ENTREVISTA, PARTE III >> João Mendes recorda a importância que os treinadores Pedro Miguel e Vítor Campelos tiveram na carreira, bem como os primeiros tempos no Vitória de Guimarães, clube onde sempre quis jogar —
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Estreou-se a sénior no Gondomar. Lembra-se bem desse ano?
—O primeiro ano de sénior teve um impacto grande em mim. Não foi um ano fácil. Até comecei bem, mas depois acabou por ser um ano bastante difícil. Mas lembro-me que no início estava bastante confiante. Sempre fui destemido, na verdade.
Correu mal porquê?
—Era muito miúdo, tinha poucas oportunidades. Também jogávamos um tipo de futebol que não correspondia muito com as minhas características. Olhavam para mim como um menino, ainda. E acabei por não ter tantas oportunidades, num plantel que tinha jogadores com alguma experiência.
E nos Açores, pelo Operário Lagoa? Como é que correu essa experiência?
—Correu muito bem, por acaso. Fui muito bem acolhido. Senti-me acarinhado pelas pessoas e também gostei muito de lá estar. As coisas acabaram por surgir com naturalidade, numa equipa que, nunca mais me esqueço, tinha jogadores com muita qualidade e que podiam ter chegado mais longe.
Esse ano nos Açores abriu-lhe a porta para a Oliveirense, onde encontrou o Pedro Miguel, treinador que foi muito importante para si. O que acha que ele conseguiu retirar de si que os outros não conseguiram?
—Acima de tudo, o ele ter apostado em mim. Ter pegado em mim e fazer das minhas características algo bom para a equipa. E no que eu era menos bom, tentou ajudar-me. E eu também correspondi. As coisas começaram a correr bem coletivamente e joguei sempre até ao fim.
Teve depois a estreia na I Liga, ao serviço do Tondela. Mas as coisas não correram muito bem. O que acha que falhou?
—Apanhei um contexto... Estava numa equipa que lutou para não descer a época inteira. Não me considero um jogador especial, só tenho uma posição, hoje em dia, um pouco mais especial. O treinador, na altura, descartou-me um pouco, porque preferia jogadores mais combativos no meio-campo, que recuperassem mais bolas. Muito por aí. E daí as minhas dificuldades em ter-me afirmado, sentia que não era um futebol que me podia ajudar. No entanto, foi algo que fui ganhando com os anos, a maturidade que também precisava. Perceber que no futebol há momentos em que é para defender e outros para atacar. Nesse sentido, evoluí muito, mas senti muito na pele esse primeiro ano.
Como é que se mantém a motivação quando não se soma muitos minutos?
—Não é fácil. É uma luta interior. Como é óbvio, quando não se tem tantos jogos, as coisas não saem com tanta naturalidade e com a máxima confiança. Precisa-se de jogos para voltar ao melhor. Quando depois se é chamado do banco, a pressão é maior, não temos tanto tempo. E aí, as coisas complicam-se um pouco mais mas faz parte. Provavelmente, 95 por cento dos jogadores no mundo passam por isso. E faz parte, temos que ultrapassar. Mas nunca passou pela minha cabeça desistir. Porque sabia, confiava muito nas minhas capacidades. Sabia onde é que podia chegar e onde, essencialmente, eu queria chegar.
No Chaves cruzou-se com Vítor Campelos. Deu-lhe a confiança que precisava?
—Foi alguém que me ajudou muito, que puxou muito por mim. Com ele, senti o que precisava. A confiança dele e, depois, automaticamente, passei também a confiar mais no meu futebol. Quando se passa tanto tempo sem jogar, precisa-se de um tempo para nos encontrarmos, para ganhar confiança. Sino isto com a minha experiência: o jogador, quando joga, quando tem jogos, tem muito mais confiança. As coisas saem com muita naturalidade. E quando passam por fases menos boas, em que não jogam tanto, precisam desse tempo para voltar a ganhar.
O que é que ele conseguiu retirar de si?
—[risos] Era chato comigo, no entanto, eu também estava numa fase em que precisava dele. Ouvia sempre os conselhos dele como alguém que queria mesmo o meu bem. Como alguém que sentia que me podia ajudar e não estava ali só para me dar "duras". Cresci muito mesmo nesse sentido. Ouvi as duras que ele me deu, tal como os conselhos. Foi muito bom para mim e consegui dar um salto na minha carreira.
Amuava com ele?
—[risos] Às vezes! Mas calava-me, porque sentia que muitas das vezes ele tinha razão e sentia que ele me dava duras porque gostava de mim. Pegava em coisas pequenas, em que facilitava. Passes fáceis, último passe, finalizações fáceis em que às vezes queria adornar e inventar um pouco. Dava-me duras por causa disso e para facilitar mais as coisas. Ficava cego comigo [risos]. Mas corrigi, cresci também muito nesse sentido. Os jogos também me deram esse crescimento e eu também comecei a perceber que precisava de facilitar o meu jogo.
O futebol do Chaves ajudou?
—Sem dúvida. O Campelos é alguém que quer protagonizar, mandar no jogo, ter um futebol ofensivo, ter bola. Quer mandar em todos os jogos, jogar para ganhar. E isso, sem dúvida, ajuda-me muito e eu sinto que também posso ajudar a equipa nesse sentido. Sou um jogador atrevido, gosto de chutar à baliza, de estar na frente para atacar. E esse tipo de futebol ajudou-me muito.
Lembra-se de algum episódio com ele? Ou alguma "dura"?
—Lembro-me de uma, por acaso… [risos] Num treino de bola parada, ele queria que eu entrasse ao segundo poste, coisa que nunca tinha feito e não estava habituado. Ele queria que o jogador do primeiro posto desviasse a bola e eu estivesse lá, caso a bola sobrasse para o segundo. "Quero-te ali!", disse ele. E eu, distraído, não entrei e a bola chegou exatamente onde ele me queria. Era só encostar, literalmente. Ele pára o treino, apita, e deu-me uma grande dura: "Olha lá, Estás a dormir?!, eu disse que te queria ali!" [risos]. A malta até se riu um bocado, mas eu não me ri. Nem tive vontade, tive de axandrar [risos].
Ainda se lembra da altura em que recebeu o convite do Vitória?
—Lembro. Na altura tinha algumas abordagens, mas o Vitória sempre foi um clube em que adoraria jogar. E o facto de o míster Moreno me ter querido lá, também pesou na decisão. Eu cheguei novo, mas eles já estavam juntos há algum tempo, tinham um núcleo muito forte. Adaptei-me super bem, eles ajudaram-me muito a adaptar-me. Tem um grupo de capitães espetacular e foram, sem dúvida, essenciais para que as coisas levassem sempre um rumo positivo.
E praxaram-no muito quando chegou?
—[Risos] Por acaso, no estágio de pré-época, foram mauzinhos comigo. Fizeram-me perguntas muito difíceis e puseram-me a cantar à frente de toda a gente. Cantei uma canção do Nininho [risos].
A canção inteira?
—[Risos] Cantei bem, por acaso. Ainda cantei um bocado. A música toda é que não. Mas tenho um bocadinho mais de jeito para jogar futebol.
O que foi mais desafiante para si esta época?
—[Pensa] Se calhar na primeira metade da época. Joguei mais na Europa e, depois, não estava com a regularidade que eu precisava para a minha confiança, para o meu futebol sair naturalmente. Acho que foi isso. Tive muitos jogos em que entrava e não jogava de início, mas nunca vinha abaixo. Sou assim mesmo, nunca fui abaixo e acabo a época muito bem. Na última metade acho que consegui conquistar aquilo que eu precisava, que era jogar sempre.