Caso Vieira/Costa entre outras "relações perigosas": mistura de poderes provoca azia
O atual difícil contexto económico e social é um dos principais fatores para o fim da normalização de "relações perigosas" que já vêm do passado e que sempre foram encaradas com leveza. A O JOGO, dois especialistas no assunto sublinham que o mundo da bola deixou de ser terreno fértil para dividendos eleitorais à conta da "toxicidade"
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As presenças de António Costa e de Fernando Medina na Comissão de Honra da candidatura de Luís Filipe Vieira a um novo mandato na presidência do Benfica trouxeram para as primeiras páginas o debate sobre as delicadas relações entre a política e o futebol.
O debate sobre a acumulação de cargos políticos/públicos com desportivos voltou à ribalta com a polémica que obrigou Luís Filipe Vieira a retirar os nomes de António Costa e Fernando Medina da Comissão de Honra da sua recandidatura
A polémica instalada obrigou, inclusive, o líder das águias a optar pela retirada dos nomes do primeiro-ministro e do presidente da Câmara Municipal de Lisboa da mencionada lista, mas não sem antes lembrar a presença de várias figuras ligadas a cargos políticos ou públicos, com Rui Moreira à cabeça, nos órgãos sociais do rival FC Porto.
No universo da I Liga, o fenómeno abrange dirigentes de vários clubes, de Frederico Varandas a Sílvio Cervan (ver galeria no final do artigo), e acarreta potenciais conflitos de interesse e suspeitas de promiscuidade entre os dois mundos. "A presença de responsáveis políticos para cargos em órgãos sociais, sejam consultivos ou executivos, acabam por ser uma tentativa de captura do poder político com o objetivo de beneficiar os clubes, seja através de subsídios, licenciamentos, operações urbanísticas em terrenos do clube ou facilidades em negócios particulares dos dirigentes. Existe uma mistura de esfera pessoal com esfera pública que é problemática", explicou João Paulo Batalha, consultor de políticas e sistemas anticorrupção, em conversa com O JOGO.
O passado foi palco de diversos episódios que consolidaram as relações perigosas entre futebol e política. Um dos mais mediáticos terá sido o de Avelino Ferreira Torres, falecido há cerca de um ano. Líder da Câmara Municipal do Marco de Canaveses entre 1983 e 2005, o autarca também dirigiu os destinos do FC Marco durante largos anos e ficou conhecido pelas ameaças a árbitros, agressões e pela destruição de propriedade do estádio batizado com o seu nome, entretanto rebatizado de Estádio Municipal do Marco de Canaveses. Este dividiu a lista de "dinossauros" autárquicos com Valentim Loureiro, que acumulou a presidência da Liga e do Boavista com a da Câmara Municipal de Gondomar com diversos processos judiciais à mistura, e Mesquita Machado.
O "eterno" presidente da Câmara Municipal de Braga chegou a ser acusado de gestão danosa pelo contrato esboçado entre a autarquia e o Braga para a utilização do Estádio Municipal, que face aos baixos valores pagos pelo clube no aluguer e contas levou à revisão do mesmo em 2013 pelo novo executivo camarário liderado por Ricardo Rio. No entanto, Portugal não tem a exclusividade nesse tema.
Gil y Gil envolvido em escândalos de corrupção
Em Espanha, entre 1991 e 2002, o icónico e falecido Jesus Gil y Gil liderou a Alcaldía de Marbella por entre um inúmero rol de escândalos de corrupção que até deram uma série televisiva, sendo um deles o patrocínio da própria cidade andaluza ao Atlético de Madrid, clube do qual era presidente. Já Silvio Berlusconi acumulou o cargo de primeiro-ministro de Itália e de dono do Milan, até à introdução, em 2004, de uma nova legislação de conflito de interesses. Estes, porém, não foram suficientes para impedir, que, atualmente, Berlusconi seja o dono do Monza (da Serie B) ao mesmo tempo que exerce funções de eurodeputado.
A panóplia de casos nacionais e internacionais serviram para "normalizar" uma questão que, em Portugal, foi encarada com certa leveza no período pré 25 de abril e que sempre esteve bem presente no associativismo de bairro. Porém, um atual contexto social e económico repleto de dificuldades ajuda a explicar as cada vez maiores desconfianças da população sobre o tema. "As pessoas estão a unir as perceções negativas da políticas às perceções cada vez mais negativas que têm do futebol, onde encontravam o escape para os seus problemas. Acham insuportável ver atores políticos a entrarem no fenómeno para ganharem vantagens", frisou João Paulo Batalha.
Por seu lado, Susana Coroado, presidente da organização Transparência e Integridade, acredita que os políticos estão a tentar recolher dividendos eleitorais através de uma tática "caduca". "O anúncio da final-8 da Champions e a questão da Comissão de Honra de Luís Filipe Vieira caíram mal. Os políticos querem tirar dividendos da associação ao futebol, mas ainda não perceberam que é um ativo tóxico com muito dinheiro a circular que os contribuintes não percebem de onde vem", afirmou a O JOGO.
Para separar as águas e remeter os políticos para um papel exclusivo de adeptos, Susana Coroado aponta para mecanismos capazes de gerirem conflitos de interesse com maior eficácia. "A Lei das incompatibilidades é muito legalista e formalista. Deviam existir sistemas de aconselhamento, regras de aplicação de princípios gerais, monitorização e sanções para a má conduta. Tudo com base na ética, pois encontra-se sempre maneiras de contornar a Lei", salientou.
Partidos "jogam" na Liga dos Campeões
Inseridos no grupo G e H da Liga dos Campeões, Ferencvaros e Basaksehir têm disparado para o sucesso desportivo à base de um forte apoio dos partidos que estão no poder na Hungria e na Turquia, respetivamente. A formação sediada em Budapeste tem como presidente Gabor Kulakov, o número 2 do primeiro-ministro Viktor Órban no partido Fidesz, e seu ressurgimento no cenário magiar após anos vários anos de obscuridade tem sido creditado ao investimento de empresas próximas dos governantes, que se têm insistentemente "colado" aos sucessos do futebol.
Oriundo do bairro modelo de Istambul, o Basaksehir, que se sagrou campeão turco pela primeira vez na passada temporada, cresceu à sombra do apoio explícito do AKP, partido do presidente Recep Tayyip Erdogan. Recuando no tempo, a União Soviética foi palco de grandes rivalidades dentro das quatro linhas entre ministérios, com o do Interior a deter o Dínamo de Moscovo e o da Defesa a controlar o CSKA, uma tendência que se espalhou a outros países do Leste europeu no período antes da queda do Muro de Berlim.