Ivan Likhmanov, um russo apaixonado pelo FC Porto: "Não pode haver divisões no mundo moderno"
Ivan Likhmanov, o famoso portista da Rússia, evoca o desporto como apelo à tolerância e respeito. Para este adepto, não há restrições que o impeçam de acompanhar o FC Porto. Sem escapar a mensagens de ódio de quem tem as ideias confusas, percebeu que a empatia ainda prevalece.
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Estranhos tempos estes em que a guerra é vivida ao minuto nas redes sociais, o mesmo espaço de tantas partilhas e confraternização, mas também de ódio e injustiças. Foi por este espelho da sociedade que Portugal ficou a conhecer, há uns anos, Ivan Likhmanov, um russo que se apaixonou pelo FC Porto, aprendeu a falar português e criou um portal dedicado ao clube.
Mas quando a Europa virou do avesso, também o que parecia ser simples esfumou-se. Os desabafos de Ivan sucedem-se no Twitter - que culpa tem ele do que se está a passar?
Convidado por O JOGO a explicar o que lhe tem acontecido nas últimas semanas, Ivan, que vive em Kanevskaya, na região de Krasnodar, aceitou e só pediu para não falar de política. Não é necessário explicar porquê.
"Recebi mensagens desagradáveis. Em qualquer país, há pessoas boas e más. Não gosto do termo russofobia, mas creio que não pode haver divisões no mundo moderno. Não divido pessoas pela cor da pele, nacionalidade ou qualquer outra coisa. Temos de tratar-nos uns aos outros com respeito. Podemos e até devemos ter opiniões diferentes, mas não é motivo para sentir ódio", contou Ivan, para quem é "impensável" o boicote sofrido por um restaurante de especialidades russas em Lisboa e que até já visitou.
"Tenho muita pena que isto aconteça, especialmente com pessoas que não merecem em absoluto. Só queria que as pessoas que fazem isso pensassem", acrescentou.
Entre os autores das mensagens hostis "estavam alguns adeptos do FC Porto", mas Ivan relativiza. "Acho que o fizeram de forma inconsciente e não entendem o que acabei de explicar. Sou russo, tenho orgulho disso e adoro o meu país. Acho que é normal e não deve ser um problema. Há coisas que não têm a ver connosco e temos de perceber isso. Também gosto muito de Portugal e do FC Porto, de certeza que quem me conhece pessoalmente não duvida da sinceridade dos meus sentimentos", reforçou.
Felizmente, não é o lado sombrio que prevalece. Em cada desabafo multiplicam-se as demonstrações de solidariedade: "Recebo muito mais mensagens de apoio e só queria agradecer a todos. É difícil porque são muitas e há problemas nas redes sociais. Para mim, vejo uma só nação, a do FC Porto. Podemos ter diferentes opiniões e nacionalidades, mas todos temos o mesmo amor e uma casa em comum, o Estádio do Dragão, onde cada um de nós está sempre feliz."
Alimentar essa paixão ficou mais difícil. O acesso às redes sociais na Rússia caiu gradualmente - Ivan socorre-se de uma rede VPN - e a Liga Bwin deixou de ser transmitida, mas nem isso o trava. "Cada problema na internet tem uma solução", explica Likhmanov, que vê no futebol uma escapatória e um meio de apelo: "Claro que há muitas coisas mais importantes na vida, mas o futebol é parte da minha e, às vezes, serve de conforto. O futebol une as pessoas e em todos os jogos europeus fala-se de respeito. Não podemos esquecer-nos disso. No contexto atual, é difícil para mim dizer mais, mas espero que as pessoas percebam o que quero transmitir."
Rublo a cair e as quotas de sócio por pagar
As sanções económicas impostas à Rússia, descreve Ivan, notam-se no "aumento dos preços e na instabilidade do rublo face ao euro e ao dólar". "Com as medidas da Visa e da Mastercard, não consigo fazer operações internacionais e pagar as quotas de sócio. O clube está a par do problema", explicou. O servidor que aloja, entre outras páginas, o portal dedicado ao FC Porto também tem sido alvo de ataques, mas "sem motivo de preocupação".