O plano de Rui Costa para o Benfica: "Voltar às conquistas e à hegemonia nacional"
Presidente do Benfica enaltece "processo bem feito" após um ano de mandato
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O presidente do Benfica, Rui Costa, considerou que "o processo tem sido bem feito" desde que foi eleito, em outubro de 2021, assegurando ser "um homem extremamente orgulhoso" por liderar o clube em que se tornou futebolista.
"Sinto-me mais adulto e mais preparado. O primeiro ano foi extraordinariamente difícil. Futebolisticamente falando, não correu conforme pretendíamos. Neste momento, estou a tentar fazer o caminho que todos os benfiquistas querem que seja real, que passa por voltarmos às conquistas e à hegemonia nacional e termos um papel importante a nível internacional. Não venho dos gabinetes, mas do desporto. É o nosso foco, sem nunca descurar as finanças do clube", frisou o dirigente, na cimeira Thinking Football, no Porto.
Rui Costa, de 50 anos, bateu Francisco Benitez nas eleições antecipadas do clube, com 84,48% dos votos, três meses depois de Luís Filipe Vieira, que comandava o Benfica desde 2003, ter suspendido funções, ao estar envolvido na operação Cartão Vermelho.
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"Ao fim de um ano, ainda há para fazer muita coisa. Cadeira de sonho? Sou benfiquista dos pés à cabeça. Por todo o trajeto que fiz no clube, não escondo que sonhava um dia ser presidente do Benfica, mas não nestas condições. Precipitou-se tudo da forma que conhecem e a única coisa que fiz foi não recuar nem me esconder naquele momento. O Benfica é um gigante. Por muito que faças, há milhentas coisas para realizar", partilhou.
A ausência de títulos por parte da equipa principal em 2021/22 contrastou com o inédito êxito na UEFA Youth League dos sub-19, numa "conquista de uma década de trabalho" que levou Rui Costa a reiterar que "o trabalho que vinha de trás estava a ser bem feito".
"Temos nove jogadores a trabalhar diretamente com a equipa principal este ano. Iremos ter nove a 10 oriundos da formação no Mundial2022. Essa é a nossa grande satisfação e o projeto do Benfica. Disse que daria muito espaço à formação do Benfica. Na seleção portuguesa estão dois jogadores que se afirmaram: António Silva e Gonçalo Ramos. O objetivo é formar mais atletas e dar melhores condições para serem formados", apontou.
Encarando o centro de estágios do Seixal como uma "fonte de talento" para "mostrar ao mundo um clube gigante", cujo nome "é histórico a nível mundial", o antigo internacional português apelou à "internacionalização da marca Benfica" para suavizar a distância da I Liga para o "protagonismo" contemplado pelos cinco principais campeonatos europeus.
"Os clubes têm grandes dificuldades económicas para competir com as equipas de topo, mas, ainda assim, temos como grande vantagem o trabalho desenvolvido e a procura do talento nacional e internacional. Por outro lado, temos os nossos jogadores. Nem vou à parte do Eusébio no Mundial'1966, mas tivemos Figo e Cristiano Ronaldo com Bolas de Ouro. Representa muito do talento nacional e a facilidade em combater as adversidades. Tem de nos orgulhar podermos equiparar a quem acredita que é superior a nós", atirou.
Com carreira de médio iniciada (1990-1994) e terminada na Luz (2006-2008), Rui Costa defendeu que, ao ver treinos do Benfica, sente o futebol "com um ritmo completamente diferente" da sua altura, quando os jogadores "já estavam no limite das potencialidades".
"É muito fácil dizer que até poderíamos ter sido muito melhores. Creio que sim, mas não gosto de fazer essas comparações. Prefiro que, com a evolução do mundo, se consiga evoluir no futebol e dar cada mais condições aos jogadores. Nessa altura, o Benfica não tinha equipa B nem estas condições, mas beneficiei do facto de ter estado emprestado a um clube [Fafe, em 1990/91] que me deu tudo e me fez crescer mais rápido", finalizou.
A conferência Thinking Football decorreu entre sexta-feira e hoje, no Pavilhão Rosa Mota, no Porto, sob inédita organização da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP).
Tudo o que Rui Costa disse
- Comecemos pelo fim e pelo motivo pelo qual não está neste Thinking Football. Tem a ver com o facto do SL Benfica ter recebido há três dias, no Dubai, o prémio de Melhor Academia do Mundo, o que acontece pelo segundo ano consecutivo do Rui e terceiro ano já do clube. Primeiro o que sentiu ao subir novamente ao palco do Dubai para receber esta distinção e depois, já agora, o que pretende fazer no futuro no Seixal?
RC - Antes de mais, pedir desculpa por não estar presente, por este motivo mesmo. Tinha todo o gosto em estar presente nesta boa iniciativa da nossa Liga. Em relação ao que fui fazer, evidentemente me deu um orgulho muito grande. Acredito plenamente mais que merecido, num ano em que o SL Benfica ganha a UEFA Youth League e a Intercontinental. Um excelente trabalho duma equipa, duma geração maravilhosa e um grupo de trabalho enorme, que desenvolveu estes miúdos para chegarmos a este patamar.
Como sabem, tem um sabor muito especial a conquista da UEFA Youth League por si mesmo. E, por outro lado, ao fim de perdermos três finais, termos conquistado esta prova e termos conquistado novamente, ao fim de tantos anos, uma prova europeia de futebol, é um motivo de orgulho imenso. Não só dou os parabéns a todos aqueles jovens que a conquistaram, como agradeço a toda a estrutura, a todo o staff por todo o trabalho que desenvolveram para chegar esse dia. Não foi a conquista de um ano, foi a conquista de uma década de trabalho que levou a estas duas enormes vitórias e estarmos hoje a saborear esse feito.
Mas temos de recuar bastante no tempo para perceber que trabalho foi feito até chegar aqui e o desenvolvimento que o Benfica Campus teve, as condições que foram dadas a todos os profissionais do SL Benfica para se poder chegar a um título desta dimensão.
- E o que vai ser, então, o futuro do Seixal?
RC - Vai ser a continuidade daquilo que tem sido feito, melhorando aquilo que entendemos que ainda pode ser melhorado, aumentando cada vez mais o rigor e a forma de trabalhar dos nossos miúdos, sendo que temos uma preocupação enorme do ponto de vista social. Não formamos só jogadores, queremos formar homens. E esse será sempre um dos cuidados que nós iremos ter, pela responsabilidade que nós também temos em ter toda esta juventude dentro do Benfica Campus. Nunca substituiremos os pais dos nossos jogadores, mas enquanto estão dentro do centro de estágio, a responsabilidade do crescimento deles quer futebolístico, quer pessoal, quer humano, quer pessoal e quer profissional, será sempre a nosso cargo.
E esse cuidado iremos ter constantemente. E depois a parte desportiva. Como é óbvio, eles estão lá essencialmente por essa parte desportiva. E no projeto que nós temos de formação, não é só a conquista dos títulos da UEFA Youth League ou de títulos nacionais nas várias categorias, mas acima de tudo, o trabalho foca-se muito naquilo que é a passagem destes jovens para a primeira equipa. Nem todos irão passar, como é óbvio. Em cada geração, passam alguns, outros passarão para as primeiras divisões e outros não terão tanto essa sorte.
E é daí que advém a nossa componente social e humana, que queremos fazer crescer na nossa juventude. Esta é, no fundo, a continuidade daquilo que tem vindo a ser feito. Não há aqui um segredo para se ter alterado o que quer que seja. O trabalho que vinha a ser feito de trás, estava a ser bem feito. Portanto, acima de tudo e como eu dizia muito, quando jogava futebol e quando se mudava de treinador, quando as coisas já estavam bem, é não estragar.
- Há uma fornada de jogadores que saem no último ano do Benfica Campus, que até vence a UEFA Youth League, que é a prova que o trabalho está efetivamente agora a ser bem feito ou que tem sido bem feito ao longo dos anos?
RC - Tem sido bem feito ao longo dos anos. Chega esta vitória, chega, por exemplo, ao patamar de termos feito esta pré-temporada com 14 jovens da nossa formação e, neste momento, estão a trabalhar diretamente com a equipa principal do SL Benfica nove jogadores oriundos do Benfica Campus. Iremos ter no mundial cerca de nove ou 10 jogadores, entre Seleção Nacional e estrangeiras, nomeadamente o Brasil, com o Ederson, oriundos do Benfica Campus. E, portanto, essa também é a nossa grande satisfação, poder, cada vez mais, contar com estes jovens nas primeiras equipas. E este é o trabalho e o projeto do SL Benfica, desde que assumi a presidência que garanti que iria ser dado muito espaço à formação e tem sido dado. Na Seleção Nacional, por exemplo, estão, neste momento, dois jogadores que este ano se afirmaram como titulares, que são o António Silva e o Gonçalo Ramos, para dar um caso flagrante. E é este o trabalho, é esta a nossa visão para o futuro do Benfica Campus, que é cada vez mais formar mais jogadores, dar melhores condições para eles serem formados e repito, porque me parece essencial quando se está a trabalhar com jovens, porque nem todos conseguem chegar a este patamar, não descorar a componente social e humana, para que não fazendo carreira no Futebol ou na elite do Futebol, possam ter uma vida assegurada no futuro.
- Toda a gente conhece a ligação do Rui Costa ao SL Benfica, jogador e agora Presidente. Mas vamos recuar aqui uns anos, 30 de junho de 1991, final do Mundial de Sub-20, surge aí o primeiro grande título do Rui Costa. O Rui já antes tinha marcado um golo à Austrália na meia-final, que Portugal ganhou 1-0. Há aí para sempre uma ligação ao Estádio da Luz, que já não existe esse nome, mas continua a ser o Estádio da Luz. Podemos falar aí da sua ligação aos encarnados, mas o desafio que gostava de perceber é o que seria da sua geração com as atuais condições que existem, por exemplo no SL Benfica?
RC - A minha ligação ao SL Benfica não dependeu daquele mundial, eu cheguei ao SL Benfica com oito anos, não depende tanto desse jogo, mas é mais um marco que eu tive no Estádio da Luz. A felicidade de jogar naquele Estádio repleto quando estava emprestado ao Fafe, jogar para 130 mil pessoas, representar a seleção nacional no Estádio da Luz e acabar a ganhar o Mundial de Sub-20, algo que representa para todos nós daquela geração um marco importantíssimo. Foi o meu primeiro título importante. Tive a felicidade de ganhar a Liga dos Campeões, mas aquele continua a ser o troféu pelo qual tenho mais carinho. Já aquilo que podíamos ter sido com as condições atuais? É muito fácil de dizer que podíamos ter sido muito melhores. Naquele momento nós jogávamos nas condições que toda a gente tinha também. Prefiro que com a evolução do mundo se consiga evoluir e se consiga dar mais condições aos jogadores. Há coisas melhores e coisas piores. Tem coisas boas e coisas más. Nós jogávamos nos pelados, havia pouca relva, éramos mais fortes, aguentávamos as adversidades de outra forma. Hoje, porque há mais condições, os jogadores sentem de outra forma quando têm algum problema, por vezes até exageradamente. Nós jogamos numa geração que era assim, estávamos quase no máximo das nossas capacidades.
Eu pergunto-me se o futebol não está com um ritmo totalmente diferente do que na altura. Mas naquela minha altura nós estávamos no limite das nossas potencialidades. Estas comparações nem sempre são justas. O SL Benfica não tinha equipa B, não tinha as condições de treino que tem hoje. Mas eu provavelmente beneficiei de ser emprestado a um clube que me deu tudo naquela altura e que me fez crescer mais rápido. Não pretendo nunca fazer estas comparações, pretendo conseguir que os nossos jovens tenham melhores condições para a prática do futebol.
- Na sua opinião, quais são os fatores diferenciadores do futebol português para que este futebol tenha tanto sucesso lá fora, sabendo nós que as condições financeiras são muito mais baixas do que as Big-5, por exemplo?
RC - Eu acho que é o nosso talento. Porque se fizermos essa comparação com as Big-5, e pensarmos nos resultados dos clubes portugueses ou que a Seleção Nacional tem, no meio deste mundo, eu acho que é um trabalho extraordinário e que representa muito aquilo que é o talento português. Infelizmente, em termos de clubes, temos grandes dificuldades económicas para competir com essas equipas de topo, do tal Big-5. Mas ainda assim, o trabalho desenvolvido, a procura pelo talento nacional e internacional, é uma vantagem que nós temos. Temos uma grande capacidade e o conseguir e daí obtermos resultados como temos. Por outro lado, temos os nossos próprios jogadores, e já nem indo à parte do Eusébio e do Mundial de 66, na geração mais recente tivemos o Figo como Bola de Ouro, depois o Cristiano Ronaldo inúmeras vezes Bola de Ouro, numa década onde dominou, e que representa muito aquilo que é o talento nacional e a facilidade que nós temos de lutar contra as adversidades. Está no nosso ADN e bem-haja porque é algo que temos de nos orgulhar muito, daquilo que nós somos, da raça e da vontade que nós temos de nos querermos equiparar a quem acredita que é superior a nós.
- Vimos agora um vídeo, que foi o do Benfica Universo, no qual uma das coisas patentes é a internacionalização da marca Benfica, em vários continentes. É uma aposta, tanto para o Benfica, como para o Futebol Português?
RC - É uma aposta que tem de ser cada vez maior. É onde também podemos crescer, é em termos internacionais, sendo que, uma vez mais, somos prejudicados por não estarmos nas Big-5, porque o protagonismo mundial do futebol acaba por assentar mais nessas ligas que na portuguesa. E é nesse capítulo que temos mais dificuldade de afirmação do que as outras equipas. Usamos o nosso nome, que felizmente é histórico, a nível mundial, por tudo aquilo que o SL Benfica foi fazendo durante toda a sua vida, em termos internacionais. Hoje temos esta componente do Benfica Campus, que tem sido uma fonte para o Futebol Mundial, com um número enorme de grandes talentos, que consideramos a nossa fábrica do jogador de futebol, que consideramos ser mais um meio de mostrarmos ao mundo do trabalho e da dimensão deste clube, que orgulhosamente o digo: é gigante.
10 em campo, 10 de outubro de 2021 tomou posse como Presidente do SL Benfica. Há quem diga e o Rui até já admitiu que era o seu papel de sonho, como dirigente, pela ligação que tem ao clube. Um ano depois, que Rui Costa e que SL Benfica temos
RC - As coincidências do 10. Eu, que acredito no destino, ser eleito a 10 do 10, sendo eu uma pessoa quase vidrada, que tinha de jogar com o número 10, senão as coisas não me saíam bem, acaba por ter a sua graça. Garanto-vos que não teve nada de intencional. Como Presidente interino, quando pedi para que se realizassem as eleições, a data ficou estipulada para dia 9 e jamais pensei que depois a coincidência desse para ser 10/10. No fundo, acaba por ser uma marca para mim, estar com os dois números 10 espero que seja algo que me transporte, me dê a felicidade e a sorte que preciso para o cargo que desempenho. Ao fim de um ano, muita coisa há para fazer ainda. Eu sou, como tantos de nós, benfiquista dos pés à cabeça, e com todo o trajeto que eu fiz no clube, não escondo e é inevitável dizer que sonhava ser Presidente do SL Benfica.
Se me pergunta que era neste momento e com estas condições, claro que não. Tudo se precipitou como é do conhecimento público e a única coisa que eu fiz foi não recuar, não me esconder numa situação em que entendi que o SL Benfica precisava que alguém se chegasse á frente naquele momento e eu estava dentro da casa. Ao fim de um ano, como disse, muita coisa há para fazer. O SL Benfica é um gigante e, por mais que se faça, nunca está tudo completo. Há-de haver sempre muita coisa para fazer e, neste caso, há milhentas coisas para serem feitas. Mas, ao fim de um ano, acredito que o processo tem sido bem feito, sinto-me mais adulto, mais maduro e mais preparado. O primeiro ano foi extraordinariamente difícil, por todas as contingências que houve, pela forma até como entrei como Presidente.
Desportivamente, futebolisticamente falando, não correu como nós pretendíamos, e, portanto, neste momento, estou a tentar fazer o caminho que todos os benfiquistas esperam que seja real, que é o de voltar às conquistas, voltar à hegemonia nacional e ter um papel importante a nível internacional. O meu foco é o desportivo, eu venho do Desporto, não venho dos gabinetes e, portanto, o meu foco será sempre o desportivo, não descorando a saúde financeira e querendo, acima de tudo, uma aproximação aos nossos sócios. Penso como sócio também, como adepto e acredito que consiga saber um bocadinho do sentimento de cada um dos sócios.
- Mas é um Presidente feliz?
RC - Eu sou o Presidente do meu clube do coração. Tive uma eleição que foi histórica no clube. Não posso ter outro sentimento que não seja ser um homem extremamente orgulhoso, pela minha família benfiquista me ter escolhido para este cargo. Não há aqui tanto a felicidade ou a infelicidade, há o trabalho contínuo, o trabalho diário, um paixão imensa e um orgulho imenso de ser presidente do SL Benfica.