<strong>ENTREVISTA (2ª parte) - </strong>Luís Castro cultiva um estilo próprio, com o máximo de respeito por todos os agentes da área.
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Discute-se tudo no futebol português e pouco se fala do jogo. Que opinião tem do momento que se vive na modalidade?
-As pessoas confundem informação com conhecimento. Eu leio os livros que quero, vejo os programas televisivos que quero, vejo os filmes que quero e sento-me com quem quero. Não é fácil venderem-me coisas. Procuro a informação que quero, penso muito sobre ela e tento que se transforme em conhecimento. Há muitas pessoas que pensam que a informação é saber e, nessa medida, falam muito sobre os assuntos. É aqui que está o problema. Como é que se cria uma opinião sem se conhecer algo em profundidade? Devia falar-se com mais conhecimento de causa; é tudo muito leve, de consumo imediato. Todos os agentes do futebol, sem exceção, devem cuidar melhor do futebol.
"Gosto da liberdade de opinião e acho que não é preciso atropelar-se ninguém para se caminhar nesta vida"
É apontado como um dos últimos "gentleman" no meio. Como olha para isso?
-Nunca mudei a minha forma de estar na vida e no futebol. Há valores que estão presentes no meu dia a dia, como o respeito pelo outro; gosto da liberdade de opinião e acho que não é preciso atropelar-se ninguém para se caminhar nesta vida.
Talvez por isso já tenha ganho um lugar no futebol. Quais são as suas maiores obras de arte?
-O que quero é ganhar um lugar no coração das minhas filhas, da minha mulher, dos meus pais, dos meus irmãos, dos meus amigos. Gosto do elogio em detrimento da crítica. Fico contente em ouvir dizer que ganhei um lugar no futebol português pela forma como sou; gosto de ouvir dizer que defendo uma boa ideia de jogo, gosto que os meus jogadores apreciem a minha forma de treinar e que gostem de algumas comunicações minhas, gosto de sentir apoio da minha administração e gosto da forma como a comunicação social me respeita.
"O JOÃO FÉLIX ESTAVA NO LOTE DE POTENCIAIS JOGADORES DE ELITE"
Não acha que ficou demasiado tempo "escondido" na estrutura do FC Porto?
-Foram dez anos a trabalhar com gente de muito conhecimento, dez anos a debater futebol, sete deles na formação. Liderei mais de 20 treinadores e talvez uma dúzia de team managers e todo esse conhecimento foi muito importante para regressar ao futebol de forma confortável a todos os níveis.
Luís Castro dá outra visão sobre a passagem de João Félix pelo Olival. Neste caso, e noutros iguais, o poder dos clubes é nulo, porque é a família que decide o destino dos craques
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Mas não acha que podia estar há mais tempo a trabalhar ao mais alto nível na Liga?
-Sim, admito que sim e tenho pensado nisso. Mas também, por outro lado, acho que valeu a pena ter sido desta maneira, porque estou a chegar agora à Champions e a um clube da dimensão do Shakhtar. Sendo assim, é porque o passado foi tempo ganho.
Quando estava no FC Porto, o João Félix passou pela formação do Olival e acabou por ir para o Benfica. Foi difícil detetar o talento do jogador naquela idade?
-Não, nada. O João Félix estava no lote de potenciais jogadores de elite. A saída dele já não foi debaixo do meu domínio enquanto diretor técnico da formação do FC Porto, já que era na altura o treinador da equipa B, mas pelo que sei do caso, a família do João Félix entendeu que ele devia mudar-se para o Benfica.
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E o FC Porto não quis segurá-lo?
-Isso é um equívoco, não se trata de não querer segurar o jogador. Essa é outra coisa que está instituída no futebol português, que é pensar-se que um determinado clube não segurou um determinado jogador quando ele estava na formação. Temos de perceber uma coisa nesta fase da formação: enquanto os miúdos têm 13, 14, 15, 16 e 17 anos, os clubes não mandam rigorosamente nada, pela simples razão de que os pais pegam nos filhos e levam-nos para onde quiserem. O João Félix, tal como outros, estava sinalizado como potencial jogador de elite, à semelhança do Dalot, Rúben Neves, André Silva, Gonçalo Paciência, Diogo Leite, Diogo Queirós, muitos jogadores... uns chegaram a um patamar elevado, outros não.
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NO INÍCIO, LUÍS CASTRO VENDEU... EMBALAGENS
Qual é a sua maior fonte de inspiração?
-Os meus dois treinadores da formação quando tinha 13/14 anos, o sr. Graça e o sr. Orlando Rosseau, no Vieirense e no União de Leiria; complementaram a educação dada pelos meus pais. Disseram-me que devia respeitar o adversário para poder ganhar, respeitar um árbitro porque era a entidade máxima num campo, devia respeitar valores de solidariedade, devia ser companheiro em todas as horas, devia aceitar da mesma forma ser suplente ou titular e devia estudar para jogar futebol.
Como chegou a treinador?
-Foi com o sr. José Domingos, no Águeda, que me pediu para ser o seu adjunto quando ainda jogava. Sempre gostei de liderar, foi natural passar a treinador.
Trabalhou enquanto treinava...
-Fui comercial. Disse ao presidente do Águeda que não ia ser treinador apenas à noite e ele perguntou-me se queria vender umas embalagens na empresa dele; aceitei.