Insultos racistas a Bruno Varela: "Requer-se sanção mais pesada que a do caso Marega"
APCVD instaurou processo de contraordenação às queixas de Bruno Varela na primeira parte do Boavista-Vitória. Segundo o Regulamento Disciplinar da Liga, caso se comprove a acusação, o clube infrator pode ser punido com entre dois e cinco jogos à porta fechada, e multa entre os 2500 e os 25 mil euros.
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A Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) instaurou ontem um processo de contraordenação aos alegados insultos racistas dirigidos a Bruno Varela, na visita do Vitória de Guimarães ao Bessa. “Face à notícia difundida nos órgãos de Comunicação Social relativamente a alegados insultos de teor racista, dirigidos ao jogador do Vitória SC Bruno Varela, no jogo entre o Boavista e Vitória SC, realizado no Estádio do Bessa, a contar para a 25.ª jornada da I Liga, competição organizada pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, a Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto (APCVD) instaurou um processo de contraordenação para apuramento dos factos”, lê-se no comunicado do organismo.
Na parte final do primeiro tempo, o jogo esteve interrompido por alguns minutos, depois de o guarda-redes do Vitória ter deixado a sua área, queixando-se de insultos racistas provenientes da bancada do topo sul, onde se posicionavam adeptos afetos ao clube axadrezado.
O guardião internacional cabo-verdiano dirigiu-se ao árbitro e ao banco do Boavista, onde esteve à conversa com o treinador dos axadrezados, Lito Vidigal, sendo apoiado por jogadores e técnicos das duas equipas. Acabaria, depois, por regressar à baliza.
Segundo o artigo 113º do Regulamento Disciplinar das competições organizadas pela Liga Portugal (comportamentos discriminatórios), “o clube que promova, consinta ou tolere a exibição de faixas, o cântico de slogans racistas ou, em geral, quaisquer comportamentos que atentem contra a dignidade humana em função da raça, língua, religião, origem étnica, género ou orientação sexual é punido com a sanção de realização de jogos à porta fechada, a fixar entre o mínimo de dois e o máximo de cinco jogos”, acrescentando que a sanção de multa varia entre os 2500 e os 25 mil euros.
O Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (SJPF), pela voz do presidente Joaquim Evangelista, condenou os alegados insultos dirigidos a Bruno Varela, pedindo “tolerância zero” e recordando que, além de ser “um ato hediondo, o racismo é crime”. “É inaceitável que continuemos a ter no principal escalão do nosso futebol episódios degradantes como este, que mancham o espetáculo e a integridade da competição. Não podemos aceitar a banalização do insulto e comportamentos racistas ou discriminatórios, seja de quem for”, referiu.
O JOGO tentou uma reação do Boavista, sem sucesso.
3 questões a Lúcio Correia*
1 - Que consequências poderá ter o caso destes alegados insultos racistas a Bruno Varela?
-Temos dois processos que podem correr em paralelo. Um deles contra o clube em causa, porque isto perfaz um comportamento discriminatório, evitável. No âmbito do Regulamento Disciplinar da Liga, a sanção será jogos à porta fechada, entre dois a cinco, e obviamente uma sanção acessória de multa, entre cerca de 2500 euros e 25 mil euros. Depois, se forem identificados, os autores poderão sofrer um processo-crime. De acordo com o Código Penal, atos de violência tendendo à sua raça, origem étnica ou nacionalidade, também podem ser condenados com uma pena de prisão de seis meses a cinco anos, e uma coima entre 1750 euros e 50 mil euros.
2 - E como se processa a identificação dos autores?
-Podemos recorrer às câmaras de televisão, e se os indiciados da prática deste crime forem identificados pelo relatório de polícia, o processo seguirá contra estes, sem prejuízo do que também possa ser aplicado pelo Ministério Público. A Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto terá uma palavra a dizer, proibindo estes prevaricadores de voltarem a estar no futebol.
3 - As penas têm sido suficientemente gravosas noutros casos para desincentivar este tipo de atitudes?
-Infelizmente, não. Apesar de a lei 42023 impor um agravamento das sanções, além de ter colocado uma responsabilidade sobre os clubes quanto à forma como devem desincentivar os próprios adeptos e ter prevenções quanto a isto, a verdade é que nunca é suficiente. Os relatórios da Autoridade para a Prevenção e o Combate à Violência no Desporto demonstram que há cada vez mais situações e mais pessoas que foram sancionadas com interdição de frequência em recintos desportivos, mas há um longo caminho a percorrer. É uma questão educacional que demora o seu tempo. Requer-se uma sanção mais pesada que a do caso Marega. Faria mais sentido, apesar de naquele caso, ao contrário de ontem [domingo], Marega ter mesmo abandonado o recinto desportivo. Há que ter cuidado porque, apesar de serem isolados, estes comportamentos têm sido repetidos. Uma alteração da lei ou regulamentar para um possível agravamento também não seria totalmente desprovido.
*Professor de Direito do Desporto da Universidade Lusíada de Lisboa
Outros episódios a envolver adeptos
V. Guimarães-FC Porto
Marega
16 de fevereiro de 2020
Após marcar e lhe terem sido atiradas cadeiras, Marega abandonou o relvado, incomodado com comentários racistas por parte de adeptos vitorianos. O Vitória foi multado em 714 euros, tendo sido absolvido do pagamento de 50 mil euros e de um jogo à porta fechada. Três adeptos pagaram três mil euros ao Estado e, durante um ano, tiveram de apresentar-se em esquadras da políci a em dias de jogos do Vitória.
Braga-Santa Clara
Lincoln
28 de fevereiro de 2022
Ao entregar a braçadeira de capitão ao guarda-redes Marco, o médio do Santa Clara queixou-se de insultos racistas por parte dos adeptos arsenalistas. O jogador visou a Liga, acusando-a de ser dirigida por “seres humanos que fecham os olhos a determinadas situações”. Um dos adeptos pediu, pessoalmente, desculpas ao brasileiro.
Farense-Académico de Viseu
André Clóvis
20 de agosto de 2022
Quando foi substituído, aos 83’, Clóvis, avançado do Académico de Viseu, terá ouvido insultos racistas, proferidos por adeptos afetos ao emblema algarvio. Já no final do encontro, o avançado queixou-se, o que levou a alguns incidentes.
Rio Ave-Benfica B
Sandro Cruz
17 de abril de 2022
Na substituição do lateral-esquerdo, os insultos racistas foram percetíveis na transmissão televisiva. A SAD rioavista, que condenou o ato, foi obrigada a pagar 890€, embora o defesa tivesse pedido que o clube jogasse à porta fechada “durante muito tempo”.
V. Guimarães-Rio Ave
Emmanuel Boateng
7 de janeiro de 2023
Boateng pediu falta num lance em que caiu. Ao voltar à área do Rio Ave, reportou insultos ao árbitro, que interrompeu o jogo e pediu ao Vitória para emitir um aviso aos adeptos nas instalações sonoras do estádio.
Sporting-Famalicão
Otávio
27 de agosto de 2023
Após a partida com o Sporting, Otávio divulgou nas redes sociais várias mensagens racistas que recebeu de adeptos leoninos. “Volta para a selva” e “escravo” foram alguns desses insultos, que o Sporting condenou.
Farense-Famalicão
Chiquinho
10 de fevereiro de 2024
A partida ficou interrompida durante cinco minutos, após um adepto ter dirigido um insulto racista ao avançado do Famalicão. O adepto foi constituído arguido e ficou impedido de entrar em recintos desportivos.
FC Porto-Santa Clara
Galeno e Gabriel Batista
16 de janeiro de 2025
O extremo do FC Porto que falhou dois penáltis no encontro e o guarda-redes do Santa Clara, que defendeu um deles, foram alvos de insultos racistas nas redes sociais. O Santa Clara criticou a “anestesia” do futebol português em relação a estas situações.