O fim da era Luís Filipe Vieira: o que dizem os estatutos, os títulos e o peso dos milhões
"Cartão Vermelho" conduziu mesmo à expulsão de Luís Filipe Vieira do Benfica volvidas duas décadas desde que, em 2001, assumiu o futebol, tendo chegado à presidência em 2003.
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Foi por carta que ficou selada a saída de Luís Filipe Vieira e, com ela, se encerrou um ciclo de duas décadas. Já autossuspenso de funções, aquele que chegou à presidência benfiquista em 2003 apresentou ontem a renúncia aos cargos de presidente do clube e da SAD, numa decisão que está umbilicalmente ligada à Operação Cartão Vermelho, em que é um dos principais visados, por suspeita de abuso de confiança, burla qualificada, falsificação, fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Horas depois do ultimato lançado pelo Conselho Fiscal, sob a capa do Código das Sociedades Comerciais, a informar que Luís Filipe Vieira teria 30 dias para deixar o cargo que ocupava na SAD, o presidente que estava autossuspenso mudou a sua condição para ausente em definitivo. "A Direção do Sport Lisboa e Benfica informa que recebeu do Presidente da Mesa da Assembleia Geral a carta de renúncia ao mandato enviada por Luís Filipe Vieira", pode ler-se no comunicado que se seguiu. Pouco tempo mais tarde seguiu outro comunicado dos encarnados, agora para a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, informando da renúncia também aos cargos na SAD e restantes sociedades participadas pelo Benfica, na sequência de outra missiva, esta dirigida ao presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade, tendo ambos um conteúdo formal e jurídico, sem mais justificações.
Luís Filipe Vieira comunicou assim a renúncia um dia após o Conselho Fiscal anunciar à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários que o iria afastar da presidência do Conselho de Administração da SAD. Em causa estavam as medidas de coação aplicadas a Vieira no âmbito da investigação da Operação Cartão Vermelho, em especial a proibição de contactar com outros membros do referido órgão da SAD do Benfica - além de prisão domiciliária e dos 3 M€ de caução aplicados pelo juiz Carlos Alexandre.
Na prática, trata-se do fim da linha de Vieira no Benfica, mas não da Direção ainda em funções. De acordo com o artigo 43º dos estatutos, na alínea A do ponto 2, só há queda da Direção no caso de "cessação do mandato da maioria dos seus membros eleitos, efetivos e suplentes". Não é este o caso, numa decisão que tem efeitos imediatos, pois no artigo 45º é explicado, no ponto 2, que "o efeito da renúncia não depende de aceitação e produz-se no último dia do mês seguinte àquele em que for apresentada, salvo se entretanto se proceder à substituição do renunciante". E isso já aconteceu a 9 de julho, quando Rui Costa assumiu a presidência em substituição de Luís Filipe Vieira numa cerimónia de tomada de posse em pleno relvado da Luz.
"A Direção apela à união de todos os benfiquistas em torno dos objetivos comuns e na salvaguarda dos superiores interesses do clube", pode ler-se no comunicado. Este surgiu numa altura em que Vieira pretende concentrar-se na defesa da sua honra no processo em que já foi constituído arguido e que, pelos prazos habituais, deverá superar a vigência do mandato, de mais três anos, que tinha no Benfica, sendo certo que, apesar disso, os dirigentes em exercício já prometeram a realização de novo ato eleitoral antes do final do ano.
Duas dezenas de títulos e o peso dos milhões
Luís Filipe Vieira deixa o Benfica numa altura em que, para além das suspeitas de muitos milhões de euros em torno do Novo Banco, está também em causa o eventual desvio de 2,5 milhões de euros das contas encarnadas. A este bolo milionário, o Correio da Manhã juntou ontem, quinta-feira, mais um de seis milhões que o agora ex-presidente das águias iria encaixar pela intermediação do negócio de venda de 25 por cento das ações da SAD por José António dos Santos, outro dos arguidos do processo, e o norte-americano John Textor.
No seguimento da investigação em curso, o Benfica perde agora de forma definitiva aquele que foi o presidente que mais tempo liderou o clube e que mais títulos conquistou. Vieira chegou à Luz em 2001 pela mão de Manuel Vilarinho para tomar conta do futebol e sucedeu-lhe na presidência em 2003.
Ao longo de cinco mandatos (mais o atual), o Benfica de Vieira somou 22 títulos (sete Campeonatos, sete Taças da Liga, cinco Supertaças e três Taças de Portugal) e esteve em duas finais da Liga Europa, ambas perdidas. Além da vertente desportiva, foi neste período em que, entre outras obras, foi construído o novo estádio e o centro de estágio no Seixal.