Mielcarski recorda o FC Porto e a cidade: "O teu clube perdeu e ainda tens vontade de comer?"
Mielcarski esteve no FC Porto de 1995 a 1999, regressando à Cidade Invicta várias vezes já depois de deixar e até de deixar de jogar. A propósito do Portugal-Polónia foi entrevistado pela TVP Sport
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A última vez no Porto: "Não foi assim há tanto tempo, foi em setembro do ano passado. Depois de ter saído da seleção da Polónia, onde fui adjunto de Fernando Santos, peguei na minha companheira e fui para onde sempre me senti bem. Precisava de descansar, desanuviar de tudo isso e o Porto sempre foi e é um dos meus lugares favoritos. Existem locais onde uma pessoa se sente sempre bem. Na minha vida, estive em várias cidades bonitas, não só na Polónia, mas também em Genebra, Atenas ou Salamanca, mas o Porto sempre foi e continua a ser especial para mim. Por muitas razões. Quando cheguei ao FC Porto, senti que tinha ganho o jackpot. Teria sido perfeito se não fossem as lesões, que não me permitiram atingir o meu pleno potencial"
A primeira coisa que vem à cabeça quando pensa no FC Porto e na cidade: "Orgulho. Simplesmente. Os habitantes do Porto são pessoas orgulhosas, mas não arrogantes ou vaidosas. Eles têm orgulho de onde vêm. Dedicam-se muito ao trabalho. Lisboa, à primeira vista, é mais bonita, mais moderna, mais rica; usando uma analogia marítima, diria que a capital do país é um barco a motor, enquanto o Porto é impulsionado pelo trabalho manual, por remos. No meio da década de 1990, quando estive lá, o FC Porto ganhou cinco campeonatos seguidos e eu passei quatro anos no clube. Aprendi a dedicar-me ao clube, porque o FC Porto é algo especial para os habitantes. Sempre fui uma pessoa comunicativa, não tive problemas com as pessoas, conversava com os vizinhos e observava como se comportavam. Uma vez, enquanto tratava uma das muitas lesões, assisti a um jogo do FC Porto com amigos. Perdemos e, passado algum tempo, a filha do dono da casa voltou do estádio e disse que estava com fome. O pai olhou para ela e disse: 'O teu clube perdeu e ainda tens vontade de comer? Depois de uma derrota, devias ter o estômago fechado'. Claro que estava a brincar e acabou por alimentá-la, mas isto mostra o que é o FC Porto. Numa outra ocasião, não ganhámos dois jogos seguidos e a equipa ficou um pouco tensa. Quando saímos do estádio, os adeptos, muitos deles pobres ou até sem-abrigo, despediram-se de nós, bateram-nos nos ombros, encorajaram-nos e disseram que em breve voltaríamos a ganhar. Imagina, pessoas que não tinham nada ou quase nada, a apoiarem aqueles que tinham tudo! Mas depois retribuíamos, éramos atentos e sensíveis, organizámos muitas campanhas de angariação de fundos, comprávamos cadeiras de rodas tapadas para os deficientes, para os proteger da chuva, pois no final do outono e inverno chovia muito. Não éramos tão ricos como o Benfica, mas o facto de, durante cinco anos consecutivos, os clubes de Lisboa não nos conseguirem tirar o título era um motivo de orgulho para essas pessoas. O Porto é decididamente mais sangue, suor e lágrimas do que diversão e dinheiro; nada ali era fácil. A cidade exala orgulho pela equipa do FC Porto."
A chegada ao FC Porto: "Nos primeiros anos da minha carreira, para ser mais claro, saltava de um lado para o outro. Em 1989, ainda muito jovem, fui para o Olimpia Poznań. Tinha 18 anos e não tinha controlo sobre muitas coisas. O presidente do clube, Bolesław Krzyzostaniak, obrigava-me a entrar num carro ou num avião e ir fazer testes aqui e ali. Uma vez, fui para o FC Basileia, na Suíça, e acabei por passar alguns meses no Servette, de Genebra. Também estive em testes no Toulon, em França, sem pensar se era o mais adequado para mim. Depois da Suíça, fui para o Górnik e depois para o Widzew. Não tinha agente, ninguém me dizia o que fazer ou como me comportar. Antes da temporada 1994/95, fui para o Widzew. Durante a primavera de 1995, recebi um telefonema de Józef Mlynarczyk a dizer que alguém do Porto viria observar-me nos dérbis de Lodz. Esse "alguém" era o treinador Sir Bobby Robson. Na altura, eu estava numa forma bastante mediana. Não me sentia bem física nem mentalmente. 'Não inventes, não vais conseguir nada, não há hipótese' – pensei, e não tinha grandes expectativas em relação ao jogo dos dérbis, por isso joguei contra o LKS sem qualquer pressão. Estava cético em relação a tudo e certo de que a transferência não aconteceria. Ganhámos por 1-0 com um golo meu. Depois falei com Robson – Marzena Mlynarczyk, filha de Józek, traduziu para mim. O treinador inglês fez-me uma avaliação, perguntou-me do que estava satisfeito e em que situações poderia ter feito melhor. "Vemo-nos da próxima vez" – disse e partiu. Essa próxima vez aconteceu dois meses depois. Durante esse tempo, marquei apenas um golo em cinco jogos. Desta vez, Robson veio ver um jogo contra o Hutnik Kraków. No estádio do Widzew, ganhámos 4-0 com três golos meus. Três dias depois, terminámos a época com um jogo no estádio da Legia. Mostrei o meu nível 'norma', jogámos mal e perdemos 0-2. Mas isso já não importava, porque o FC Porto estava decidido a fazer a transferência.