OPINIÃO - José Manuel Meirim
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1 - As associações distritais e regionais, também denominadas por associações de âmbito territorial, associadas das federações desportivas, são desde 1990 o parente pobre das atenções das leis do Estado, o que pode não ser totalmente negativo, desde logo no que respeita à liberdade de associação, organização e funcionamento internos, quando comparadas com as próprias federações desportivas.
Tais associações, também promovem, organizam, regulam e disciplinam competições desportivas, embora não de âmbito nacional. Surgem, pois, a par das federações e das ligas, como organizações desportivas que se ocupam de competições desportivas.
2 - Contudo, essa similitude - e ainda uns outros parcos sinais normativos - continuam sem dar resposta cabal quanto à questão de saber se as associações distritais, como as federações desportivas e as ligas, exercem poderes de natureza pública nessas específicas atividades. E, aqui, surge a primeira - porventura decisiva - dúvida: os atos e omissões dos seus órgãos encontram-se sujeitos à arbitragem necessária do Tribunal Arbitral do Desporto?
O TAD, como nova instância, ainda por cima de natureza arbitral, tem uma espécie de inclinação natural para ganhar sucessivos espaços de competência: na dúvida é melhor afirmar a competência, pois sempre se justifica melhor a nossa existência. Ao longo da nossa vida "judiciária" sempre fomos ouvindo dizer que os tribunais estatais, por vezes, se inclinavam para o outro lado: não é nada connosco. O TAD tem outra visão para ele próprio: temos a ver, por princípio, com tudo que venha à rede.
Isto vale por dizer que não é de todo seguro, vistos os sinais normativos, que o TAD tenha competência para sair, na arbitragem necessária, da zona do exercício de poderes públicos, sendo que nada de líquido existe quanto à afirmação de que tais associações exercem poderes públicos. De um ponto de vista legal devia ser, mas não é, desde logo porque não existe ato público que manifestamente lhe outorgue tal natureza aos seus atos.
3 - Passada esta fase - mas que é muito importante - vejamos agora o que decidiu o TAD em recente processo eleitoral (2/2021) que teve lugar numa associação de futebol. Em causa, simplificando, estava a aplicação do seguinte normativo do regime jurídico das federações desportivas:
"Artigo 50.º Duração do mandato e limites à renovação
1 - O mandato dos titulares dos órgãos das federações desportivas, bem como das ligas profissionais ou associações territoriais de clubes neles filiados é de quatro anos, em regra coincidente com o ciclo olímpico.
2 - Ninguém pode exercer mais do que três mandatos seguidos num mesmo órgão de uma federação desportiva, salvo se, na data da entrada em vigor do presente decreto-lei, tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o terceiro mandato consecutivo, circunstância em que podem ser eleitos para mais um mandato consecutivo.
3...
4..."
Dado assente é que um dos candidatos a presidente já tinha exercido mais do que três mandatos. Se fosse o caso de uma federação desportiva não restavam dúvidas da invalidade eleitoral por violação da norma do nº 2. Mas sendo uma associação distrital, também não restaram dúvidas ao TAD: A limitação de mandatos constante do n.º 2 do artigo 50.º do RJFD aplica-se a todas as entidades integradas na organização das federações desportivas e, portanto, também [...] enquanto associação de âmbito territorial.
4 - O TAD gostava que fosse assim - e porventura também eu - mas não é legalmente possível. Mais! O TAD - que afasta a letra do nº 2 e não confere dignidade interpretativa ao confronto do nº 1 (dirigido a três entidades) e o nº 2 (dirigido apenas às federações desportivas), não pára na construção de regimes jurídicos às associações distritais e também às ligas.
Um dos argumentos que joga para contrariar o disposto nos claros nºs 1 e 2 do artigo 50º, é afirmar que "Não cremos, no entanto, que essa seja a melhor interpretação da lei, pois o empolamento do elemento literal assim operado, produziria um resultado seguramente indesejado pelo legislador: sempre que noutras disposições da mesma secção se aludisse apenas a federações desportivas, como acontece nos artigos 48.º, 49.º e 51.º, estar-se-iam a excluir as ligas profissionais e as associações de âmbito territorial." Mas é que estão mesmo excluídas.
Mais ainda, segundo o TAD: "Deste modo, os requisitos de inelegibilidade, as incompatibilidades, as condições relativas à duração do mandato e à sua perda poderiam não ser aplicáveis às ligas profissionais e às associações de âmbito territorial, o que manifestamente não foi pretendido pelo legislador, que quis regular em globo na Secção III do Capítulo III o regime aplicável aos titulares dos órgãos de todas as entidades integradas na organização das federações desportivas". Não quis.
Esquece-se o TAD que o diploma é, desde logo, acima de tudo, somente, o regime jurídico das federações desportivas; e, pontualmente, muito pontualmente, estende-se expressamente (sublinhámos) às ligas e às associações distritais.
5 - Outra pérola se segue na busca do inexistente. Afirma-se na decisão:
"Por sua vez, o elemento literal da interpretação pode ser precisamente convocado para aplicar a limitação de mandatos às associações de âmbito territorial, [...]. Com efeito, o sentido a dar à expressão ínsita no n.º 2 do artigo 50.º do RJFD de "órgão de uma federação desportiva", tem de ser lido conjugadamente com o conceito de federação desportiva constante do artigo 2.º do mesmo diploma: "pessoas coletivas constituídas sob a forma de associação sem fins lucrativos que, englobando clubes ou sociedades desportivas, associações de âmbito territorial, ligas profissionais, se as houver, praticantes, técnicos, juízes e árbitros, e demais entidades que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respetiva modalidade (...)".
6 - Pergunta-se afinal ao TAD: as associações e sindicatos de praticantes, técnicos, juízes e árbitros ou mesmo outras entidades coletivas que promovam, pratiquem ou contribuam para o desenvolvimento da respetiva modalidade, estão também sujeitas às regras de organização e funcionamento das federações desportivas?