Se a AdC resolver mesmo entrar por aí, duvido bem que as coimas fiquem pelos 11 milhões.
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Na semana passada, a Autoridade da Concorrência (AdC) puniu a Liga Portugal e 31 clubes que participaram nas duas ligas profissionais de futebol na época 2019/2020. A coima tem o valor total de mais de 11 milhões de euros (M€), repartida pelos clubes em função de critérios que atendem, sobretudo, ao volume de negócios de cada um. Assim, os mais castigados foram o Benfica (4,163 M€), FC Porto (2,582 M€) e Sporting (1,666 M€).
Os factos são fáceis de explicar: em abril de 2020 (logo após o primeiro confinamento) os clubes profissionais comprometeram-se mutuamente, no seio da Liga, a não contratar "futebolistas que rescindissem unilateralmente o contrato de trabalho evocando questões provocadas pela pandemia covid-19."
Foi uma posição que, certamente, os próprios clubes entenderam como nobre - só assim se entende a ingenuidade em anunciar publicamente um cartel (sim, é disso que se trata), algo que qualquer empresa tentaria esconder. É que ao celebrarem acordos como este, os participantes renunciam a aproveitar todas as potencialidades disponíveis no mercado, sabendo que, em troca, os seus rivais farão o mesmo. Ao eliminarem esse risco, impedem que o mercado e a concorrência funcionem de modo eficiente, prejudicando a qualidade do produto final, e assim o consumidor.
A Liga e os clubes não tardaram em reagir, acusando a AdC de um "desconhecimento grave das particularidades da indústria do futebol, da natureza idiossincrática do Futebol Profissional e mesmo da relação laboral desportiva" e considerando a decisão "manifestamente injusta, desproporcionada e desafiadora do bom senso".
Tudo isto merece algumas brevíssimas reflexões. Em primeiro lugar, também me custa entender a decisão da AdC. Não por achar que estes acordos não devem ser punidos, mas porque este, em particular, foi tomado num contexto de grande incerteza, nomeadamente financeira: ninguém sabia quanto tempo as competições ficariam paradas, ou se as receitas dos patrocinadores e dos contratos televisivos se manteriam. Acresce que durante as poucas semanas entre a publicitação do acordo e a sua suspensão pela AdC, tanto a competição como as inscrições estavam suspensas. É certo que a punição destes acordos não exige a prova de que tenha sido causado um dano concreto à concorrência, mas fica no ar a ideia de algum excesso de zelo.
Em segundo lugar, penso que a resposta da Liga e dos clubes deverá ser o menos confrontacional possível. Esta AdC já mostrou que não tem medo da banca, das seguradoras ou dos grandes hipermercados, e já correu todos com coimas astronómicas. Por muito peso que tenha na sociedade, não é o futebol que a vai intimidar.
Finalmente, e na sequência do ponto anterior: se eu estivesse na pele dos clubes visados teria muito medo de que este seja apenas o primeiro passo (e fácil de dar, porque aqui os factos foram confessados) de uma intervenção mais séria da AdC no futebol profissional. Com tantos indícios de ligações perigosas entre clubes que ultimamente têm vindo a lume, se a AdC resolver mesmo entrar por aí, duvido bem que as coimas fiquem pelos 11 milhões.