Mirandela embala ao lado de Rui Borges: "Não é à toa que a nossa padroeira é a Senhora do Amparo"
A 20 de junho de 2024, o técnico assumia o V. Guimarães e começava uma época que acabaria com a dobradinha no Sporting. Cidade de Trás-os-Montes ganhou outro destaque com a conquista do filho da terra. Preferências clubísticas deixaram de ter importância e deram lugar ao apoio a quem nunca se esquece das raízes.
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Viver em Mirandela é viver ao ritmo de quem ainda sabe abrandar. É saborear a calma nas margens do Rio Tua, perceber que o calor com que se é recebido é proporcional às altas temperaturas que se fazem sentir nesta época do ano. É ouvir as conversas animadas nos bancos de jardins de uma cidade em que a tradição ainda é o que era. Tanto no mítico Parque do Império como nas esplanadas ao fim da tarde, os diálogos têm, inevitavelmente, novo assunto: Rui Borges, o filho da terra. Numa das esplanadas, o senhor Hipólito lê atentamente o jornal. A manchete era o treinador do Sporting. “Vê-lo neste patamar é um orgulho que não tem explicação. Já tenho 89 anos e nunca ouvi falarem tanto de Mirandela como agora”, afirma a O JOGO, entre risos, para depois retomar à leitura.
Viver entre montes pode ser inspirador, mas os mesmos montes que rodeiam também podem representar barreiras invisíveis. Crescer em Trás-os-Montes é aprender desde cedo a lidar com a escassez de oportunidades, a distância e a entender que o caminho até ao sucesso pode ter o dobro da distância. Mas Rui Borges foi dos muitos que encararam as dificuldades com o mesmo pragmatismo com que lida no futebol. “Conheço-o há anos e ele sempre foi assim: positivo, humilde, fazia das dificuldades força”, diz-nos José, enquanto vai de passo mais acelerado para dar o habitual passeio do final de tarde.
Há um ano, a 20 de junho de 2024, o treinador era anunciado no Vitória de Guimarães, depois de uma boa época ao serviço do Moreirense. Um teste de fogo para a carreira, muito já devido à grande paixão dos adeptos vimaranenses. Mas o técnico já presenciou essa mesma paixão no Estádio D. Sebastião, que o viu a dar os primeiros passos enquanto jogador. “Somos menos, é verdade, mas paixão e exigência é coisa que não nos falta”, refere, bem-humorado, um adepto dos alvinegros, sentado nas bancadas e a olhar para um relvado vazio, dado o período de férias. O desafio, que já por si só era grande, tornou-se maior quando, em véspera de Natal, se soube que o próximo passo do técnico seria o Sporting. Mas a receita de sucesso, cujos primeiros ingredientes foram usados no Vitória de Guimarães, acabou por ser alcançada com a conquista do campeonato e da Taça de Portugal, tornando-se no único técnico português no Sporting a fazer dobradinha na época de estreia. No caminho de regresso do estádio, o orgulho é visível até nas janelas que hoje têm bandeiras do clube de Alvalade, mesmo que não se seja adepto. Porque o orgulho pelo filho da terra leva a que o amor pelo clube rival tire uma folga.
Hoje, viver em Mirandela é ter mais um campeão. É, em cada café e tasco, em muitas esquinas, enaltecer a mesma vontade que Rui Borges tem em colocar a cidade no mapa como para conquistar troféus. É perceber que o sucesso de um é o sucesso de todos, numa terra que a entreajuda quase não é uma escolha, mas uma filosofia. “Não é à toa que a nossa padroeira é a Senhora do Amparo. Cuidamos bem dos nossos”, refere Adelaide. A cidade que viu crescer o treinador está agora noutro mapa, também no olhar do país que passou a reconhecê-la como berço de talento.
Não é só no futebol que há talento
Cidade é berço de atletas de diversas modalidades. Além de Rui Borges, Jesualdo Ferreira, natural de Mirandela, também se sagrou campeão nacional, mas pelo FC Porto. Canoagem da cidade também tem merecido protagonismo.
Fundado a 10 de junho de 1926, o Sport Clube de Mirandela é o clube mais antigo do distrito de Bragança e o segundo de toda a região de Trás-os-Montes. Na altura da criação, os fundadores tiveram a preocupação de não representar apenas o futebol, mas várias modalidades, entre elas basquetebol, atletismo, ginástica e atletismo. Foi, inevitavelmente, no desporto-rei que o clube mais se destacou, tendo sido berço de vários jogadores e treinadores conhecidos da praça. Rui Borges foi o último caso de sucesso – representou o clube como jogador e treinador –, tendo saltado dois escalões quando ainda a orientar o clube transmontano recebeu o convite do Académico de Viseu. O percurso até ao topo foi rápido e depois de um recorde conseguido pelo Vitória de Guimarães, na Liga Conferência, ao tornar os vimaranenses a equipa portuguesa com mais jogos sem perder numa prova da UEFA, já conquistou a dobradinha pelo Sporting.
Mas não foi apenas o técnico que saiu da terra para fazer história. Jesualdo Ferreira, também natural da cidade-jardim, sagrou-se tricampeão nacional, entre 2006 e 2009, pelo FC Porto, além de ter levantado uma Taça de Portugal e duas Supertaças. Passou, também, por Benfica e Braga, clube pelo qual conseguiu uma das melhores classificações da história dos arsenalistas, além de várias experiências no estrangeiro, como no Santos, no Brasil, ou no Panathinaikos, da Grécia. Berço de jogadores como o guarda-redes Eduardo – também natural da cidade, tendo chegado a ser internacional português –, Ricardo Mangas, Zaidu e, mais recentemente, Luís Pinto, que passou pelo Mirandela e vai agora assumir o comando técnico do Vitória de Guimarães, há outras modalidades que se destacam, como o basquetebol, que somou vários títulos distritais, ou o ténis de mesa.
O Clube Ténis de Mesa de Mirandela tem já um palmarés recheado, com vários campeonatos nacionais, além de Taças de Portugal e Supertaças. Recentemente, a equipa feminina sagrou-se vice-campeã nacional e a equipa masculina chegou ao play-off, tendo caído perante o Sporting. Atualmente, o Rio Tua tem recebido o Campeonato Nacional de Fundo de Canoagem e vai ser palco do Europeu, na vertente de maratonas, em 2027.