Nove épocas depois do regresso das equipas B, só duas resistem na II Liga e uma, que até já foi campeã, está em maus lençóis. A futura III Liga deixa-as respirar melhor.
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Estamos sensivelmente a meio da nona temporada das equipas B, num cenário bem diferente da primeira e com mais alterações em perspetiva. Em 2012/13, FC Porto, Benfica, Sporting, Braga, V. Guimarães e Marítimo lançaram uma formação secundária na II Liga, prova que, esta época, conta apenas com os bês de encarnados e azuis e brancos, estes no último lugar da tabela. As restantes acabaram por descer ao Campeonato de Portugal (CdP), que a partir de 2021/22 deixará de ser o terceiro patamar do futebol português, com o aparecimento da III Liga.
Trata-se, portanto, de um contexto pertinente para uma espécie de reflexão sobre o projeto das equipas B: os proveitos, as dificuldades e os desafios para um futuro que, desde logo, lhes dará a possibilidade de competirem num escalão mais exigente que o CdP, sem a dureza e os encargos da II Liga.
Na transição do futebol de formação para o sénior, as equipas B foram capazes de tudo no segundo escalão. O FC Porto foi campeão e vice-campeão, o Benfica esteve várias vezes perto do pódio, mas também próximo da descida, num cenário que Sporting, Braga, Vitória e Marítimo não conseguiram evitar. Os leões chegaram mesmo a suspender a formação B após a despromoção, mas Frederico Varandas recuperou-a esta temporada, por considerar "essencial para o projeto da formação do Sporting".
Numa opinião semelhante, o treinador Vítor Campelos considera que os clubes só têm a ganhar com uma equipa a jogar no nível mais alto possível. "Só vejo vantagens em ter uma B na II Liga. Há jogadores de enorme valia, alguns com experiência de I Liga e é uma prova extremamente competitiva", enquadra, em declarações a O JOGO, o treinador do Chaves, que orientou os bês do Vitória entre 2015 e 2018.
No ano seguinte, desceram, mas os nomes que compunham essa equipa, mesmo a dar os primeiros passos no futebol profissional, só atestam a exigência do escalão. "Viu bem a equipa que eles tinham? Tapsoba, que está no Leverkusen, Al Musrati, André Almeida, João Pedro e Hélder Ferreira, que estão na I Liga. Daniel Figueira, Aziz e Rosier estão no Estoril... e mesmo assim tiveram dificuldades", lembrou Campelos, tão ciente da exigência da II Liga para os jovens como da sua utilidade: "A competitividade é que vai ajudar os jogadores a evoluir e a crescer. Difícil será sempre."
Estes trajetos ascendentes que o treinador elencou são apenas alguns exemplos entre muitos outros jogadores que amadureceram na II Liga antes de se sentarem à mesa com os grandes. Francisco Conceição, que na última semana se estreou pela equipa principal do FC Porto e na Liga dos Campeões, é o nome mais recente.
"A competitividade é que vai ajudar os jovens a evoluir. Difícil será sempre na II Liga, há jogadores de enorme valia"
Competir no Campeonato de Portugal não afastou os miúdos da equipa principal, nem deixou de contribuir para o crescimento deles, à custa de duelos com "jogadores feitos com experiência em provas profissionais", num "grau de dificuldade alto", descreve Vítor Campelos. Ainda assim, "é diferente da II Liga, outro nível competitivo", pelo que é assim que chegamos à III Liga. Começa com 24 clubes e passará a 20 em 2023/24 e os futuros profissionais desta prova terão como valor de remuneração base o salário mínimo nacional (665 euros).
É por esta competição que Sporting, Braga, Vitória e Marítimo lutam e foi a pensar nela, também, que Rio Ave e Belenenses aceitaram o convite da Federação Portuguesa de Futebol para lançar uma equipa B no CdP. "O caráter dinâmico do CdP, a criação da III Liga e a possibilidade de subida à II Liga, abrem um cenário de elevada competitividade que justificam esta aposta", sustentou o Rio Ave. O Braga está muito próximo de, no pior dos cenários, garantir uma vaga na III Liga, como mostram as tabelas, mas todos os bês estão em dentro das contas do play-off de acesso à nova competição.
"Talvez a nata dos clubes abaixo da II Liga possa ser um contexto interessante para as equipas B"
Por outro lado, as medidas de restrição do Governo Regional da Madeira levaram ao abandono de Camacha, Câmara de Lobos e União, com a permanência no CdP assegurada, mas o Marítimo B foi exceção. Tem estrutural profissional, quer competir e deslocou o plantel para o continente para acertar o calendário. "Não podendo jogar lá, talvez a nata dos clubes abaixo da II Liga possa ser um contexto interessante para as equipas B", afirma Vítor Campelos.
Claro que não é isso que o FC Porto B pretende, e Jorge Jesus já disse, esta época, que uma eventual descida do Benfica B é um não assunto: "Nem que tenhamos de fazer uma salvação nos últimos jogos com jogadores da equipa A. A classificação não é o mais importante, mas é importante ficar na II Liga." Contudo, será mais uma plataforma de crescimento para estas incubadoras de talento, sem que a subida à II Liga tenha de passar por caminhos tão sinuosos quanto os do Campeonato de Portugal.
Alteração será igual em Espanha
Uma ronda pelas principais ligas europeias mostra-nos que Espanha vai fazer exatamente a mesma coisa que Portugal: a partir de 2021/22, entra em cena uma competição que passará a ser a terceira da hierarquia, empurrando a atual Segunda Divisão B, onde está a maioria das equipas B, para o quarto escalão. Tal como em Portugal, as formações secundárias ou de reservas podem escalar até à II Liga, mas não tem sido fácil aguentarem-se por lá - a edição de 2017/18 foi a última que teve "bês" a competir.
Na Alemanha, as reservas não podem subir além do terceiro patamar e, em França, o escalão mais alto permitido é o quarto. Pep Guardiola, treinador do Manchester City, já apelou ao futebol inglês para adotar o modelo espanhol, mas em vão. Há apenas uma competição para as equipas de sub-23, num cenário semelhante ao de Itália, onde a criação de equipas B tem sido tema de debate nos últimos anos, mas apenas Juventus optou por aventurar os seus sub-23 na Serie C, desde 2018/19 - fora isso, resta a Primavera, o campeonato de juniores.