O ano louco de Enzo Fernández: O JOGO visitou as origens do médio que está a abalar o mercado
Pablo Esquivel, que caçou o médio no bairro de San Martín ainda criança, fala de um miúdo que "nunca se deu por vencido". Já Gabriel Rodríguez, que avalizou a contratação no River Plate, via qualidade.
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Em 18 de dezembro de 2021, levantou o Troféu dos Campeões com o River Plate, em Santiago del Estero. Foi o seu segundo título com a camisa do clube do qual é "hincha" [adepto], ao qual tinha regressado apenas cinco meses antes. A 18 de dezembro de 2022, levantou a taça de Campeão do Mundo pela Argentina, em Doha. Contas feitas, apenas 12 meses se passaram entre essas duas comemorações vividas por Enzo Fernández, o melhor jogador jovem do Mundial"2022. Um ano louco do médio do Benfica, entre ser coroado no seu país e conquistar o mundo. Um ano louco que hoje O JOGO apresenta aqui, indo às raízes do mais recente craque do futebol argentino e... mundial.
Desde a saída do clube que o formou até se tornar no "piloto" do Benfica. Dos 10 milhões de euros que custou às águias, até ao potencial disparar do valor do seu passe para os 120 milhões, que é o da cláusula, ao qual aponta o presidente das águias e que colossos como o Liverpool ou o Real Madrid terão de pagar se o quiserem neste momento. Do Monumental à Luz e passando pelo Lusail. De ter uma foto de Messi na parede da casa dos pais até ser um dos parceiros do 10 argentino.
Sem dúvida, este foi um ano que o craque argentino jamais poderá esquecer. Porque disputar o Campeonato do Mundo era apenas um sonho, um desejo que Enzo fantasiou ver concretizado quando levantou o copo para brindar no último dia 31 de dezembro, fazendo o mesmo que qualquer outro jogador. O tiro de partida para este caminho foi dado em agosto passado, quando Enzo passou a vestir a camisola do Benfica e começou a apresentar um nível superlativo, tanto no campeonato português como na Liga dos Campeões. Graças às suas atuações, pôde ir aos particulares da Argentina contra Honduras e Jamaica: somou aí 60 minutos importantes, embora ainda não tivesse lugar na lista final para a viagem ao Catar. A lesão de Giovanni Lo Celso foi a chave que lhe abriu de vez as portas para estar entre os 26 de Scaloni. Naquele que foi o último teste argentino antes do Mundial, num particular ante os Emirados Árabes Unidos, o médio somou 39 minutos, antes de chegar ao Catar, país onde a sua história mudou... para sempre.
"Dou-lhe os parabéns porque ele [Enzo] nunca baixou os braços ou se deu por vencido. Ele sabia o que queria, lutou para o conseguir e, agora, está a tornar realidade o seu sonho", diz a O JOGO Gabriel Rodríguez, coordenador de futebol jovem do River, ele que deu o aval para o clube de Buenos Aires assinar com Enzo quando ele tinha apenas cinco anos. Por isso, é daqueles que conhece todo o caminho do futebolista do Benfica. Um percurso onde o camisola 13 das águias teve de saltar sobre várias pedras pois não foi um desfile sobre uma passadeira vermelha.
O "Músico" que começou por ser o... "Gordo"
Pablo Esquivel foi o caça-talentos que viu Enzo Fernández jogar no clube La Recova, do bairro de San Martín, e o recomendou a Rodríguez em 2006. Então, este último foi falar com Marta e Raúl, pais de Enzo, para tentar levá-lo ao River, mas estes não o deixaram: o miúdo ainda era muito novo. Mas, no ano seguinte, Gabriel Rodríguez lá conseguiu convencê-los.
"Enzo já se destacava pelo remate e pela forma como conduzia a bola", recorda o coordenador do futebol do River. No clube, o agora jogador do Benfica recebeu a alcunha de "El Músico [o Músico] porque ele dirigia a orquestra", explicou certa vez o seu pai. No entanto, o salto do futebol infantil para o juvenil foi o primeiro travão de Fernández.
"Quando começou na Novena [equivalente aos juvenis], não jogava. Um dia a mãe dele ligou angustiada, estava desesperada e disse-me que o Enzo queria sair do River", detalha Esquivel. O que aconteceu, questionámos? "Ele era baixinho e um pouco gordinho", dispara Rodríguez, sem rodeios. Na verdade, o seu desenvolvimento físico demorou mais que o dos outros companheiros, por isso perdeu o lugar na equipa, ganhando até uma nova alcunha: o Gordo. Esta situação fez Pablo Esquivel sair a terreiro. "Recomendei que Enzo fizesse treinos duplos diários e que mudasse a sua alimentação. Ele entendeu isso, fez um clique e, a partir desse momento, entrou para uma outra etapa", completa Esquivel.
A chegada a Lisboa e o foguete para a Lua
Com 15 anos, Enzo Fernández voltou a saltar para um patamar de destaque, algo que Jorge Gordillo, técnico que o transformou em titular, recorda a O JOGO. "Lancei-o como um camisola 5 mais adiantado e Enzo foi... bárbaro. Gostava de treinar, sempre a querer aprender e a jogar. Ele manteve um ótimo nível ao longo de todo o ano", diz.
No ano seguinte, saltou para a equipa de reservas, no escalão abaixo da equipa principal. O técnico Marcelo Gallardo viu Enzo num treino que a equipa profissional fez contra os juvenis e gostou do que viu. Enzo estreou-se num jogo da Taça Libertadores onde o River teve uma formação alternativa. Mas, na altura, havia uma concorrência muito pesada no meio-campo do River: Leonardo Ponzio, Enzo Pérez, Bruno Zuculini e Santiago Sosa eram os principais médios do plantel. Fernández era a quinta opção e iria ser muito difícil jogar e Gallardo recomendou o seu empréstimo, algo que inicialmente não agradou muito a Enzo.
"Ele disse-me que poderia ser cedido ao Defensa y Justicia, e eu vinquei-lhe que seria ótimo, que iria jogar ao lado de profissionais e disputar a Libertadores. O clube e Enzo acabaram campeões da Taça Sul-Americana e da Recopa, com o jogador a ser uma das figuras da equipa. Destacou-se tanto que o River interrompeu o empréstimo por exigência de Marcelo Gallardo", diz Esquivel, nesta recordação de mais um momento chave na carreira do médio das águias.
Após esse momento, começou a etapa mais conhecida por todos: em julho de 2021 Enzo regressou ao River, conquistou lugar no onze inicial, festejou dois títulos em cinco meses. O Benfica antecipou-se na corrida e agarrou-o para a temporada de 2022/23. E, mal pisou terras de Lisboa, foi como um foguete disparado rumo à Lua, na maior das descolagens e que o lançou para o topo do mundo.
CURIOSIDADES
Chamada aos AA deu confusão com Pérez
A 26 de janeiro de 2019, nove dias após completar 18 anos, Enzo foi chamado pela primeira vez ao plantel principal do River Plate. Mas a Imprensa confundiu-se: uns pensavam que tinha sido convocado Enzo Pérez e outros que tinha sido chamado Ignacio Fernández. O clube teve esclarecer que se tratava mesmo do então júnior.
Mensagem a Messi para agarrar o astro
"É o meu ídolo, estou feliz por ele, mereceu", disse Enzo sobre Messi quando a taça de campeão do Mundo passava de mão em mão. A adoração pelo camisola 10 prova-se pela foto que o médio tinha na sua casa em San Martín e também numa mensagem quando Messi se despediu da seleção, após perder a Copa América"2016. "Faz o que quiseres Lionel mas, por favor, pensa em ficar. [...] Joga para te divertires pois, quando o fazes, divertimo-nos a todos. Obrigado", escreveu no Facebook.
Uma chuva de Enzos devido a Francescoli
Zidane é adepto do uruguaio Enzo Francescoli, ídolo do River e secretário desportivo do clube. Por isso, o francês deu o seu nome a um dos filhos quando este nasceu, o mesmo nome que o agora jogador do Benfica recebeu dos pais pelo mesmo motivo. A vida e o futebol fizeram dele também companheiro de... Enzo Pérez.
Golo ao México foi por "encomenda"
Pablo Esquivel, que descobriu Enzo, não quis escrever através do WhatsApp quando o jogador se estreou no Mundial, mas uns dias depois, ainda emocionado, disse-lhe: "Se apanhares uma bola contra o México, chuta que vais fazer golo." E Fernández chutou e fez um golaço. Enzo ligou a Esquivel para comemorarem juntos. "Acertaste!", lançou o médio.
Enzo Fernández começou bem cedo no La Recova (foto 1), mas não demorou a perfilar já equipado à River Plate (foto 2), depois de descoberto por Pablo Esquivel (foto 3). A mãe do médio (foto 4) foi decisiva no seu crescimento até ganhar títulos pelo River de Enzo Francescoli, que "batizou" Fernández e... Pérez (foto 5). E depois de brilhar no Monumental (foto 6), conquistou o Mundo.