<strong>ENTREVISTA - </strong>Com uma subida a pulso, o treinador transmontano sublinha a fórmula que o levou do modesto Águeda até um emblema endinheirado e de Champions e revela ainda um desejo para a carreira.
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Na véspera de rumar à Ucrânia para abraçar o projeto do Shakhtar, Luís Castro esteve com O JOGO e abordou vários temas.
Em 2017 disse ao "Expresso" que tinha recusado uma proposta da China e que achava que nunca iria sair de Portugal. Agora vai para o Shakhtar. O que mudou?
-A proposta da China era para me envolver na formação e eu estava numa fase em que não queria voltar a essa área. Talvez isso me tenha levado a dizer que não iria sair de Portugal. Entretanto, vamos ajustando os pensamentos em função dos contextos.
O convite do Shakhtar foi, de certa forma, inesperado?
-Neste período houve abordagens da Arábia Saudita, do Norte de África, de França, de Inglaterra e a do Shakhtar. Só pensaria nessas abordagens a partir do momento em que se tornassem efetivas. Quando surge um convite, temos de analisar várias vertentes: o lado social, familiar, profissional. Foi estranho o que senti no momento. Eu andei ao longo da carreira a procurar o contrato que me desse a independência financeira e naquela altura não pensei em dinheiro, pensei apenas no que envolveria a mudança para um clube desta dimensão.
Luís Castro esteve ao comando de dez equipas até chegar ao Shakhtar: Águeda, Mealhada, Estarreja, Sanjoanense, Penafiel, FC Porto B, FC Porto, Rio Ave, Chaves e, na última época, Vitória
E vai jogar a Champions...
-Sim, claro que pensei na Champions, mas antes de tudo pensei na família. Depois pensei o que realmente significava um convite destes para quem começa na distrital há muitos anos e que percorre um caminho sustentado no trabalho até chegar à Champions. Foquei-me sempre no trabalho e alheei-me de muitas das coisas que rodeiam o futebol. Foi essa a fórmula que me permitiu chegar até aqui, senti-me entusiasmado e percebi que essa fórmula vai continuar comigo.
Disse que tinha o sonho de ser campeão nacional fosse em que país fosse. Está mais próximo?
-O Shakhtar é o principal candidato ao título ucraniano e tem o Dínamo Kiev como grande rival.
Como vai ser trabalhar num país diferente, com outra cultura e língua?
-Quando estamos focados no treino e no trabalho, tudo o que nos rodeia deve dar-nos estabilidade. Há 12 brasileiros e, por aí, a língua é fácil, tenho tradutor para os ucranianos e para os de Leste e, quando for preciso, fala-se inglês.
Normalmente precisa de tempo para implementar a sua ideia de jogo. Neste contexto, isto pode ser um problema acrescido?
-Conheci o trabalho do Paulo Fonseca quando estava no FC Porto; temos ideias parecidas, embora com algumas variantes. Todo o plantel vai transitar, o nosso presidente recusa qualquer tipo de venda e isso também nos dá estabilidade. O sucesso do Paulo é inquestionável e certamente ele irá fazer um grande trabalho na Roma.
Este passo para o Shakhtar pode, mais tarde, abrir-lhe outras portas em Portugal?
-Vivo em paz, não olho para o futuro.
"Gostaria de ser selecionador. Não digo de Portugal, porque há muitos técnicos válidos, mas é algo que gostava de fazer um dia"
O que gostava ainda de fazer na carreira?
-Gostaria de ser selecionador. Não digo que quero ser selecionador de Portugal, porque à minha frente há muitos treinadores competentes, mas é algo que gostava de fazer um dia.
E que talentos deve ter um selecionador?
-Saber selecionar, ter uma boa proposta de jogo para os jogadores que escolhe, ter responsabilidade máxima e capacidade de liderança.
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"GRITAR E GESTICULAR NÃO É SER AMBICIOSO..."
Não ficou arrependido de não ter aceitado o convite do Reading?
-Não era a melhor altura para sair. E não quis interromper o vínculo com o Vitória, apesar de muita gente não entender isso. Não fiquei nada arrependido de ter ficado, porque agi em consciência, e o Vitória acabou por atingir o objetivo europeu e do quinto lugar.
Luís Castro disse que nunca esteve à espera de consensos no Vitória, mesmo tendo conseguido o apuramento europeu e o quinto lugar. E falou em preconceitos instalados no futebol
Apesar disso, o seu trabalho não foi consensual para os adeptos. Alguma mágoa?
-Nada, nada. Vivi o 25 de Abril com 13 anos, em Vieira de Leiria, uma zona politicamente muito forte, e sempre percebi que a liberdade de opinião era fundamental para o progresso da sociedade. Se o clube quiser seguir em frente, tem de ter opiniões diferentes. Nunca esperei consenso no Vitória; sempre esperei trabalhar e ter à minha volta sócios entusiastas. Prefiro sempre o elogio à crítica. Muita gente olha para mim e vê o Luís Castro com 57 anos, só que há uma história de vida por trás, com trabalho numa fábrica e nos distritais. Surpreendia-me que dissessem que era um treinador sem ambição e pensava como era possível dizerem isso de alguém que vinha da distrital até à Liga e que agora vai à Champions. Há preconceitos instalados no futebol, como o de estar no banco e ter de gritar e gesticular para poder ser apelidado de ambicioso. Isso não é ser ambicioso; a nossa ambição vê-se no dia a dia, no treino, na comunicação com os jogadores e no percurso.
Fez algo no Vitória, ou deixou por fazer, de que se tenha arrependido?
-Não, porque tudo o que faço é em função do momento. O que interessa é o que sentimos quando tomámos a decisão.
O Vitória tem nesta altura condições para ser mais do que quinto classificado?
-Só a administração poderá responder a isso.
Mas em função dos argumentos que teve à disposição...
-Na época passada houve uma fratura na construção do plantel. Como toda a gente percebeu, ou não, muitas vezes o Vitória jogou com nove atletas novos, acabados de chegar ao clube. E muitos desses jogadores não foram titulares na época anterior, como Sacko, Osorio, Rafa Soares, André André, Joseph, João Carlos Teixeira, Guedes, Ola John... Foi um risco assumido. No futebol português, queremos atingir níveis muito altos, e conseguimo-lo através de alguns clubes e da Seleção, mas maioritariamente não temos capacidade para contratar um jogador na segunda liga espanhola, alemã e francesa. Foi fantástico ver a equipa crescer e atingir o quinto lugar; e ainda bem que apareceu um Moreirense fortíssimo.