Treinador tem exibido nas suas etapas a sede de desbravar caminho e fintar probabilidades, de se fazer maior dentro da realidade que enfrenta, nunca se contentando com o que tem
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Com competência e presença, César Peixoto vai colhendo frutos da dedicação para se fazer treinador, tendo começado a carreira em 2018/19, no Varzim. Em cada passagem ficaram pinceladas de bom futebol, de ideias arrumadas, de postura construtiva. É recorrente apontar-se alguns jogadores ao cargo, mesmo antes de terminarem as carreiras, mas, no caso do esquerdino, um médio/extremo virtuoso, seriam poucos os que apostariam que trilhasse caminho nos bancos. Fintou esses prognósticos e, aos 44 anos, é um treinador apetecível, fazendo embalar o Moreirense como sensação da época, com a façanha de, nos primeiros meses da época, ter vencido o FC Porto na Taça de Portugal, o Sporting, no campeonato, e ainda imposto um empate ao Benfica, num jogo em que fraquejou irremediavelmente Roger Schmidt.
César Peixoto vê recompensada inequívoca perseverança. O antigo jogador de FC Porto, Benfica, Vitória, Braga e Belenenses afinou o Moreirense, recebendo nota alta pelos comportamentos padronizados da equipa e o futebol descomplexado. A derrota última com o FC Porto pouco ou nada belisca, o cariz vitorioso está patente. Depois de ter bebido de Mourinho e Jesus, e de muitos outros, há um César treinador bem mais racional do que o Peixoto jogador, este muito mais irreverente e confrontador. Há um caráter que se moldou, um homem que se preparou, e isso percebe-se ao conversar com quem testemunhou as primeiras pistas do sucesso no futebol. Fernando Carneiro era avançado do Taipas quando César, então com 20 anos, se estreou num plantel sénior, após deixar a formação do Vitória. O goleador foi um dos elementos mais próximos do talentoso esquerdino. “Quando apareceu, era um miúdo com algumas manias, mas tinha muita qualidade; via-se nos primeiros toques na bola. Mas, daí à carreira que depois conseguiu fazer, ia uma grande distância; tinha muitos degraus para subir”, recorda.
O agora técnico dos cónegos confrontou-se com esses degraus e foi veloz a subi-los: em dois anos saltou da 3.ª Divisão para a I Liga, vendo as portas abrirem-se no Restelo. Chegava então ao Belenenses. Em pouco tempo capta atenção do grande FC Porto de José Mourinho e nasce um vencedor da Liga Europa e Liga dos Campeões. “Ele começou de baixo e, de uma maneira ou outra, foi deixando a sua marca. No início, era um jogador que não refletia muito, não estava para pensar o jogo, acho que era mais do género de se divertir e ‘partir tudo’”, vinca Carneiro, atento a uma interessante mutação, mesmo com a vida já desencontrada de César Peixoto. “Quando somos jogadores vamos aprendendo e desaprendendo todos os dias, mas o César conseguiu absorver as coisas positivas e foi descartando as negativas. Acho que essa junção o ajudou muito no salto para treinador”, avança, antecipando uma subida ao topo. “Se tiver as oportunidades que foi merecendo como jogador, altura em que jogou nos melhores, não as vai desperdiçar. É preciso quem acredite e quem aposte, mas a vida de um treinador não é fácil. Às vezes, por muita competência que tenhas, não chega...” avisa Carneiro, aplaudindo um crescimento brutal e a visão de um técnico metódico.
No César treinador há uma linha evidente de memória, do que foi experienciado como jogador. “Quando chega ao Belenenses, ele afirma-se logo com o Marinho Peres. Lembro-me de que se sentia um jogador cheio de confiança. Depois, quando chegou ao FC Porto de Mourinho, cresceu ainda mais, e isso aconteceu também fora do campo, mentalmente. Ficou um jogador completo!”, atesta, torcendo para que a campanha em Moreira de Cónegos conduza a outras frentes. “Chegar a um grande como treinador não depende só dele. Espero que aconteça, sei que ele aproveitaria. Gostava muito de o ver nesse lugar.”
“Acham-no maniento, mas é errado”
“A nossa ligação já não é forte, as vidas afastaram-nos, ele é treinador de I Liga, eu trabalho nas obras. Ele, desde que começou a carreira, tinha muita confiança nele. Muitos pensavam que era arrogância, mas não! Ele não tem nada disso, de estatutos. Uma vez, eu estava a trabalhar numa obra em Braga, ele conhecia o construtor e, por alguma razão, apareceu lá. Viu-me com a roupa de trabalho, toda suja e veio logo ter comigo. Deu para falar um bocado; foi um bom momento e reencontro. Há aquela postura que acham manienta, mas, no fundo, se o conhecerem bem, percebem que não. Desejo-lhe a maior sorte do mundo”, relata Carneiro, sorrindo com partilha mais curiosa do César famoso pelos títulos no FC Porto, relativamente ao seu núcleo próximo das Taipas. “Nos comentários que trocávamos, ficámos todos doidos com os prémios de jogos. Eram valores completamente fora do que conhecíamos”.
Comunicador nato imune às críticas
César Peixoto cativa em Moreira de Cónegos, não muito longe de onde nasceu, na freguesia de S. Lourenço de Sande, embora tenha sido o Taipas, que nasceu como um clube de caça, a fazer o esquerdino estrear-se como sénior. De um jogador estimulante que não dispensava o charme rebelde, indomável na sua natureza, a treinador muito ciente de como potenciar uma equipa e cada individualidade. Nas Taipas, deixou pistas de um talento desconcertante e uma ligação forte a quem viu o diamante brotar e cintilar para outros voos.
Patrício Ferreira, baterista dos Smartini, banda indie taipense fiel a uma sonoridade inspirada nos rasgos dos Sonic Youth, mantém afetos com o técnico dos cónegos. É também autor da letra do hino do Caçadores das Taipas.“Conheci o César no fim da adolescência e já com os traços de personalidade bem definidos. Tinha acabado a formação no Vitória, o clube não tinha interesse e ele tinha de decidir o futuro. Recordo-me da sua maturidade, de conversarmos nesse verão, nas festas de São Pedro das Taipas, e ele falava-me das possibilidades que tinha, medindo prós e contras em todas”, rebobina. “Notava-se que era senhor do seu destino, mesmo saído dos noventas, altura em que os jovens saíam da formação sem as ferramentas de hoje. Muitos julgavam a sua opção como errada e penso que decidiu contra vários conselhos. Apostou no Taipas, convicto de que teria sucesso. Não pelo discurso, mais pelas atitudes e decisões com maturidade ímpar”, destaca, resumindo essa ascensão do jogador desconhecido a figura mediática. “Foi o passo atrás para dar dois à frente. Não foram dois, foram meia dúzia! Acabava a segunda época no Taipas e já se falava do Belenenses. Era um filme já visto com outro filho da terra, o Juanico. Alguns ‘velhos do Restelo’ sentenciavam o pior, mas foi tudo vertiginoso para o César. Eu já cursava em Coimbra e via-o singrar. Não me esqueço da manchete a dizer que Mourinho queria César no FC Porto”, enfatiza Patrício Ferreira, membro dos Smartini desde a fundação, banda já com largo trajeto, tendo na voz Lourenço Nuno, que tem sido também o arquiteto de muitos dos desejos urbanísticos de César Peixoto. “Nunca questionei sobre se ele teria estrutura mental e estaleca! Tinha de certeza! Para isso e muito mais. Passara do futebol amador ao profissional a gerir todos os timings, como o sucesso, as lesões e o mediatismo. Passou por injustiças, falavam do seu afastamento das origens, nada mais infundado. Apenas foi sempre alguém muito focado. Aqueles que diziam que o sucesso lhe tinha subido à cabeça foram ficando mais tímidos e ao César nada disso o afetou. Absolutamente imune”, assegura Patrício Ferreira, começando a trazer à tona os pontos de contacto com o treinador de 44 anos. “Afinou sempre as suas características: resiliência, positivismo e congruência de ideias. Com clareza e capacidade de ver o copo mais meio cheio do que vazio. Isso hoje ainda está mais presente. Tem marcas singulares que o levarão a outros patamares. Vai da simplicidade como comunica, fácil para quem o ouve na televisão ou no balneário. Encara o trabalho com confiança e contamina quem está com ele. É genuíno e profissional e, mesmo como jogador de equipas rivais, não há quem possa pegar num insulto ou ataque à sua integridade. Era e é consensual”, elogia.
Líder próximo das suas tropas
Patrício Ferreira traça facilmente as vantagens para o técnico do sensacional Moreirense no mercado de trabalho, até porque a curta carreira mostra um presidente arrependido a recuperar um treinador e outro a apostar numa segunda vida de César Peixoto, no caso, Vítor Magalhães, líder do Moreirense.
“O que aconteceu em Paços é a prova máxima do que descrevo. Quando decidiram substituí-lo arrependeram-se. Mas temos também de refletir sobre um homem que aceitou regressar. É de muita personalidade e integridade”, sustenta Patrício, acreditando que o futuro no banco será próspero. “O mérito e as qualidades para o sucesso de um treinador dependem de muitas variáveis. Mas ele junta intensidade e tranquilidade no trabalho, esteja no ativo ou não”, regista, percorrendo as influências que rodeiam César Peixoto, até porque foi treinado por Mourinho e Jorge Jesus.
“Parece-me muito bem preparado, pela sua perseverança e estabilidade pessoal e familiar. Tem ótima relação com todos os intérpretes do futebol, tudo se alinha para um futuro promissor. Gosto do futebol que as equipas dele praticamente, acho que conseguiu beber de grandes mestres muita experiência e conhecimentos, mas sem descurar o próprio estilo”, gaba o baterista dos Smartini, finalizando que se está perante alguém que “é um líder natural próximo das suas tropas e convicto das suas ideias.”
“Tenho visto Portugal exportar muitos treinadores de qualidade e acho que ele pode ter o mesmo rumo. Mas preferia vê-lo num grande de Portugal, de preferência no Benfica”, atira, sem camuflar os afetos futebolísticos.