não recomeçasse. Se calhar foi por isso que deu férias aos jogadores. Nós, como disse, o treinador, tivemos sempre a equipa a trabalhar, porque sempre tivemos a certeza de que haveria e há condições para o campeonato recomeçar. Mas lamentavelmente cai-se no ridículo de um camarote destes de 120 pessoas, com este espaço que tem, sabe quantas pessoas permitem que estejam aqui a ver o jogo? 10. Sabe que há nove filas? Vai ser uma pessoa por fila. Compare com o que viu no Campo Pequeno com a presença do primeiro-ministro e do presidente da república.
Que interpretação faz?
-Faço duas. Primeiro é que os responsáveis estão-se a marimbar para o futebol e segundo que as pessoas que decidem isto não sabem do que estão a falar nem a tratar. Qualquer indivíduo que venha aqui rir-se-á. Podem ir ao cinema, num espaço fechado, e estarem 120. No futebol, ao ao livre, só podem estar 10. Ninguém se preocupa com os clubes, nem os prejuízos, nada. Os camarotes levam 16 pessoas e não podem ter uma pessoa. Compreende isso? Eu não encontrei ninguém que compreenda. Porque é que é assim? Olhe, fazem tantas coisas ao futebol, que nada me admira.
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Como faz a avaliação concreta das entidades que trabalharam no regresso? Separa as águas de alguma forma entre presidente da Liga, FPF e Governo?
-O presidente da Liga e o da FPF envolveram-se 100% para que o futebol recomeçasse. Não tenho a mínima duvida e sou testemunha disso porque tive contactos com eles nessa situação, pois queríamos a mesma coisa. Governo também estava interessado em que se jogasse até porque é a maneira de entreter o povo. Mas as decisões em concreto e especificamente sobre o que foi resolvido é de quem não tem noção o que é o futebol. As pessoas que decidem que este camarote só pode ter 10 pessoas quando se permite que os cinemas abram, que o Campo Pequeno abra, não permitir que em camarotes de 16 pessoas, quatro filas, esteja uma pessoa, isto é não conhecer as coisas e estar-se a marimbar se os clubes têm problemas ou terão de indemnizar os cativos e camarotes e nós já mostrámos essa intenção. É tratar o futebol como o parente pobre da freguesia.
"O presidente da Liga e o da FPF envolveram-se a 100% . O governo também estava interessado no regresso, até para entreter o povo"
Ficou com a sensação de que, sem esses exageros, o campeonato não reataria?
-Claro que sim. Há outra coisa interessante. Os nossos jogadores fizeram quatro testes, um deles anteontem e outro hoje [dia do jogo]. Tudo para ter certezas. Pergunto: se os jogadores, que têm todos os cuidados, que são do grupo do menor risco, pela idade, pela alimentação, pelo isolamento, precisam de tudo isto, então e os médicos e enfermeiros que dia a dia vivem junto de pessoas infetadas, muitas em último grau? Esses não têm de ser testados para ver se podem ou não continuar a trabalhar? Os enfermeiros continuam a ser carne para canhão deste país? Eles e os médicos devem estar muito felizes, com tanto elogio. São uns heróis, mas vão-lhes ao bolso, não se lembram de que eles têm famílias, que têm encargos. Se os infetarem, não faz mal, é menos um. Lamentável. É desconhecimento do que é a situação dos clubes, porque nós temos, naturalmente, cuidado. Quando os nossos jogadores estiveram de quarentena, não iam ao mercado fazer compras. A família dava-nos a lista do que queria e as coisas eram-lhes levadas a casa para não terem o mínimo contacto. Indivíduos sujeitos a esta prevenção têm de fazer quatro testes em quinze dias? Então, os enfermeiros tinham de ser testados de manhã e à tarde.
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O presidente do Braga, António Salvador, disse recentemente que tem esperança de acabar o campeonato com público no estádio, mesmo que residual. Partilha dessa esperança?
-Não sei. Acho tão absurdo que este camarote só pode ter dez pessoas, que os outros camarotes não possam ter ninguém, que este estádio não possa, por exemplo, ter um quinto da lotação, dez mil espetadores, em comparação com os cinemas ou com o Campo Pequeno que tem uma lotação, penso, de quatro mil e está autorizado a pôr 2500 pessoas lá dentro. É tão estranho que nem sei. Ainda vão dizer-me que, afinal, não podem estar dez, só podem estar cinco.