"O futebol é secundário, não se pode colocar em risco a saúde dos nossos jogadores"
António Oliveira, treinador do Beira-Mar, analisa contingências de trabalho nesta altura e tem procurado providenciar o máximo de ajuda em Oliveira de Azeméis, o seu concelho
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No cenário dantesco que grassa no país, incontroláveis labaredas perseguem famílias, ameaçam casas, desalojam e matam pela força das chamas e por um fumo que sufoca o Norte e o Centro de desgosto e impotência, mesmo com milhares de soldados da paz em abissal desgaste diário. Portugal já viveu dramas e horrores por conta dos incêndios, mas talvez nunca se tenha percebido um céu tão cinzento e enovoado pela destruição da sua natureza como neste inferno de setembro de 2024.
Dentro da mobilização geral da sociedade, mas sempre com os bombeiros na corajosa e hercúlea linha da frente, o futebol tem dado o seu suporte com vários clubes a apressarem nas redes sociais campanhas de solidariedade e recolha de bens para quem combate as mais severas chamas. Ao mesmo tempo que é dado um tempo na preparação...porque o ar está irrespirável, danoso para qualquer um e, naturalmente, também para os atletas. Em Aveiro...o rescaldo do horror é um céu abafado, sem brilho, dominado pelo cheiro tenebroso de mata ardida no distrito, já que a desgraça do que aconteceu em Oliveira de Azeméis e Albergaria empurrou cinzas por dezenas de quilómetros, sendo lá bem percetível o cenário doentio e a maldição destes incêndios que nos afligem a alma. António Oliveira, treinador do Beira-Mar, clube do Campeonato de Portugal, que expressou logo empenho em ajudar o Pessegueirense, que viu o seu campo atacado pelas densas chamas, é a imagem do olhar sensível do futebol ao cerco do fogo em tantas aldeias e localidades. O antigo médio nasceu em Oliveira de Azeméis e foi um histórico da Oliveirense.
"Neste momento, nada mais importa, apenas a saúde da população e a vida humana. O futebol é secundário, isto é uma tragédia sem precedentes nesta região. Não podíamos estar mais tristes com tudo o que está a acontecer à vida das pessoas destas zonas", conta o técnico, de 40 anos.
"Tivemos de cancelar os treinos da semana, substituindo isso com entrega de planos individuais a cada atleta. Como está o ar em Aveiro, não se pode colocar em risco a saúde dos nossos jogadores. Mesmo dentro de pavilhões, as modalidades em Aveiro viram os trabalhos suspensos. Tentamos planear um treino no pavilhão mas também rapidamente percebemos que não seria possível", documenta, partilhando ainda a insólita solução encontrada na segunda-feira, quando a circulação começou a ser restringida em muitas estradas. "Na segunda fizemos apenas ginásio e não trabalho de campo. Mas nesse dia tivemos atletas que não conseguiram chegar a Aveiro, porque muitas estradas foram cortadas. E para mim e para a minha equipa técnica foi outra dificuldade grande a de sair de Aveiro, tivemos que ir apanhar o ferry-boat para São Jacinto, porque não havia forma, por estrada, de chegar a Oliveira de Azeméis. Estivemos cerca de três horas à espera, eram centenas de carros!", conta o técnico, que tem procurado agilizar respostas ao seu alcance para auxiliar quem está assumindo o perigo desta luta tão brava. "Da minha parte, tenho ajudado da forma possível, com alimentos e produtos pedidos (queijo, fiambre, soro fisiológico, papel de alumínio, iogurtes liguidos), em Oliveira de Azeméis. Entreguei no pavilhão municipal, pois sei que é importantíssima a nossa contribuição para quem anda a dar a vida por nós", relata o antigo médio-ofensivo da Oliveirense, refletindo sobre as consequências e a resposta ainda a dar no terreno.
"Sabemos que não conseguimos controlar as condições climatéricas e que o vento e os diferentes focos de incêndio vão-se alastrando ao mesmo tempo. Fica difícil ter pessoas e recursos suficientes em todas as frentes. Só queremos que isto pare, para que possamos ajudar a reconstruir tudo o que se perdeu nestes dias terríveis", desabafa o treinador do Beira-Mar, elogiando um antigo colega, que não poupou esforços, saltando com familiares e vizinhos para o combate às chamas em Macinhata de Seixa, no concelho de Oliveira de Azeméis.
"O exemplo do Manuel Godinho é algo inspirador. Todos vimos o que ele fez. Um enorme abraço para ele e toda a família", regista Oliveira, companheiros largos de Godinho, hoje técnico dos sub-19 da Sanjoanense.