Jogador arsenalista, que se sagrou campeão europeu pelos Sub-17 de Portugal, é um exemplo a conciliar os estudos e o futebol.
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Ser convocado para disputar um Campeonato da Europa de Sub-17 foi sinónimo de levar a mala carregada de sonhos e expectativas. Mas a bagagem de João Aragão levava mais do que isso: os livros de 11.º ano. O médio do Braga já sentiu a responsabilidade de representar Portugal – e até de conquistar o título europeu com a camisola das Quinas –, mas a mesma estende-se diariamente, por ter de conciliar o futebol com a escola. É que Aragão não é apenas craque no relvado, também o é fora dele, entre os livros.
O médio chega à Cidade Desportiva dos guerreiros do Minho de mochila às costas, depois de mais um dia de aulas na Escola Alberto Sampaio, com uma serenidade pouco expectável de quem já tem um currículo que mete respeito. “Tenho exame de Biologia e Físico-Química”, começa a explicar a O JOGO, enquanto se senta na sala de estudo da academia. A conquista do título europeu ainda está muito presente, mas o pensamento já está nas obrigações escolares, que nem durante os mais de 20 dias de competição deram tréguas. “Levei os livros comigo, claro”, recorda, entre risos. “Conciliar as duas coisas, admito, é o mais difícil. Mas a minha escola tem uma Unidade de Apoio ao Alto Rendimento na Escola (UAARE), uma das maiores do país, que está ligada ao clube. Ambos falam entre si e conseguem adaptar a melhor forma para mim. Por exemplo, quando estou fora, conseguem arranjar-me outras datas para os testes. Isso torna tudo muito mais fácil”, explica-nos.
Apaixonado por Matemática e Físico-Química – tem média de 18 e 17, respetivamente, e são os livros que estão no topo da pilha de manuais que colocou na mesa –, o médio tem um segredo para ter a capacidade de desligar e estudar, mesmo que esteja a meio de uma competição de referência como um Europeu. “Concentração e mentalidade são o segredo. Gosto sempre de ser o melhor em tudo. E a minha família também foi muito importante, porque nunca deixaram que me desleixasse dos estudos. O futuro nunca se sabe, não é?”.
A tranquilidade com que encara o dia a dia também passa para o jogo. No relvado, Aragão destaca-se pela serenidade com que decide e prova que ciência e futebol podem ter muito em comum, já que ambos pedem raciocínio, observação e criatividade. “Há coisas que se aprendem na escola que ajudam, por exemplo, a pensar mais rápido. Na escola, desenvolvemos capacidades diferentes das do futebol e podemos usá-las enquanto jogamos. Por exemplo, acho que sou também um jogador inteligente, a escola nesse aspeto ajuda muito. Conseguimos aprender coisas que fazem com que o nosso cérebro trabalhe mais rápido, mesmo em situações de futebol. A minha família sempre me disse para não desligar da escola”, refere.
Uma vez na Albânia, João Aragão ia intercalando a preparação para os desafios com os cadernos. Todos os dias, tinha uma hora para dedicar aos estudos, fora o tempo que despendia com a aprendizagem, sozinho, no quarto. “Essa hora faz parte do nosso programa diário. Às vezes, estudo mais do que isso. Assim, quando voltar, é mais fácil tirar boas notas nos testes”. Apesar da mentalidade forte, desligar nunca foi fácil, mas nessas situações as palavras dos pais ecoavam na cabeça do médio. “É difícil mudar o chip, porque estamos onde queremos estar, na Seleção. Não pensamos muito na escola e pensamos na competição. Principalmente antes da final. Inevitavelmente, passa-nos pela cabeça como será que corre o jogo, se podemos ganhar ou não, o que podemos fazer. Mas, depois, lembro-me das palavras dos meus pais, de que as duas coisas são muito importantes. Tenho o dia todo para jogar com os meus companheiros, aproveitar um bocadinho para estudar não faz mal nenhum. Pelo contrário”, analisa.
Ciente de que o futebol pode não ser o caminho, João Aragão pretende continuar sempre a pensar num segundo plano. “Os meus pais dizem sempre, sem escola não há futebol [risos]. O que vou fazer é candidatar-me à faculdade. E depois, se entrar e vir que não tenho tempo, congelo a matrícula. Assim, se precisar, tenho a minha vaga”.
Mesmo totalmente concentrado em preparar os exames, o médio ainda recorda a chegada a Portugal, após a conquista do troféu europeu de Sub-17. “O regresso foi incrível. Foi das melhores experiências da minha vida. É um orgulho representar o nosso país ao mais alto nível e, ainda por cima, voltar com o caneco para casa. Depois, também é um orgulho ter a minha família toda a ver-me na televisão. E o orgulho que os portugueses têm em nós, no jogo que fizemos... Acho que qualquer pessoa gosta disso e gosta de sentir esse privilégio. Estou muito feliz. Foi inesquecível o dia em que ganhámos na final, à França. Foi absolutamente incrível e gostei muito dessa experiência”, concluiu, antes de abrir os livros para preparar o próximo desafio: o dos exames.
“Estudo pode ter efeito terapêutico”
Marta Vilela e André Giesta são psicólogos e ajudam os atletas a organizar o tempo muito contado.
Tão ou mais importante do que o rendimento desportivo, a saúde mental tem sido um dos adeptos a trabalhar com os jovens atletas e, no Braga, contam com a ajuda de Marta Vilela e André Giestas. A psicóloga, que trabalha diretamente com o escalão sub-17, ajuda os futebolistas a organizarem o tempo, já de si, muito contado. “Muitas vezes, estão cá com tempo livre, então conciliamos para evitar que eles estejam no telemóvel ou nas redes sociais, por exemplo”, começa por explicar, acrescentando que gerir as expectativas é outro passo importante: “Tentamos fazer perceber que o futebol não é uma certeza, ou seja, hoje é mas, amanhã, pode não ser, quer seja porque não há espaço para todos, quer seja por questões de lesões. É importante eles perceberem que a relevância de terem uma segurança, que não os faça parar por aqui. Felizmente, muitos também já têm o apoio importante dos pais, que não veem apenas o filho como o próximo Cristiano Ronaldo e que também incentivam a procurar o nosso e outros apoios".
Durante uma competição como o Campeonato da Europa, muitos atletas estão obrigados a juntar a pressão da competição com os estudos, dada a proximidade do final do ano letivo e dos exames. Desligar da competição não é tarefa fácil, mas André Giestas destaca que os livros escolares podem ter um efeito terapêutico no meio de tanta pressão. “Claro que o foco deles, nesses momentos de estágio, é a competição. Mas ao saber que têm uma tarefa, àquela hora, a que se podem dedicar, às vezes acaba por ter um efeito terapêutico, para esquecer um bocadinho a pressão. Diariamente, para os atletas deslocados e que moram nas residências do Braga, também é um desafio, mas o clube tem boas condições para o sucesso dos jogadores, tanto escolar, como desportivo. Um jogador bem motivado vai ter melhor desempenho desportivo, escolar e também nas interações sociais, bem como para as exigências futuras”, concluiu.