"LGBTQI+ está muito presente na sociedade, mas o futebol ainda é um espaço muito homofóbico"
ENTREVISTA, PARTE I - Anti Jair Bolsonaro e defensor dos direitos dos professores e da comunidade LGBTQI+, Igor Julião encontrou no futebol o palco certo para se posicionar e defender as causas nas quais acredita.
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Para Igor Julião, "o desporto é um meio muito poderoso de comunicação e transformação social". Por isso, no dia em que se estreou a marcar pelo Vizela, o defesa brasileiro pôs de parte o individual e defendeu a luta dos professores que se têm manifestado a favor da recuperação do tempo de serviço.
Na sua opinião, os atletas podem contribuir para mudar mentalidades ou até mesmo trazer para público alguns temas mais delicados?
-Sem dúvida. No Brasil, os principais meios de ascensão social são a música e o futebol. E, por isso, no meu caso, conseguir sair do subúrbio e ir a lugares que jamais conseguiria ir sem a ajuda do futebol faz com que sinta que tenho o dever de ajudar na sociedade. No futebol ganhamos uma voz. Todos temos um propósito na vida e o meu propósito não é chegar, jogar futebol, acumular dinheiro e ficar quieto. Pelo contrário. Sempre que tenho uma oportunidade, vou falar e lutar pelos direitos que acho que são essenciais.
É por pensar dessa forma que decidiu falar, recentemente, dos direitos do professores?
-Vou contextualizar isso. Tenho, por hábito, chegar cedo ao pequeno-almoço, porque gosto de ficar a conversar e conhecer as pessoas. Há pessoas com quem passámos muito tempo e uma delas é o nosso nutricionista, o Luís, filho de pais professores. Como chego mais cedo, e ele também, conversámos muito e ele foi explicando a situação. Nesse dia, achei que era uma voz importante ali. Não tinha contexto algum, era o meu momento, o momento em que marquei um golo, mas preferi usar esse momento para falar de uma luta que é muito justa. Ser professor é, possivelmente, a mais bela profissão que temos na sociedade.
Sentiu-se acarinhado depois dessa mensagem?
-Sem dúvida. E a verdade é que todos os jogadores, dentro do nosso balneário, apoiam a luta dos professores. O futebol é muito mais do que um jogo. E como costumo dizer, tudo na vida é política, desde aquilo que comemos ao que vestimos e até nisso tento sempre ter atenção.
Outra causa que também defende são os direitos LGBTQI+...
-O LGBTQI+ está muito presente na nossa sociedade, mas o futebol ainda é muito atrasado quanto a isso. As pessoas ainda acham uma ofensa chamarem gay a uma pessoa. Isso no Brasil ainda é muito presente. O futebol realmente é um espaço muito machista, homofóbico. Por isso, acho importante falarmos sobre este tema sempre que temos oportunidade para isso.
Atualmente, um jogador dizer que é gay ainda é notícia...
-Espero que chegue a uma altura em que a orientação sexual de alguém não seja notícia. Os primeiros jogadores que falaram abertamente sobre o tema são muito importantes por quebrarem uma barreira. Vão ficar na história.
Quando ainda estava no Fluminense, o clube utilizou as cores LGBTQI+ nos números dos jogadores. É importante os clubes associarem-se a estas causas?
- O Fluminense é um clube que tem um pensamento progressista e que nunca me impediu de falar nada, por mais que até virasse notícia. Nesse dia, jogámos com as cores LGBTQI+, as camisolas foram leiloadas e, posteriormente, o valor reverteu para algumas associações. Por mais que haja muito machismo e homofobia no Brasil, o combate é diário.
Por que razão é anti Jair Bolsonaro?
-No mandato de Bolsonaro, senti-me na obrigação de me posicionar contra ele e isso custou-me muita coisa. Talvez até me tenha prejudicado no futebol, porque ia fazer o aquecimento no Maracanã e era vaiado pelos meus próprios adeptos. Mas a história já está a dizer quem estava do lado certo. Passámos por quatro anos de atraso social.
"Encontrei força nas pessoas do clube"
No dia em que se estreou a marcar pelo Vizela, aproveitando os holofotes para deixar uma mensagem de força aos professores que estavam em luta e em greve, Igor Julião também enalteceu as pessoas que trabalham na estrutura do Vizela. "As pessoas da fisioterapia e fisiologia foram importantes para mim quando não estava a jogar. Nessa fase estava triste e encontrava força nessas pessoas. Um simples abraço de manhã, uma conversa ou até mesmo uma piada faziam toda a diferença. Nunca chegamos a lado nenhum sozinhos."