Desafios da sobrecarga: "Atletas robustos têm menos risco e recuperam mais rápido"
O fisiologista do FC Porto, que Sérgio Conceição já elogiou publicamente, conversou com O JOGO sobre os novos desafios ditados pela sobrecarga. É a treinar que se antecipa o perigo.
Corpo do artigo
Sérgio Conceição tem alertado para os perigos ditados pela densidade do calendário e para o risco elevado de lesão associado aos jogadores mais utilizados, mas a verdade é que os dragões têm escapado ao perigo. O JOGO foi conhecer a forma como se trabalha na prevenção e recuperação de lesões, desde o Olival ao descanso na casa de cada jogador.
13127768
Eduardo Oliveira, 43 anos, o fisiologista que acompanha Conceição desde 2017/18, explica-nos tudo. Ele que saltou para a ribalta no final da época passada, depois de o treinador lhe ter dado os parabéns pela forma que a equipa exibiu após a retoma do campeonato.
Que desafios extraordinários trouxe esta pandemia e a sobrecarga ditada por ela?
-O desafio passa por elaborar um planeamento de treino e um modelo de controlo da respetiva dinâmica da carga subjacente ao treino e competições (frequência, intensidade, duração, volume e densidade dos treinos e jogos) com base em modelos atuais do treino desportivo e evidência científica, tendo como objetivo maximizar a performance da equipa.
É, no seu entender, a época mais difícil ao nível da gestão física do plantel?
-A perspetiva não é a de ser mais difícil, mas sim diferente, no sentido em que solicita um pensamento para uma abordagem adaptada e coerente com a atualidade. Nesta gestão há necessidade de adaptação e de implementar estratégias de intervenção com o objetivo de se manter a consistência física ao longo do período competitivo.
Reforçaram o trabalho de prevenção e/ou recuperação? De que forma?
-A melhoria da performance física não deve ser dissociada do trabalho de prevenção de lesões e vice-versa. Um dos principais mecanismos de prevenção de lesões é o próprio treino, pois tem como objetivo a melhoria da robustez física, possibilitando consistência ao longo do período competitivo (como por exemplo treino de força, velocidade ou melhorar a resistência aeróbia/anaeróbia). A evidência científica demonstra claramente que atletas mais robustos têm menos risco de lesão e recuperam mais rápido das cargas de treino e de competição. Por outro lado, cada atleta tem um perfil fisiológico que está identificado e o treino/recuperação visa potenciar ao máximo as características individuais do jogador, enquadrado também no processo coletivo.
Que mecanismos tem usado para o FC Porto, até agora, praticamente não ter sofrido lesões musculares? Esse é um trabalho coletivo ou mais individualizado?
-Os mecanismos baseiam-se em modelos de análise e estudo de variáveis da carga de treino e jogo que têm correlação e evidência científica com o risco de lesão. Este modelo centrado no jogador/equipa tem como pressuposto a elaboração de uma base de dados individual e coletiva e é composto por parâmetros físicos e fisiológicos induzidos pela dinâmica da carga. Para além disso, o Departamento de Saúde do FC Porto, através das suas diferentes valências, permite que o atleta tenha ao dispor diferentes ferramentas e estratégias de recuperação para minimizar a sobrecarga induzida pelos jogos e diminuir o tempo de recuperação, aumentando desta forma a disponibilidade dos jogadores para treino e competições. Neste âmbito, a abordagem e trabalho através de uma equipa multidisciplinar liderada pelo treinador, Sérgio Conceição, tem-se revelado decisiva para o sucesso.
"O risco elevado de lesão é uma evidência. Jogos sucessivos com pouco intervalo é um fator que contribui"
Como se faz a ligação entre o trabalho individual de prevenção/recuperação e as necessidades da equipa, que não pára de competir?
-Uma primeira abordagem é identificar e analisar o risco de lesão do jogador. Esse risco tem uma componente multifatorial, onde diversas variáveis podem ser controladas através do trabalho individual antes ou depois do treino, e que varia em função do planeamento do treino coletivo e das competições.
Sérgio Conceição e outros treinadores europeus já alertaram para o elevado risco de lesão. Acredita que, no final da época, se contabilizarão mais lesões do que nas anteriores?
-O risco elevado de lesão é uma evidência. Um fator que contribui para o aumento da incidência e prevalência de lesões são jogos sucessivos com pouco tempo de intervalo entre os mesmos e análises retrospetivas de estudos da UEFA realizados com equipas que jogam sistematicamente em períodos de 72 ou 96 horas demonstram claramente risco aumentado de lesão. Com planeamento e controlo das cargas e com o conhecimento que existe vamos trabalhar para que o risco seja o menor possível.
O regresso após o confinamento foi um outro desafio muito diferente. Foi o mais difícil que teve ou esta gestão tão apertada é mais complicada?
-O regresso após confinamento foi um momento diferente do atual. Foi um desafio que promoveu aprendizagem e transcendência de todo o grupo de trabalho. A equipa estava numa dinâmica associada a um planeamento competitivo e teve, durante um período indeterminado, de manter e minimizar as capacidades que se relacionam com a performance de elite. A gestão atual tem como base um período de transição entre épocas muito reduzido, com pouco tempo de preparação geral e específica para o período competitivo.
"Qualidade do sono, hidratação, alimentação e repouso são fatores decisivos para maximizar a performance"
Além do trabalho físico, há outro tipo de trabalho associado, eventualmente até trabalho mental?
-O trabalho individual de prevenção/recuperação não se restringe ao tempo e espaço físico no local de treino, estágio ou competição. Parâmetros como qualidade do sono, hidratação, alimentação e repouso são fatores decisivos para a maximização da performance e podem ser avaliados e melhorados caso tenha sido identificada alguma fragilidade numa variável decisiva para a recuperação.