<strong>ENTREVISTA </strong>- Pepa, um dia depois de deixar o comando técnico do Tondela, falou abertamente com O JOGO sobre a época finda, a sua passagem pelo emblema beirão e o estado do futebol em Portugal
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Por entre críticas aos "espanhóis" que compraram a SAD, Pepa revelou que esteve para sair do Tondela a meio de janeiro. Ficou pelos jogadores e não se arrepende da decisão que tomou... Aos 38 anos, voltou a ser o treinador mais novo da I Liga. Mais uma vez, cumpriu os objetivos e agora aponta a outros voos.
Os primeiros 30 minutos do jogo com o Chaves foram os melhores da sua carreira?
- Com a maior eficácia foram de certeza [risos]. Foram incríveis, de uma grande qualidade, intensidade, alma, e de uma procura constante pelo golo que contagiou tudo e todos. Este jogo vai ser recordado para sempre. Parece que fizemos de propósito e deixámos o melhor para o fim. É, sem dúvida, um dos jogos mais marcantes do campeonato. Foi brilhante.
Das três épocas que esteve no Tondela, qual foi a mais difícil?
- Esta, sem dúvida. Foi muito difícil...
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Porquê?
- Em primeiro lugar, por nossa culpa. No ano passado, fizemos um campeonato tranquilo e criámos a expectativa de que poderíamos fazer mais e melhor este ano. A verdade é que esperávamos todos mais e custou, num determinado momento, ver a nossa posição na tabela. Passámos a ter de olhar para baixo em vez de olhar para cima. Além disso, ainda houve a venda do clube, que também foi uma situação complicada.
"Os grandes e as arbitragens? É tão ridículo. Dá-me vontade de rir. Eles que venham aos jogos do Tondela, Chaves ou Aves..."
Que influência teve isso?
- Não foi fácil. O Gilberto Coimbra (presidente do clube) é uma pessoa carismática, com uma presença forte, e as palavras dele entram na cabeça de todos. Depois da venda do clube, houve ali uma nuvem sobre quem mandava, porque os espanhóis, com o devido respeito, não estiveram sempre presentes. Vinham a um jogo, mas no seguinte já não estavam... Esta adaptação não foi fácil, sobretudo porque aconteceu a meio de uma época.
Houve notícias de desavenças sobre a venda de alguns jogadores, de uma conferência cancelada, até de uma baliza que caiu num treino...
- O treinador quer o melhor para quem? Para os jogadores, acreditando que o melhor para eles é também o melhor para o clube. É normal as pessoas serem exigentes, discutirem. As situações que criaram maior desconforto foram as saídas do Miguel Cardoso e do Hélder Tavares, jogadores muito importantes para nós. Admito que estive com um pé fora do Tondela, antes do jogo com o Chaves - e até tinha sido fácil sair naquela altura, pois vínhamos de quatro vitórias seguidas. Mas depois pensei: o comandante vai abandonar o barco a meio da época? Não fazia sentido, por muitos atritos que houvesse.
Mas o que o fez ficar?
- Fiquei pelos jogadores, sem dúvida. Passámos por muita coisa juntos, não os podia abandonar naquela altura. A verdade é que com a chegada dos espanhóis pensávamos que íamos ter outras condições. Somos o único clube da I Liga que não tem o sistema de GPS nos jogadores. E isso ajuda no controlo do treino, na deteção de fadiga, etc. Pode parecer um pormenor, mas não é. A verdade é que nada melhorou desde a entrada dos espanhóis.
Nas três épocas em que orientou o Tondela, Pepa evitou, por duas vezes, a descida na última jornada. Triunfos com o Chaves (2018/19) e Braga (2016/17) permitiram a permanência.
Já houve vários casos de investimento estrangeiro que correram mal por cá. Teme que possa acontecer o mesmo ao Tondela?
- Para ser sincero, preferia como estava. O presidente é aquele, é ele que dá as duras... Havia uma linha condutora. A mim fez-me um pouco de confusão, confesso. Um dia vem uma pessoa, no dia seguinte aparece outra. Será que isto aconteceu por ter sido apenas o início? Não sei, o tempo o dirá. A verdade é que há vários casos similares que foram um grande fracasso. E não há assim tantos casos de sucesso.
No final do jogo com o Chaves, Tomané e Cláudio Ramos disseram que nem todos remaram para o mesmo lado...
- Foram desabafos a quente, mas verdadeiros. Foram poucos os jogadores que não quiseram, mas às vezes basta três ou quatro para prejudicar e provocar um grande desgaste. Ao longo destas três épocas, tivemos sempre nove ou dez jogadores portugueses na equipa inicial. E o português, por norma, sente mais a derrota, até porque à terceira seguida começa a levar com mensagens dos amigos. Ninguém gosta de perder, mas ou o jogador estrangeiro está focado - e é aí que entram as palavras do Cláudio e do Tomané - ou então nem sequer sente muito as derrotas. E, num clube como o Tondela, precisamos de alma. Quando não temos alma, somos uma equipa banal. Banal. Perdemos contra toda a gente. Mas quando estamos comprometidos e com o pé na chapa, toda a gente se diverte. Foi basicamente isso que aconteceu.
Pepa saiu em defesa dos árbitros e deixou críticas ao atual estado do futebol português
Que análise faz ao futebol português?
- Bem, para começar só se discute três clubes e, depois, em vez de se falar do jogo, comenta-se o lance em que na primeira repetição parece falta, mas que na segunda já deixa dúvidas. Em Portugal, os títulos vão sempre para os mesmos e isso é mau para o espetáculo. Mas, se o dinheiro fosse mais bem distribuído, teríamos um campeonato mais competitivo e com mais qualidade individual e coletiva.
Esses três clubes costumam falar muito de arbitragens...
- Isso é tão ridículo. Dá-me vontade de rir. Tenho pena, sobretudo quando são comunicados oficiais. Sinceramente, não vejo isso a acontecer nos outros países. Eles que venham ver os jogos do Tondela, Feirense, Chaves ou Aves... Também somos prejudicados. Os árbitros erram, todos erramos.
Ser árbitro em Portugal é difícil?
- Às vezes estou no treino a apitar e ouço um jogador gritar; parece-me falta e marco, mas depois às vezes não é... Agora imaginem um árbitro com 50 mil pessoas nas bancadas a pressioná-lo. Já se imaginaram a apitar uma partida dessas? Ser árbitro não é fácil, mas com o clima que se tem criado fica ainda mais difícil. Semana após semana, ouvimos sempre as mesmas coisas: "aquele foi beneficiado", "o outro foi prejudicado". A sério, acabem com isso. Ponham-se no lugar do árbitro: "Ora bem, esta semana vou apitar aquele jogo. Jesus! Estou feito." Eles são massacrados em todo o lado quando são escolhidos para os jogos do Benfica, Sporting ou FC Porto.
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É por isso que existe a ideia de que os três grandes são mais vezes beneficiados do que os outros clubes?
- Acredito mesmo que isso não acontece de uma forma consciente. A questão é que o peso dos clubes é completamente diferente. O impacto que os erros - que são normais - têm é muito maior. Por isso, é preciso ajudar os árbitros e tentar mudar a forma de as pessoas olharem para o futebol. Mas depois dizem-me: "ah, mas a sociedade também é assim". E depois? Vamos cruzar os braços? Não foi com árbitros, mas os incidentes da última época na Academia do Sporting também aconteceram devido ao clima que se vive. Foi um sério aviso, mas o que foi feito para melhorar a nossa cultura desportiva desde esse momento? Nada. Absolutamente nada. E isso é perigoso.
Pepa já somou 96 jogos na I Liga (86 no Tondela), tendo vencido por 27 vezes, empatado 22 e perdido em 47 ocasiões.
"Futuro? Ainda não tenho nada..."
Foi ontem oficializada a saída de Pepa do Tondela, mas o treinador garante que ainda não tem o futuro definido. "Neste momento, ainda não tenho nada...", revelou. No entanto, o treinador garante que se sente "mais do que preparado" para dar o salto para um clube com outros objetivos. "Gostava muito de abraçar um projeto em que pudesse lutar por títulos, pelas taças; um projeto em que andasse a morder os calcanhares ao quarto ou quinto lugar. No entanto, isso não depende de mim, nem estou obcecado por lá chegar", disse. "É muito diferente estar a lutar para sobreviver, como nós e o Chaves, ou a lutar para viver. As pessoas não têm noção. São momentos que nos consomem e que, apesar de tudo, temos de ter a capacidade para transmitir confiança e tranquilidade aos jogadores", contou.
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"Substituição de Peña? Se calhar, teria reagido da mesma forma..."
No jogo com o Chaves, Peña saiu 25 minutos depois de ter entrado. O peruano reagiu mal e chegou a confrontar Pepa. "Mas algum treinador gosta de tirar um jogador assim?", perguntou o treinador. "Admito que quando era jogador também poderia ter reagido mal a uma situação destas, mas a questão não é essa. Quem manda na equipa é o treinador e o jogo estava a pedir aquilo. Coincidência ou não, quando o Peña entrou, a equipa caiu e quando ele saiu, para entrar o Tembeng, a equipa melhorou. A reação do Peña não foi bonita; ele virou-se a mim, discutiu, eu também discuti, mandei-o sentar, mas são coisas do momento, do jogo. Nem valorizei muito."
"Ser árbitro não é fácil, mas fica ainda mais difícil com este clima que se tem criado"
Melhor jogo do campeonato
"O nosso jogo com o Chaves está, pelo menos, no top cinco da época. Foi espetacular. Depois, gostei de assistir ao FC Porto-V. Guimarães (2-3), que foi um jogo engraçado, mesmo com alguns erros de arbitragem à mistura, e ao Sporting-Benfica (2-4), que teve muita qualidade, foi aberto e com vários golos."
Melhor treinador do campeonato
"Ivo Vieira. Ele garantiu o sexto lugar, com um trabalho fantástico, num clube como o Moreirense. Mais: fê-lo depois de na época passada ter estado na descida do Estoril - mesmo que não tenha sido ele a montar o plantel. É como tocar no inferno e depois no céu. O Bruno Lage também merece destaque. Está-se mais perto de ganhar nos três grandes, mas 18 vitórias e um empate em 19 jogos é obra."
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Melhor jogador do campeonato
"Só posso escolher um? Então é o Bruno Fernandes. A época que ele fez, os golos, as assistências... Foi surreal, sobretudo pelo contexto que envolveu o Sporting. Ele desequilibrou em todos os jogos. João Félix e Pizzi também tiveram um grande ano."
Melhor jogador que já treinou
"São muitos, mas vou destacar o Ricardo Costa, pelo exemplo e por ser um líder natural, e o Hélder Tavares, que apesar de ter uns pés de chumbo [risos] é um grande jogador e um grande homem. Depois, há o Tomané, o Cláudio Ramos, o Bruno Monteiro... São muitos."
Jogador mais chato que já treinou
"São dois: o Tomané e o Cláudio Ramos. São dois jogadores fantásticos, mas também são muito chatinhos [risos]. Eu gosto deles assim, que falam olhos na cara. Foram dois jogadores muito importantes no balneário. São difíceis, mas dá gosto trabalhar com eles."
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