Antigo central bateu o penálti que confirmou a conquista do FC Porto e, em entrevista a O JOGO, aborda uma imagem que ficou para a história, sem esquecer o estado de espírito da equipa, as emoções de um jogo dramático contra o Once Caldas e a importância deste feito duas décadas depois de conseguido.
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Ao fim de 20 anos desde a conquista da Taça Intercontinental em Yokohama, há um noção maior do que ela representou?
-Sim, claramente. É uma realidade que, passados 20 anos, é quando verdadeiramente temos a noção do que se conquistou naquela altura, da dificuldade que foi e que continua a ser. Ainda mais agora, com o novo modelo da competição. Na altura não valorizámos tanto, até porque vínhamos de muitas vitórias, anos de muitas glórias e acabámos por nem celebrar como deveria ser uma conquista de uma Taça Intercontinental. Mas hoje em dia sim, há cada vez mais gente a valorizar aquilo que foi um feito histórico. E ter tido a possibilidade de ser o último a marcar nessa competição e ajudar-nos a conquistá-la foi um orgulho.
Ainda hoje lhe falam sobre aquele olhar que lançou antes de bater o último penálti?
-É curioso, porque fui convidado um destes dias para um programa brasileiro do ESPN para falar sobre isso e estavam lá ex-colegas, um deles o Luís Fabiano, que me disse: 'Porra, com esse olhar, até o Henao teve medo'. E é verdade. Foi um olhar de convicção. A final foi foi nossa. Tivemos golos anulados, fomos claramente melhor que o Once Caldas, mas acabámos de ter que ir para os penáltis e ganhar aí. A primeira pergunta que me fizeram quando vínhamos no avião foi qual tinha sido o sentimento e a sensação que se tem de ir bater um penálti daquela importância. E disse-lhes aquilo que continuo a sentir hoje em dia: fui para o penálti sem medo de ser feliz. A ideia e a convicção eram grandes de que merecíamos aquele troféu e foi dessa forma que eu encarei o penálti. Foi isso que me levou a ter aquele olhar de convicção e, felizmente, concretizou-se. Até porque sabíamos que o Henao, no percurso até àquele jogo, tinha eliminado equipas brasileiras. Uma deles tinha sido o Santos. O Diego, que estava connosco, até foi expulso, porque o Henao era um especialista e incomodava a forma como ele defendia os penáltis. Por isso, íamos também preparados para isso. Respeitando o Once Caldas, mas sabendo que nós poderíamos e que tínhamos que ser melhores e acabámos por ser.
Como era o estado de espírito da equipa antes desse jogo?
-Estávamos numa época complicada. O Víctor Fernandez já era o segundo treinador, estávamos a ter uma época internamente aquém das expectativas, mas íamos com moral, porque o último jogo que tivemos antes de viajarmos para o Japão foi contra o Chelsea e tínhamos ganho. Isso também nos motivou, como é lógico. Agora, a viagem foi grande, os dias que antecederam foram um bocadinho difíceis para nós, com um confuso horário bastante acentuado e que teve bastante impacto em todos nós, mas no momento em que a bola rola e estamos a disputar uma final…. O sentimento que tive foi que vai ser difícil, mas vai ter que ser para nós. E foi dessa forma que encarámos. Por isso é que o FC Porto dessa altura tinha tantas vitórias, porque era esse o sentimento geral. Felizmente, naquela época que foi menos conseguida, temos um troféu desta envergadura e desta importância para o museu do clube foi fantástico.
Foi fácil gerir as emoções ao longo do jogo? Até porque perto do intervalo do prolongamento existiu um problema com o Vítor Baía…
-Tudo nos foi criando alguma ansiedade: o desenrolar do jogo, os golos anulados, a situação do Vítor [Baía] ter tido aquela quebra, também fruto do fuso horário e de tudo aquilo que era a envolvência do jogo, com o sistema nervoso a fazer o seu trabalho. Mas acabou por nos correr bem e acho que merecíamos, porque durante o jogo fizemos por isso. Já bastante desgastados, e eles também, porque trabalharam muito defensivamente, mas quando fomos para o prolongamento sentimos que eles não queriam perder e queriam já levar o jogo para os penáltis. Essa foi a sensação com que fiquei sempre e, depois, revendo o jogo, mais se acentuou. Acabámos por ter que ir para o jogo psicológico dos penáltis sabendo que eles tinham chegado à final com jogos vencidos dessa forma. Portanto, isso jogou um bocadinho contra nós emocionalmente e acabámos por ter um bocadinho a sorte dos penáltis quando o Maniche falha e nós conseguimos sobreviver a isso, porque foi muito equilibrado, toda a gente bateu, toda a gente marcou e, por isso, o gosto da vitória foi maior.
Os seus filhos percebem a importância daquele penálti e do que o pai conseguiu?
-Nessa altura, só a minha filha [Daniela] é que era nascida e é uma coisa que foi uma realidade: quando cheguei, ela não largou a medalha que eu trazia. Ela apaixonou-se pela medalha e ficou com ela. O meu filho [Bruno] ainda não era nascido, mas tem a noção. Ele tem a perfeita consciência de que, de facto, foi um feito enorme para o clube, porque é um apaixonado por futebol. Nasceu na altura em que passei a ser treinador e, por isso, também foi vivendo muito do interior do jogo, os balneários e tudo o que envolve o futebol, não só os 90 minutos. Por isso, eles têm a noção. Não falámos muitas vezes sobre isso, mas, quando as imagens passam, eles sentem um brilho no meu olhar, porque, de facto, eles sabem que valorizo muito tudo aquilo que conquistei na minha carreira, porque é um orgulho enorme os clubes que representei e as conquistas que tivemos.