Rui Borges é um dos treinadores do momento e rei absoluto em Mirandela, onde, com a ajuda da mãe, Cândida, O JOGO percorreu memórias desde a infância [Reportagem originalmente publicada a 19 de setembro de 2024]
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Não foi preciso esperar muito tempo para ver Rui Borges fazer a diferença no Vitória de Guimarães. Com um futebol atrativo, os conquistadores tiveram um arranque de sonho, com apenas uma derrota e um histórico apuramento para a Liga Conferência pelo meio, além de terem vencido o Braga, na Pedreira, feito que o clube da cidade-berço não conseguia há sete anos. Ao leme desta equipa está um homem realizado pelo que faz e que cedo demonstrou que o futebol ia acabar por ser o caminho. Mesmo contra a vontade da mãe, cujo desejo era que ele prosseguisse os estudos. “O Rui sempre gostou muito de futebol. E está muito feliz com o trajeto dele. Foi o que sempre quis fazer. Embora eu tenha tentado fazê-lo mudar de ideias”, conta a O JOGO, bem-humorada, Cândida Gomes Borges, mãe do técnico.
Técnico tem conquistado os adeptos do V. Guimarães e em Trás-os-Montes tem também uma claque fervorosa. Sem perder a calma. “É da genética. Eu e o pai também somos calmos”, conta a mãe.
A grande paixão pelo desporto-rei nasceu muito graças ao pai, que foi jogador do Tirsense. Rui Borges e os pais viveram uns anos em Santo Tirso antes de regressarem a Trás-os-Montes e o técnico fazia questão de acompanhar o progenitor. “Ia aos treinos todos, só se não conseguisse. Cresceu num ambiente ligado ao futebol”, recorda a mãe. Regressados a Trás-os-Montes, Rui Borges começou a jogar no Mirandela e a condição era sempre a mesma: só havia direito a futebol caso as notas fossem boas. “Foi sempre muito atinado, portou-se muito bem. Era um aluno bastante razoável. O gosto pelo futebol estava presente e eu dizia-lhe que, se tirasse boas notas, podia continuar a jogar. E ele tirava! Sempre que se queixava, quando se magoava, eu dizia-lhe ‘quem correr por gosto...’.Mas queria que ele estudasse”, lembrou.
Rui Borges orientou dois clubes na I Liga. Antes de assinar pelo Vitória de Guimarães, o técnico orientou, na temporada passada, o Moreirense, tendo terminado a época em sexto lugar.
Além da já conhecida apaixonada massa adepta do Vitória, esta temporada há mais uns milhares de apoiantes atentos ao percurso dos conquistadores, na pequena cidade de Mirandela. Cândida garante estar orgulhosa pelo filho, um “transmontano de gema” capaz de fazer “amizades com facilidade”. “Quando ele começou a orientar as camadas jovens do Mirandela, percebi logo que era um líder. O Rui é muito atento aos outros, gosta de defender a cidade mas não se envaidece. Tudo o que está a acontecer à volta dele não lhe mudou a personalidade. Continua a falar com toda a gente e a ter muitos amigos. Na escola, os professores diziam-me que ele era o que melhor se relacionava com os colegas. Tudo o que conseguiu foi por mérito. Tentei fazer com que ele não seguisse o futebol, mas não consegui. E ainda bem! Ele está realizado e eu estou feliz por vê-lo tão bem”, vincou a mãe.
“Se não conseguir ir aos jogos, vejo na televisão. Se não conseguir ver na televisão, ouço o relato. Leio tudo o que sai sobre ele, gosto de estar informada”
Muito apegado à família, Rui Borges é o mais velho e, por isso, sempre foi muito protetor em relação às duas irmãs: “Ainda hoje é”, conta Cândida. E é na família que o treinador tem o principal apoio. “Fizemos sempre questão de o apoiar e estamos sempre com ele. Quando era jogador, acompanhava e hoje é igual. Se não conseguir ir aos jogos, vejo na televisão. Se não conseguir ver na televisão, oiço o relato. Leio tudo o que sai sobre ele, gosto de estar informada. O pai também acompanha muito e sofre, ainda que seja reservado. No outro dia disse-me que ainda lhe ia dar uma coisinha má”, contou a mãe orgulhosa, entre risos.
Enquanto jogador, o agora treinador disputou 210 encontros e marcou 29 golos. Rui Borges era médio e o clube que representou por mais tempo foi o Mirandela.
Sempre calmo durante os jogos - “é da genética, eu e o pai também somos muito calmos” - Rui Borges fez sempre muitas amizades com facilidade e no mundo do futebol não é diferente. Eduardo, treinador de guarda-redes do Braga, também natural de Mirandela, é um dos muitos casos: “Quando jogavam os dois futebol, o Eduardo não morava em Mirandela, estava mais longe. Mesmo a chover, o Rui fazia sempre questão de o acompanhar até meio do caminho. Fazia-lhe sempre companhia”. Na família Borges há mais um futebolista - o filho do técnico, Mário, também joga - e o feitiço acabou por se virar contra o feiticeiro. “No outro dia, comentei com ele que o menino teve um problema físico e o Rui só me respondeu: ‘faz parte da vida. Não era isso que me dizias?’. E era mesmo o que lhe dizia”, recorda, entre risos.
Cândida não podia estar mais orgulhosa. “Ele é muito decidido. Ainda bem que não consegui tirá-lo do futebol”, repete a rematar.
Jogadores rendidos
Carlos Correia, presidente do Mirandela, foi quem lançou Rui Borges como treinador e não está surpreendido com o sucesso entretanto alcançado. “Vi logo que ele tinha qualidade e o percurso é a prova disso. É um ser humano espetacular, humilde e muito social. Sabe como lidar com os jogadores, consegue fazer um bom balneário e isso é muito importante”, disse o líder dos transmontanos a O JOGO.
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Opinião idêntica tem João Traquina, que trabalhou com Rui Borges na Académica. “Os momentos que passei com ele foram os melhores da minha carreira, consegui ter números e exibições muito positivos. E não foi por acaso, ele tem uma das principais valências de um treinador, que é a relação de proximidade que consegue ter com os jogadores e a gestão que ele faz ao longo da época. É bastante exigente e meticuloso. Por tudo isto, não me surpreende o trajeto que ele tem tido até aqui”, vincou o agora avançado do União 1919, do Campeonato de Portugal, recordando um conselho que guardou até hoje. “Durante o tempo que trabalhei com ele, tive a felicidade de marcar alguns golos. Uns bonitos, outros nem tanto. Mas o Rui Borges disse-me várias vezes: ‘todos os golos me deixam satisfeito, mas, os que consegues quando mais ninguém acredita, quando marcas porque não desistes e acreditas até ao fim, são os que me dão mais prazer. Nunca percas isso, és um exemplo para todos’. Marcou-me muito na altura e dou este exemplo a muitos colegas meus”.
Mohamed Bouldini, hoje no Corunha, também trabalhou com o agora treinador do Vitória de Guimarães e só tem elogios. “Foi muito bom treinar com ele, é um treinador que nos deixa ser criativos em campo, percebe muito de futebol e sabe como pôr os jogadores a dar tudo nos desafios. É exigente e tem ideias claras, o sucesso dele não me surpreende. Diverti-me com ele, falou muito comigo e deu-me conselhos”, recordou.
Sem nunca esquecer as raízes, Rui Borges está muitas vezes em Mirandela e, a poucos dias do jogo com o FC Porto, o presidente do clube alvinegro não tem dúvidas. “Nunca se esquece das origens e de nós. Nem nós dele, vejo os jogos sempre que posso. Estive com o Rui há poucos dias e disse-lhe logo que o Vitória vai ganhar ao FC Porto. Acredito mesmo que o FC Porto vai ter um osso duro de roer em Guimarães. Claro que depende sempre de como o jogo corre, mas acredito mesmo que vai conseguir levar a melhor”, antecipa.