Estreante nas provas profissionais, Ricardo Silva, treinador de 41 anos do Paços de Ferreira, revela a O JOGO que a Direção do clube não lhe apontou a subida imediata como objetivo e analisa a época de “duas caras”
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Depois de uma primeira volta muito abaixo das expectativas, o Paços de Ferreira mostra agora uma equipa personalizada e que poderia estar com outra pontuação e até na luta pela subida.
Que objetivos lhe pediu a Direção do Paços de Ferreira quando o contratou?
-Os objetivos a atingir eram construir uma equipa para subir de divisão em uma, duas ou três épocas, não interessa o período. O importante é criar uma equipa base, forte, conseguindo fidelizar jogadores, reter talento.
Mas não lhe foi pedido um objetivo imediato?
-Não, não me foi pedido um objetivo imediato. Venho de um projeto onde tive duas subidas consecutivas, mas no segundo ano de Vilaverdense também não me foi pedido a subida, apesar de termos uma equipa forte. Aqui, foi preciso que os jogadores tivessem um conhecimento forte das tarefas defensivas e ofensivas, de forma a consolidarmos a nossa forma de jogar. Também foi preciso melhorar o autoconhecimento, o conhecimento entre eles, para se tornarem cada vez melhor equipa. Estes são alicerces que agora já estão alinhados, pelo que acredito que, daqui em diante, a equipa será muito difícil de bater. Na II Liga todas as equipas passam por períodos bons e maus.
Disseram-lhe que teria de construir um plantel dentro da realidade financeira do clube, que não era de grande desafogo?
-Sem dúvida. Aliás, quando cá cheguei já tínhamos praticamente 19 jogadores contratados. A minha época tinha acabado tarde e eu já apanhei o comboio um bocadinho em andamento, mas a Direção trabalhou, e bem, nesse sentido, sobretudo para assegurar algum talento que tínhamos cá. Devemos estar no grupo dos orçamentos mais baixos da II Liga, mas acho que, mesmo assim, a Direção conseguiu trazer jogadores muito bons.
Que avaliação fez ao plantel no início da época? Viu que poderia ser curto para um objetivo imediato?
-Sentimos isso, mas sempre com a esperança nos resultados, que poderiam aparecer de imediato, porque às vezes acontece. Aquilo que estamos a fazer agora, poderíamos ter começado a fazer mais cedo.
Foi a ausência de resultados no início que também o obrigou a mudar um pouco o discurso?
-Teve de ser, porque viu-se que a equipa não estava a conseguir dar respostas. Foi muita gente a chegar, algumas saídas no decurso da pré-época e até na fase inicial da época, porque o mercado esteve aberto até janeiro e era importantíssimo o clube fazer esse encaixe financeiro. Houve ali uma turbulência forte, muita coisa a abanar, o grupo de trabalho a abanar na entrada na época. Ganhando, às vezes abafam-se esses pequenos problemas, mas aconteceu-nos o contrário.
Depois desse mau início, uma excelente segunda volta. Como se explica?
-Essa diferença entre a primeira e a segunda volta deve-se também ao fator psicológico. O Paços desceu de divisão e os jogadores que continuaram estavam um bocado em baixo, o que é normal. O clube estava numa nuvem cinzenta muito grande. Os níveis de confiança foram reativados, o conhecimento do treinador e dos novos processos. Coisas que levam o seu tempo. Certo é que fomos a melhor equipa em dez dos últimos 12 jogos. Se tudo tivesse corrido bem desde o início poderíamos andar no terceiro lugar ou até no segundo. Esta é a prova de que o início correu efetivamente mal.
“Temos de jogar em antecipação no mercado”
Ricardo Silva, que assinou um contrato de dois anos, já está a preparar a campanha 2024/25 com a Direção. Tem possíveis reforços referenciados e já sabe quem quer manter no plantel. O dinheiro não abunda, pelo que é preciso planear na perfeição para conseguir os jogadores desejados. Para isso, defende, os pacenses têm de jogar em antecipação no mercado.
O orçamento não permite loucuras e o mercado está inflacionado. Os pacenses já têm possíveis reforços em carteira, a custos baixos, porque até na Liga 3 “já pedem “mundos e fundos” e é difícil comprar.
Esta época está quase no fim, a próxima já está em andamento?
-Sim, o Paços de Ferreira já está a preparar a próxima época. Queremos implementar uma dinâmica de vitória, junto com todos os sócios e adeptos e com toda a estrutura diretiva, para, começando bem, podermos atingir o objetivo que todos anseiam.
Em relação ao plantel já sabem o que pretendem fazer?
-Estamos a ver jogadores que nos interessam, com custos baratos, e que poderemos potencializar a breve prazo. É também fundamental retermos o talento que cá temos, mas também sempre com um olho até onde o nosso orçamento possa chegar, porque queremos continuar a ser um clube cumpridor.
O treinador vimaranense pretende contratar jogadores de escalões mais baixos, com custos mais baratos, mas também quer reter o talento que tem no plantel
Mais uma vez haverá condicionalismos financeiros...
-Temos que criar uma dinâmica de antecipação aos outros clubes. Hoje em dia, até os clubes da Liga 3 pedem mundos e fundos pelos jogadores, alguns com contratos de dois anos, o que torna difícil ao Paços de Ferreira poder lá chegar. Esta época fomos buscar meia dúzia de jogadores a contextos mais baixos e que foram apostas ganhas. Por vezes erraram, mas neste momento são jogadores que já estão inseridos na realidade da II Liga. Alguns até fizeram muitos mais jogos que outros considerados titulares. Sabemos que não podemos ir buscar jogadores à I Liga com o orçamento que temos, por isso, repito, temos de jogar na antecipação. Já temos jogadores identificados, mas sempre com a premissa de rentabilizarmos o que temos. Quem vier, será para acrescentar.
“O nosso jogo vai entusiasmar”
As condições de excelência que encontrou na Mata Real encantaram Ricardo Silva, que na próxima época pretende ter a equipa a jogar um futebol que entusiasme os adeptos.
Numa casa que revelou Rui Vitória e Paulo Fonseca, entre outros, Ricardo Silva também quer brilhar
Como encontrou o Paços quando aqui chegou? É um bom lugar para trabalhar?
-Depois de dois anos de êxito no clube anterior, encontrei um Paços de Ferreira moribundo, porque vinha de uma descida, mas não na sua estrutura, diga-se. É um clube do melhor que há a todos os níveis. Não é fácil encontrar na I Liga condições logísticas como as do Paços de Ferreira, e não me refiro só a nível físico, pois também as pessoas que cá encontrei têm sido do melhor. A ambição está cá e estamos muito entusiasmados com o futuro.
“É um clube do melhor que há a todos os níveis. Não é fácil encontrar na I Liga condições como as que aqui temos”
O clube tem fama por ter catapultado treinadores como Rui Vitória, Paulo Fonseca, Paulo Sérgio. Também pretende seguir-lhes os passos?
-A realidade é que esta reta final de época, esta segunda volta, tem-nos promovido muito também para outros contextos. Não gosto muito de projetar o futuro, mas gostaria de um dia fazer uma carreira internacional, fazer carreira numa I Liga. Acima de tudo, gostava de deixar uma marca forte nas pessoas de Paços e no próprio jogo, que é aquilo que me apaixona. Mas é claro que gostava de poder seguir os pergaminhos desses grandes treinadores. O Paços de Ferreira é claramente o clube indicado para isso. É um clube da elite e que está sempre sob a luz dos holofotes.
Na próxima época, os adeptos pacenses podem contar com uma equipa a lutar pela subida?
-Podem contar com uma equipa que vai entusiasmar com o seu jogo. Acho que essa é a grande mensagem que eu gostava de lhe deixar. Queremos entrar para os jogos com essa força, com essa dinâmica de já nos conhecermos uns aos outros.
Prémio Vítor Oliveira na vitrina
A boa campanha dos pacenses em março na II Liga, com três triunfos e um empate, valeu a Ricardo Silva e aos seus adjuntos o prémio Vítor Oliveira para melhor treinador do mês, galardão com o nome de um histórico e saudoso técnico do Paços de Ferreira. A conquista, vinca Ricardo Silva a O JOGO, não é só dele.
“É fruto de um trabalho extensivo a toda a equipa técnica”, agradece, levando também o prémio para o balneário, pois é igualmente “resultado do bom rendimento de todos os jogadores”.