João Mendes, a tranquilidade em estado puro: "Tem uma calma que enerva um santo"
Irreverente, lutador e decisivo, médio destaca-se pela “qualidade acima da média” e pelo gosto em marcar belos golos. Camisola 17 dos conquistadores é apelidado de “puro” por muitos, dado que o consideram um médio “à antiga”. Gosta de ter a bola e estar no momento das decisões, sem nunca se esconder no jogo.
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Já não é segredo que o futebol é movido pela paixão e leva a que a irracionalidade venha, muitas vezes, ao de cima. Mas João Mendes parece ser a exceção à regra. “Tem uma calma que enerva um santo”, começa por recordar, bem humorado, a O JOGO, André Branquinho. O treinador cruzou-se com o médio no Operário Lagoa, nos Açores, em 2015/16, e cedo lhe reconheceu um talento fora do normal: “Saltou-nos logo à vista num jogo que fizemos contra o Nogueirense. Quando ele chegou, não estava nas melhores condições físicas e teve uma postura de enorme profissionalismo. Fez um grande trabalho, tanto nos treinos como fora deles. Foi um jogador muito importante para nós e devo dizer que sinto um peso na consciência porque poderia ter retirado mais coisas dele, dada a qualidade que ele tinha. Sinto que não consegui tirar o melhor dele. Tem uma capacidade incrível de ver o jogo, pensa mais rápido. É um jogador corajoso, que não se esconde. Vai à procura de decidir e dar andamento à partida. Ele é muito calmo e tranquilo mas quando o árbitro apitava... transformava-se [risos]. Foi um menino sempre muito calmo e nunca nos deu qualquer problema”.
Terminada a passagem no clube açoriano, João Mendes mudou-se para a Oliveirense, clube no qual encontrou o treinador Pedro Miguel, um dos mais importantes da carreira. “Com bola já se notava que era diferenciado na altura. Era muito bom no processo ofensivo, mas descurava um pouco o processo defensivo. Adorava que a bola passasse por ele mas gostava menos de correr atrás dela. Pode ter chegado um bocadinho tarde à I Liga, mas ainda vai bem a tempo de fazer a diferença”, recordou ao nosso jornal.
Dono de um “humor fino”, Pedro Miguel recorda que os companheiros se chegavam a chatear com ele, no bom sentido: “Queriam e pediam que ele fosse mais nervoso nos treinos e nos jogos [risos]. É um rapaz muito educado, reservado e amigo do amigo. É mesmo muito tranquilo, parece que não se passa nada à volta dele. O mundo pode cair que ele não tem medo. Lembro-me uma vez, durante um treino, em que ele marca dois golos monumentais mas reage como se não tivesse feito nada de especial. Era adorado por todos”.
Depois de uma época em grande na Oliveirense, que incluiu uma ida à final-four da Taça da Liga e II Liga, o “puro” teve passagens discretas por Tondela e Estoril – pelo meio uma boa temporada pela Académica – e acabou por agarrar um lugar no Chaves, tendo ajudado à subida ao principal escalão. Em Trás-os-Montes, João Mendes encontrou Vítor Campelos, com quem pôde mostrar o seu “perfume” com a bola nos pés. “O João tem uma qualidade enorme. Tecnicamente é muito evoluído, percebe o jogo, é um 10 à moda antiga. Na altura, precisava, sobretudo, de muita confiança e ter alguém que, para além de acreditar nele, o fizesse acreditar nele próprio. Melhorou a transição defensiva, reação à perda, o posicionamento do corpo. Algo que agora faz muito bem e faz toda a diferença. Curiosamente, ainda há pouco tempo, marcou um golo, depois de uma excelente receção orientada e confidenciou-me que se lembrou logo do tempo em que eu era chato com ele nesse pormenor”, conta o técnico a O JOGO.
No tempo em que o médio foi orientado por Campelos, o técnico admitiu que o atleta “sofreu” nas mãos dele: “Foi um gosto trabalhar com ele. Todos os treinadores gostam de trabalhar com jogadores de grande qualidade. Mas admito que fui muito chato com ele, por vezes até amuava. Tenho a certeza de que sabe que foi para o bem dele. É um miúdo muito tranquilo, bem disposto e que, pode não parecer, mas para além do que joga, trabalha muito para a equipa. Era muito exigente e chato, porque sabia que podia dar mais. Ligava-lhe e tudo [risos]”. Pelo que se vê, resultou.
“É do melhor que já tive no balneário”
Nelson Monte é atualmente jogador do Málaga e dividiu balneário com João Mendes no Chaves durante uma temporada. O tempo suficiente para criar um laço de amizade bem forte. “As recordações que tenho com ele são as melhores. Criámos uma amizade muito forte. O João é uma pessoa muito focada no dia a dia, tanto nos treinos como fora deles. No balneário, foi do melhor que já tive. É muito tranquilo, alegre e gosta de palhaçadas”, recorda a O JOGO.
Antigos companheiros destacam tranquilidade do jogador, que não se deixa afetar pelo ambiente
Desafiado a recordar um episódio, o defesa não hesitou: “Quem foi treinado pelo Vítor Campelos sabe que ele gostava de fazer uma rodinha no final do treino da semana e pedia sempre a um jogador que falasse o que seria preciso fazer no dia seguinte para ganhar o jogo. Tínhamos um companheiro de equipa que falou e, em 14 palavras, disse 14 vezes que tínhamos de ser agressivos. Nesse momento, eu e o Mendes trocámos um olhar e não aguentámos: começámos a rir, até chorar. Mesmo naquele momento inoportuno. Para mim, ele é um 10 puro. Tem magia nos pés e na mente, dava-lhe igual o ambiente em que jogava”.
Obiora, que também vestiu a camisola dos flavienses, destaca igualmente a tranquilidade de João Mendes: “Foi a pessoa mais calma com quem joguei. Dava-se bem com toda a gente e toda a gente gostava dele. Foi um dos melhores médios ofensivos com quem eu já joguei, sem dúvida nenhuma. Quando se é um médio defensivo, como é o meu caso, ter um companheiro como ele facilita e muito a nossa tarefa em campo, que é algo que queremos sempre. Faz parecer tudo muito fácil. O sucesso dele não é por acaso”, referiu o nigeriano de 33 anos.
Ricardo Tavares foi outro dos que não ficou indiferente à forma de estar do “puro”: “Só tenho boas recordações com ele. Ele destacava-se nos treinos, fazia coisas diferenciadas. É muito focado e exigente. O João também é das pessoas mais calmas com quem me cruzei. Antes de um jogo, gosta de conversar com os companheiros de equipa. Não se deixava mesmo afetar pelos ambientes”, concluiu.