Joga no Campeonato de Portugal e é nutricionista do Shakhtar: "Perguntam pelo Pevidém"
Formado no V. Guimarães, com quem chegou a assinar contrato profissional, Filipe Sousa dividiu-se entre os estudos e o futebol. Atingiu a II Liga e depois teve de optar, abdicando do sonho para se dedicar à nutrição.
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Filipe Sousa é dono de uma história muito rara no futebol português. Joga no Pevidém, líder da Série B do CdP, e trabalha como nutricionista no Vizela e no Shakhtar Donetsk. Desde pequeno, o sonho era o de ser jogador profissional de futebol, mas a vida levou-o por outro caminho, não deixando de estar ligado à competição ao mais alto nível. Em conversa com O JOGO desde a Ucrânia, para onde viaja duas vezes por mês para acompanhar os jogadores da equipa de Luís Castro, o defesa-direito conta como concilia as duas profissões. Optou pela nutrição, mas ainda não consegue largar o "bichinho" pelo futebol.
A nutrição foi uma escolha sua, mas gostaria de ter feito carreira exclusivamente como jogador?
- Olhando para trás, estou satisfeito com a forma como as coisas correram, mas o meu sonho era ser jogador. Tanto que cheguei a parar o curso, porque queria mesmo apostar no futebol. E estive dois anos só a jogar e fui profissional pelo Aves, na II Liga. Jogar era o meu sonho, mas acho que abdiquei de ser profissional na altura certa e acabo por estar na mesma ligado ao futebol ao mais alto nível.
Já lhe passou pela cabeça deixar os relvados para se dedicar a 100% à profissão?
- Há fases em que realmente me vejo a trabalhar só na nutrição, mas tenho outras em que não me imagino sem o futebol. Não sei passar mais de uma semana sem treinar, a competição motiva-me. O prazer de estar com os meus amigos ao domingo, o cheiro a relva... e estou num contexto favorável e dá-me um gozo enorme. O Pevidém compreende a minha situação e sinto-me em casa a jogar com amigos.
É jogador do Pevidém e nutricionista do Vizela e Shakhtar, profissões que concilia pelo amor ao futebol
Como é que se concilia a profissão de futebolista com as funções no Vizela e no Shakhtar?
- É muito difícil desligar. É viver, respirar, falar de futebol 24 horas por dia, 7 dias por semana. Só se consegue isso quando se gosta mesmo. Não há folgas ou feriados. Consegue-se com muito gosto e paciência.
Como funciona o trabalho à distância com o plantel do Shakhtar?
- É um trabalho de, essencialmente, aconselhamento individual, via Whatsapp. A única coisa que não consigo fazer à distância são as avaliações de composição corporal, isso obriga-me a fazer as viagens para a Ucrânia. E o meu papel acaba por ser o de lembrar os jogadores da importância da nutrição. Tento ir mantendo alguns padrões e manter viva essa lembrança.
Os jogadores percebem a importância do seu trabalho?
- Acho que essa é a principal diferença entre os jogadores a atuar em Portugal e no estrangeiro. Em Portugal, todos os jogadores têm noção da real importância, porque isso está muito bem implementado. No estrangeiro, não têm tanta consciência do impacto da nutrição, porque o serviço não está tão enraizado nestes países de Leste, por exemplo.
A oportunidade de trabalhar para o Shakhtar como é que surge?
- A equipa técnica do Paulo Fonseca apercebeu-se da falta que fazia alguém da nutrição para ajudar o clube a crescer e sugeriu à estrutura alguém para dar esse apoio. Depois, com a chegada do Luís Castro, a estrutura quis manter todo o serviço que estava a ser feito e, felizmente para mim, continuei.
Sabendo que também joga futebol, o plantel já o convidou para um treino? Brincam com isso?
- Muitos jogadores sabem e vão perguntando como está a equipa, em que lugar estamos [n.d.r o Pevidém]. É engraçado. O que fazemos aqui é um jogo entre o staff técnico e o staff médico e aí andam sempre à luta para ver em que equipa que vou jogar [risos]. Mas são mais brincadeiras com os adjuntos do que propriamente com os jogadores.
Ser jogador de futebol ajuda-o na relação com os atletas com quem trabalha?
- Acho que é o meu ponto mais forte. O facto de saber como eles pensam, o que estão a sentir... porque também passo por isso. Claro que o Shakhtar joga a Liga dos Campeões e o Pevidém veio das distritais, mas o futebol é o mesmo. As brincadeiras no balneário, a linguagem é universal. Isso acaba por me aproximar deles, porque sei como eles pensam.
Passou pelo Aves como jogador e nutricionista, onde venceu a Taça de Portugal. Como foi esse momento e como vê os acontecimentos que ditaram a queda do clube para as distritais?
- Parece mentira. Custa a acreditar que aquele clube que ganhou a Taça de Portugal e estava bem assente na I Liga, conseguiu ir por aí abaixo. Vivi a conquista da Taça de uma maneira muito especial, porque o Aves era o meu clube. Vivi aquilo como adepto e trabalhador do Aves, que foi quem me deu tudo, quem me abriu as portas. Ter estado no Jamor, subir aquelas escadarias para receber a medalha com aquela gente toda, foi indescritível. Mas estávamos a adivinhar o rumo que o clube ia tomar. Fomo-nos apercebendo de algumas decisões tomadas pela estrutura e percebemos que tinha tudo para correr mal. Nos últimos meses, todos sabíamos que não íamos receber, mas estávamos lá todos os dias para não deixar cair o clube. Começando do zero, uma das coisas que me propuseram foi tentar dar algum apoio e eu disse que ao Aves vou estar sempre pronto a ajudar, porque também me ajudou muito. Acredito que aos poucos vai subir, quero acreditar que melhores dias virão.
Voltando ao Filipe Sousa jogador... apesar das viagens e do pouco tempo livre, oito jogos realizados esta época e liderança da Série. Como define o momento que o Pevidém está a passar?
- No primeiro treino da época disse ao míster que esta ia ser a minha melhor época. Sei que parece surpresa, mas quem está lá dentro sabe o espírito que se vive. Não temos nenhuma ilusão de subir à II Liga, mas queremos provar que se pode trabalhar ao nível dos melhores mesmo com condições de clube de distrital, a treinar à noite, com dificuldades de logística. Há muita qualidade nestes clubes. E quem nos quiser ganhar, vai ter de correr muito. Todos queremos mostrar serviço e muitos jogadores querem provar que mereciam ter feito carreiras muito boas como profissionais de futebol. Vamos ser uma equipa chata em todos os jogos. A nível pessoal, quero apenas mostrar que o Pevidém pode contar comigo. É o melhor agradecimento que posso fazer a um clube que me dá muito, que aceita as minhas condições e faz de mim primeira escolha. A melhor forma de agradecer é chegar ao fim de semana e dar tudo por aquelas pessoas.