Mustafá, ex-Belenenses e Estrela, chega à Taça da Ásia: "É um milagre bem merecido"

Com passagens pela Amadora (2008/2009) e Restelo (2010), o central argentino Daniel Mustafá entra este domingo em campo para defender a Palestina, país dos seus avós, frente à Síria para a Taça da Ásia, sensivelmente à mesma hora que os seus dois antigos clubes se defrontam na primeira divisão do campeonato da Associação de Futebol de Lisboa. Desde o Dubai, o jogador perspetivou a O JOGO a sua primeira participação numa grande prova internacional e a tristeza por ver "dois amores" nos campeonato distritais.
- Como surgiu o convite para jogar pela Palestina?
Tudo surgiu porque os meus avós nasceram na Palestina e vieram desde lá para a Argentina. Em 2013 decidi tirar o passaporte palestiniano, ganhei a dupla cidadania e fui convocado pela primeira vez para a seleção. Por vários motivos estive afastado cinco anos, mas, felizmente, o atual selecionador lembrou-se de mim para a Taça Asiática.
- A seleção da Palestina vai a jogar com um argentino [Mustafá] e três chilenos [Norambuena, Tamburrini e Cantillana] naturalizados. Como foram recebidos pelos colegas palestinianos?
Com muita fraternidade e muito carinho. Nós temos o mesmo sangue e eles apoiam-nos em tudo. Reina uma grande harmonia no nosso balneário.
- Aos 34 anos, e numa altura em que joga na III Divisão da Argentina [Sarmiento Leones] ainda achava que ia a tempo de disputar uma grande prova internacional de seleções?
Eu sempre tive a esperança e o desejo de jogar uma grande competição pela Palestina, mas, com toda a sinceridade, já tinha desistido desse sonho. Ser chamado para a Taça da Ásia nesta altura da carreira só mostra que o futebol pode ser muito imprevisível. Acho que foi um prémio que me deram pela minha dedicação ao país.
- Como são as condições de trabalho num país que vive em permanente conflito? O grupo trabalha na Palestina ou são obrigados a preparar os jogos em outros países?
Nós treinamos e jogamos fora da Palestina. O conflito com Israel cria-nos obstáculos e limitações à nossa evolução. A Federação tem sido incansável no esforço que tem feito para que o plantel esteja confortável e se entregue ao máximo em cada jogo, mesmo longe de casa. Espero que um dia a paz regresse para eu, finalmente, poder visitar o país.
- Podemos dizer que, tendo em conta os obstáculos que descreve, é quase um milagre ver a Palestina na Taça da Ásia
Claramente. Diria que é um milagre bem merecido [risos].
- Quais as perspetivas da Palestina para a Taça da Ásia?
O nosso sonho é alcançar o apuramento para a próxima fase da prova. Sabemos que vai ser difícil, mas não é impossível.
- Na sua opinião quem são os favoritos a ganhar a competição?
Existem quatro crónicos favoritos: Coreia do Sul, Japão, Irão e Austrália. É claro que poderá haver uma ou outra surpresa, mas é difícil imaginar que uma dessas quatro equipas não seja campeã.
- Acompanha o futebol português? Está ao corrente do que se tem passado com o "seu" Belenenses?
Sim. Estive em Portugal no mês de agosto e fui ver o Belenenses-FC Porto. Sei que essa é a equipa da SAD e que existe outra do clube. É triste quando isto acontece com um grande clube... pareceu-me que a situação criou uma divisão nos adeptos e isso é mau para todos.
- Quando entrar em campo frente à Síria, Belenenses e Estrela da Amadora defrontam-se nas divisões distritais. Qual é o sentimento de ver dois dos clubes por onde passou nessa situação?
Não sabia disso, mas ainda me custa a acreditar que dois clubes com tanta história estejam a passar por esta situação. Fico triste de pensar nisso e desejo o melhor às duas equipas, que foram vítimas da má gestão e dos interesses pessoais de alguns.
- Que momento guarda com mais carinho das passagens por Belenenses e Estrela?
As melhores lembranças que guardo são dos tempos do Estrela. Não deixa de ser curioso porque foi lá que passei os momentos mais difíceis da minha carreira. Estivemos oito meses sem receber salários e tínhamos dificuldades em sobreviver. No entanto todas essas adversidades uniram muito o grupo formámos laços fortes de amizade. Desde o roupeiro até aos treinadores, o Lito Vidigal e o Lázaro, éramos uma família que conseguiu superar todas as adversidades e chegar às meias-finais da Taça de Portugal.
- Mantém o contacto com antigos colegas?
Sim. Sou apaixonado por Lisboa e volto lá sempre que posso. Tenho muito carinho pelo Nélson [treinador de guarda-redes do Sporting] e pelos irmãos Vidigal, o Lito e o Luís.
- Quando passou pelo Belenenses cruzou-se com André Almeida e Lima. Acreditava, na altura, que eles pudessem tornar-se importantes num clube como o Benfica?
O André era muito jovem e ainda não se tinha fixado como lateral-direito, mas já notava nele um potencial enorme. O Lima já fazia o que queria de nós nos treinos e não tinha dúvida que o destino dele haveria de passar por um dos três grandes. Era um avançado explosivo e incrível!
- Por falar nisso qual foi o avançado mais difícil de marcar que encontrou em Portugal?
Passei muito mal com o Hulk e com o Falcao. O Nuno Gomes também me dava dores de cabeça.
- Tem histórias curiosas da sua passagem pelo nosso país que possa partilhar connosco?
Na minha época do Estrela conheci a atriz Helena Costa e, posteriormente, namorei com ela alguns anos. No entanto, no início, ninguém acreditava que eu estava com ela e gozaram muito comigo até que aparecemos juntos numa revista. No dia a seguir, quando cheguei ao balneário, os meus colegas tinham colado uma fotografia enorme de nós os dois colada aos cacifos. Foi uma risota e a imagem ainda ficou lá algum tempo.
