O troféu fair-play que valeu volta olímpica no Jamor ao Lusitano de Évora em 1956
Equipa alentejana tem vantagem gorda nos duelos com o Braga, fruto dos seus prósperos 14 anos seguidos na divisão maior. Se o jogo fosse no Alentejo, Braga até estava desafiado a algo inédito perante equipa do quarto escalão. Alexandre Batalha recorda esses tempos onde o avô Augusto Batalha era estrela
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Adversário do Braga na Taça de Portugal, o Lusitano de Évora traz consigo um lastro de complicações aos minhotos, se tudo se resumisse a um balanço histórico de desafios. Entre 1952 e 1966, durante 14 épocas consecutivas, os alentejanos foram clientes da divisão maior e com arreganhos em jogos grandes, sentindo o Braga na pele essa aura dominante dos eborenses. Já não serão muitas as equipas em Portugal que se podem orgulhar de ter saldo positivo contra os guerreiros, mas disso se podem gabar os homens de Évora e com algum conforto, já que saíram 14 vezes vencedores neste cruzamento de forças, só sete vezes perdedores, restando um registo de quatro empates. Se este encontro, fosse marcado para o Campo da Estrela, aí o Braga seria desafiado a algo inédito, pois perdeu 11 vezes e alcançou um mísero empate. O Lusitano chegou mesmo a ser 5º classificado de 56/57 com Otto Bumbel e, por duas vezes, sonhou com a final da Taça. Entre várias estrelas desses anos de elite, de prosperidade entre os maiores, estava Augusto Batalha, um dos homens que mais jogos fez pelos alentejanos na 1ª Divisão. O seu neto, Alexandre, orgulhoso do legado, fez um blog de tributo ao avô e aceitou falar a O JOGO, discorrendo tempos idos de uma grande potência alentejana no futebol português.
"O período mais áureo do Lusitano de Évora na 1ª Divisão ocorre entre 1952 e 1960. Anos de grande fulgor do meu avô, foram anos de ouro de um conjunto de jogadores que tinha Augusto Batalha, Dinis Vital, Carlos Falé, Manuel Paixão, Teutónio Barreiros, Francisco Polido, Vicente Camilo, Du Fialho e José Pedro Biléu. Todos estes no apogeu das suas carreiras. Nesta era, o Lusitano atingiu duas vezes a meia-final da Taça de Portugal (1952/53 e 1958/59), obteve um quinto lugar (apenas atrás de Benfica, Sporting, Porto e Belenenses) fez dois sextos e um sétimo lugar na primeira divisão. Vários atletas foram chamados às seleções A e B e à seleção militar, onde o Lusitano tinha uma presença forte", relata, munido até de impagáveis curiosidades. "Ganharam um troféu de fair-play da FPF por terem tido 100 jogos na primeira divisão sem qualquer sanção disciplinar, feito possivelmente nunca igualado no futebol mundial. Deram uma volta olímpica no Jamor em 1956, antes de ser jogada a final da Taça. Cada jogador do Lusitano empunhou um estandarte da primeira divisão", recorda Alexandre Batalha, complementando os feitos. "Após uma vitória sobre o Sporting, na jornada 7, o Lusitano foi líder do campeonato em 52/53. Foram 14 presenças cheias de histórias", reconhece. O ambiente em Évora também fervia com esse grandioso Lusitano, capaz de engrandecer a região. "Nos anos 50 era inquestionavelmente o maior clube de Futebol a sul do Tejo. O impacto na cidade e na região era tremendo. O Rossio de Évora, que ainda hoje existe, enchia-se de autocarros com milhares de adeptos aos domingos, que seguiam depois em romarias e piqueniques até ao Campo Estrela, onde os maiores clubes de Portugal vinham jogar todas a semanas. Os maiores jogadores portugueses lá jogaram e perderam. Quando fez 5º lugar, o Lusitano só perdeu em casa para o Benfica e Oriental. E venceu cinco das seis primeiras receções ao FC Porto", evidencia, louvando outros méritos arrastados pelo êxito nas quatro linhas. "O impacto no comércio era imenso uma vez que os restaurantes tinham de recusar clientes tal era a procura. Os adeptos não eram unicamente de Évora, mas de todas a vilas e aldeias da região, num movimento verdadeiramente de orgulho regional alentejano. Orgulho esse acrescido, uma vez que muitos dos jogadores da equipa eram alentejanos de várias proveniências (Vital de Grândola, Falé do Redondo, Teutónio de Vila Viçosa, Pepe da Azaruja, José Pedro de Mora, Paixão de Beja, Martelo de Portalegre, Polido de Évora ou o grande Patalino de Elvas)."
A conversa é viciante e prossegue com uma apresentação de Augusto Batalha, um atleta de alto calibre do atrevido Lusitano, que nunca era pera doce. "Era um talento puro, nascido em Sesimbra. Jogou na sua terra e chamou a atenção do Vitória de Setúbal. Estreia-se na 1ª Divisão no Sado com 21 anos. E faz 3 golos, jogando preferencialmente como interior esquerdo. Essa época valeu-lhe a transferência para o Benfica, onde marca dois golos em nove jogos. O Lusitano sobe e ele é anunciado como um dos grandes reforços para 52/53. Manteve-se até aos anos 60", recua Alexandre Batalha, médico, de 29 anos, em Faro, dominando a história do Lusitano. "Cresci a idolatrar o meu avô e o Lusitano, mesmo com grande parte da família no Algarve, é o clube que nos é mais querido. Depois de se retirar o meu avô foi sempre presença assídua nas bancadas, motivava os mais jovens, foi treinador interino e selecionador da AF de Évora", explica, definindo os atributos no campo. "Primava pela combatividade e marcava golos com frequência. Era um dos homens-golo da equipa. Um jogador corretíssimo, hábil, igualmente disponível para atacar e defender. Jogava pela esquerda e era preponderante nos seus movimentos e pelo engodo que nutria na confeção de golos nas balizas rivais. Movimentava-se de forma inteligente e maravilhava as bancadas com golos extraordinários", argumenta, envaidecido pela transcendente expressão do apelido Batalha pelos pés de um craque. "O Lusitano era a sua paixão, esteve sempre ligado ao clube, e quando não fazia parte da equipa técnica ou direção, incentivava os jogadores do Lusitano junto à linha lateral, substituindo em diversos momentos os treinadores que abalavam do clube, fazendo-o com muito empenho e saber. Era querido dos adeptos e com todos convivia", acrescenta, pontuando ainda outros momentos inesquecíveis da carreira do avô.
"Teve a honra de ser o autor do primeiro golo de sempre do Lusitano na 1ª Divisão, frente ao Estoril. Foi sempre titular. Marcou também no primeiro encontro de sempre com o Sporting, uma vitória que valeu liderança, e também o fez no primeiro jogo contra o FC Porto, triunfo por 3-0. E marcou o primeiro golo de sempre contra o Braga, esse em Braga! Também marcou ao Benfica, num 4-0 que o Lusitano aplicou em 57/58. Acabou com 114 jogos e 39 golos pelo Lusitano na 1ª Divisão", junta Alexandre Batalha.
Craque entre os argentinos, ajuda a esmagar Braga na Taça
De memória em memória, Alexandre é assaltado pelo título e texto associado a um jogo marcante do avô contra o Braga. "Tenho um artigo que remonta a um jogo da Taça de Portugal em 52/53. Trata-se de uma eliminatória onde o Lusitano vence por 4-0 fora e 4-1, em Évora. Fica este excerto: 'O Braga atacava com perigo, causando pânico entre os adeptos eborenses, mas passado esses momentos, surge da parte do Lusitano, um elemento que nesse dia se sobrepôs a todos. Levando quase sempre a melhor na disputa de bola, fintando, correndo diabolicamente para a área do Braga, possuindo a bola sem que lhe a conseguissem arrebatar, marcando golos, desnorteando toda a defesa, projetando e concretizando jogadas superiores às do Braga, o "nosso" jogador, Batalha, foi nessa tarde, o maior dos "argentinos" que pisavam o nosso relvado. Impressionante e invejável exibição foi realizada por um jogador de fibra, de habilidade e verdadeiro predestinado para a prática de futebol'". A referência aos argentinos está associada às estrelas dessa equipa dos alentejanos: José Valle e Di Paola, ambos ex-Roma.
Posto isto, Alexandre Batalha vibra com a febre atual, a história entrelaça-se nas motivações e legítimas parecem ser as ambições por parte desta equipa que compete no Campeonato de Portugal, mas que já despachou da Taça o Estoril, Aves-SAD e Académico. "Só não se orgulha da história do Lusitano quem não a conhece. É uma história extremamente rica. Têm estado a ser feitas uma série de iniciativas associadas ao renascimento do clube. Há um podcast e a criação do grupo Mística Lusitanista, uma página de facebook dedicada inteiramente à história do clube. Temos dois livros que estão a ser escritos. Os grandes tempos podem voltar e pode haver Taça. O Lusitano já o provou este ano e, o exemplo que vem de Elvas, é mais um tónico. Os alentejanos quando bem geridos e com alguns recursos podem ser tão bons como quaisquer outros", conclui.