ENTREVISTA - Toni Conceição chegou ao Cluj com a época já em andamento e à pausa de inverno na liderança da liga, com seis pontos de vantagem. Mas o técnico não se ilude - "nada está ganho" - e só promete "trabalho". Nesta conversa exclusiva a O JOGO, o treinador fala sobre o campeonato português e arrisca prognósticos.
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Um arranque difícil de temporada, com a eliminação nas provas europeias, marcou negativamente a primeira metade da época desta terceira passagem de António Conceição pelo Cluj. Muitas vezes debaixo de fogo, o técnico não se rende e admite que poderia vender melhor a sua imagem.
"Em cinco meses não houve uma semana em que não se falasse que eu estava para ser despedido. Temos de lidar com isto."
- É líder com seis pontos de vantagem após triunfo sobre o Steaua, fora, na última jornada em dezembro. Ainda assim, surgem amiúde notícias de que pode ser despedido?
- Em cinco meses não houve uma semana em que não se falasse que eu estava para ser despedido. Vencemos os últimos oito jogos fora, em 21 jornadas perdemos um jogo, lideramos o campeonato, mas fala-se constantemente que posso sair... Temos de saber lidar com isto, tendo confiança no nosso trabalho.
- Dá importância à relação com a Imprensa?
- É importante, é a imagem que passamos. Mas não sou bom nisso. Sou muito discreto, tímido, admito que devia ter outra postura, mas é a minha forma de estar.
- Não se sabe vender?
- Admito que não. Há colegas meus que o fazem muito bem. Não estou a criticar, isso é positivo. Sei que tenho competência como treinador e não o digo por vaidade. Sou discreto e preocupo-me apenas que quem trabalha comigo - jogadores, dirigentes - veja que conta com um técnico capaz.
- Sente que essa forma de estar já o prejudicou?
- Depois de muitos anos a trabalhar no Braga, desde que em 2003 me lancei na Naval como técnico principal, tive oportunidades para agarrar bons projetos. Mas pela minha personalidade e honestidade não se tornaram realidade. Em alturas em que estava a trabalhar recebi outras propostas, de clubes superiores, mas disse que não. Nunca tive empresário, mas posso dar-lhe uma certeza: sou um homem do futebol e competente. Sei que há treinadores melhores do que eu, mas quero ser como eles, procuro constantemente melhorar as minhas competências aprendendo mais. Sou cada vez melhor. Isto que estou a passar na Roménia, há uns anos não teria aguentado, vinha-me embora. Mas como tinha o balneário do meu lado, não lhes virei as costas.
- E que balanço faz desta primeira metade da época?
- Faço um balanço muito positivo, embora tenhamos tido um percalço logo no início da época: a eliminação no play-off da Liga Europa. Quando passámos a ter ciclos normais de treino, a equipa começou a crescer, absorveu as minhas ideias para jogar e competir. Neste momento, o rendimento é muito satisfatório. Estamos no primeiro lugar, mas não ganhámos nada ainda. Faltam cinco jornadas para terminar a primeira fase e depois vem o play-off de campeão, onde as seis equipas qualificadas para essas dez últimas jornadas partem com metade dos pontos. A nossa tarefa ficará dificultada e sinto que, para lutar pelo campeonato, precisamos de aumentar o lote de jogadores, criando maiores equilíbrios em termos de plantel.
"Admito que não sei vender a minha imagem. Há colegas meus que o fazem muito bem. Não estou a criticar, isso é positivo."
"Camora é muito acarinhado pelos adeptos"
Toni conta no plantel com dois compatriotas, o defesa Camora e o avançado Thierry Moutinho. Futebolistas a quem deixa elogios: "O Camora está cá há oito anos, é capitão e um jogador muito acarinhado pelos adeptos, pelas pessoas do clube. Podia ter feito uma carreira noutros sítios, sei que teve várias propostas para a sair, mas recusou-as, porque se sente bem aqui e é uma referência. O Thierry Moutinho foi internacional sub-21 português, estava "enterrado" na segunda equipa quando cheguei. Começou a ser titular e foi uma boa ajuda até se lesionar. Mas conto muito com ele.""O Sérgio Conceição teve grande mérito na conquista do ano passado, mostrou que é um grande líder"
"FC Porto mostra consistência e é o favorito ao título"
O empate em Alvalade e o triunfo em Chaves reforçam, no entender do técnico, a candidatura dos portistas ao bicampeonato. Braga pode estorvar e até beneficiar de ausência nas provas europeias
- Com elogios para o trabalho de Sérgio Conceição, nomeadamente na época passada, Toni sublinha que vai ser difícil os dragões cederem. Após os últimos jogos, acha o FC Porto reforçou a candidatura ao título?
- Julgo que sim. Tanto em Alvalade como em Chaves, a equipa mostrou consistência. O FC Porto parece-me uma equipa que não vai ceder terreno para os rivais. Falta muito campeonato, é certo, pode haver uma quebra de rendimento, mas pelas indicações que vai dando considero que é o mais forte candidato ao título. O Sérgio Conceição teve grande mérito na conquista do ano passado, mostrou que é um grande líder e está a ser capaz de manter o nível.
- Como vê os outros candidatos?
-Vejo um Braga a aproximar-se cada vez mais dos grandes, obtendo bons resultados, apesar de lutar com a diferença de orçamentos que é significativa. É terceiro classificado e apesar da goleada sofrida na Luz reagiu bem a seguir. As provas europeias podem causar mossa em algum dos outros rivais e o Braga, que está fora e tem um plantel vasto, pode beneficiar disso. Vamos ver em que posição termina no final da época.
- E já formou uma opinião sobre o Sporting de Keizer?
- O treinador mexeu com os jogadores. Vamos ver o que faz na segunda volta. Também é preciso ver se consegue reforços que acrescentem valor. Mas tem apresentado um futebol mais vistoso, mais agradável.
"O FC Porto parece-me uma equipa que não vai ceder terreno para os rivais."
- Como vê a troca de treinador no Benfica?
- Pode trazer uma motivação acrescida e parece-me que isso está a suceder. Os jogadores estão a ter uma atitude positiva, não digo que seja melhor ou pior. O grupo reagiu bem à mudança, ganhou todos os jogos que realizou. Agora, falta saber se a equipa ganha a consistência que, para mim, foi o que lhe faltou no passado recente com o Rui Vitória e que é necessária a qualquer clube que deseja ganhar o campeonato. Vamos ver se recupera a confiança, o tempo perdido, mas já não depende só de si.
- Que fatores foram decisivos na época passada?
- O Sérgio Conceição agarrou com grande coragem no projeto, ganhou o balneário e mesmo sem contratações formou uma grande equipa. O FC Porto uniu-se e teve sucesso na dificuldade. Tocou a rebate, como se diz. Mas penso que o Benfica também facilitou, descuidou-se depois de somar quatro títulos consecutivos. Não se reforçou convenientemente e a coisa correu mal. Talvez tenha pensado que a concorrência estava debilitada, que o plantel que tinha chegava, mas não foi assim.
"Para vencer é preciso talento"
Toni espera reforços para acrescentar a qualidade que diz necessitar para poder ser campeão. O técnico queixa-se de falta de soluções no ataque e espera que a pausa ajude a equipa a recarregar baterias.
- O campeonato recomeça em fevereiro. Foi boa esta pausa para a sua equipa?
- Foi benéfica porque sentia que a equipa estava a chegar ao limite, por jogarem praticamente sempre os mesmos. Podemos aproveitar para fazer uma pré-época em condições, recarregando as baterias.
"Já fiz ver à Direção que precisamos de mais três jogadores, mas não sei se os terei, vai ser difícil."
- Sente que em termos de qualidade de jogo, o Cluj já está onde deseja?
- Não. Vamos ter outro tipo de dificuldades no play-off e para as quais não estamos preparados em termos de jogadores. Falo sobretudo em termos do processo ofensivo, necessitamos de mais criatividade e capacidade individual, porque os nossos adversários jogam fechados contra nós e temos poucos futebolistas capazes de abrir espaços e jogar no um contra um. Temos algum défice de talento no ataque. E isso tem-se visto sobretudo nos jogos em casa, onde não ganhámos tantas vezes quanto nos desafios fora. Já fiz ver à Direção que precisamos de mais três jogadores, mas não sei se os terei, vai ser difícil.
- Onde pode vincar a diferença para ser campeão?
- A diferença que temos vincada até aqui é com base no trabalho e na organização. Temos uma boa organização em termos coletivos. Mas sinto que para vencer o campeonato é necessário o talento ofensivo para resolver os problemas que não têm solução pela questão tática. Futebolistas que podem decidir um jogo.
- Acha que poderia ter feito algo melhor até aqui?
- Sim, na Liga Europa, como disse. Mas cheguei em cima dessas partidas decisivas, com uma equipa sem a devida preparação na pré-época e obrigada a jogar de três em três dias. Não é desculpa, mas teve influência. Com a equipa a jogar como está agora, certamente teríamos tido outros argumentos para passar.