Treinador Paulo Sérgio declarou sentir "vergonha" pelo inquérito instaurado pelo Conselho de Disciplina federativo ao onze do Portimonense na derrota (7-0) com o FC Porto - e não está sozinho.
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"Excesso de zelo", "vergonha", repúdio perante um caso que "não existe" e põe em causa um "homem sério" e o "direito exclusivo do treinador" a decidir o onze foram algumas das reações recolhidas por O JOGO a propósito da decisão do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol de instaurar um processo de inquérito ao Portimonense por "eventual apresentação de equipa inferior" no Dragão, onde foi goleado pelo FC Porto, por 7-0, na jornada 30 da Liga Bwin (16 de abril).
Castigos, lesões e um jogo decisivo para arrumar as contas da permanência na ronda seguinte, com o Moreirense, levaram o treinador Paulo Sérgio a uma profunda alteração ao onze habitual, assumida de forma desassombrada em pleno relvado, em declarações à Sport TV.
Com a ligeireza das acusações sem prova nas redes sociais, a memória da investigação judicial aos negócios entre as SAD portista e do Portimonense e a "clubite" como rastilho, as opções foram rapidamente coladas a uma suposta intenção de facilitar, verbo que o artigo 63º do Regulamento Disciplinar traduz por corrupção, quando se verifique a "apresentação de uma equipa notoriamente inferior ao habitual". Paulo Sérgio, que se vira forçado a repudiar tais suspeitas no Facebook, não imaginou que teria de passar pela "vergonha" de explicar o óbvio em sede disciplinar. "Só o facto de levantarem essas dúvidas e suspeitas sobre mim, envergonha-me. É uma afronta o que me estão a fazer", indignou-se, ontem, na conferência de imprensa de antevisão do encontro com o Arouca - que já não é decisivo para os algarvios porque a vitória com o Moreirense que se seguiu à goleada selou a permanência. Mais uma vez, regressou às opções no Dragão.
"Basta verem que nem o banco de suplentes estava completo: com dois guarda-redes, ainda tinha espaço para mais um atleta, e basta ver os que tinha no banco, para perceberem o que tinha disponível para essa partida. Já expliquei as minhas intenções e a vitória em casa com o Moreirense carimbou o nosso objetivo e isso parece que está a fazer mal a muita gente", desabafou, revoltado: "Uma coisa é o povo que tem voz nas redes sociais, e burros sempre houve; hoje, têm voz através das redes sociais. Mas haver gente com responsabilidades no futebol e alguns que me conhecem bem, a pensar que podia entrar nesse tipo de situações em que, se calhar, muitos deles andaram envolvidos durante uma vida inteira, só por si, isso envergonha-me. Tenho filhos, tenho pais, tenho família e é uma vergonha para mim ver o meu nome associado a suspeitas desta natureza. Mas isso diz mais das pessoas que me põem em causa, do que propriamente de mim, porque tenho a ficha limpa, subi a pulso e por cá ando".
A revolta do treinador do Portimonense é sustentada pelas próprias regras por que se rege o CD. O Regulamento Disciplinar (RD) da Liga é omisso na definição do ilícito em causa, a "apresentação de equipa inferior" no campeonato. O artigo 97º remete para o nº 1 do artigo 15º do Regulamento da Taça da Liga, mas esse foi revogado. Perante esta lacuna da lei, seria aplicado, por analogia, o Regulamento Disciplinar federativo e esse estabelece, no artigo 61º, que "um clube apresentou uma equipa titular notoriamente inferior ao normal quando, sem causa justificativa, 6 ou mais jogadores da equipa titular no referido jogo não tenham disputado nenhum dos 4 jogos anteriores". No polémico onze do Portimonense, apenas o guarda-redes Payam, internacional iraniano, e o lateral-esquerdo Lazaar, internacional marroquino, não estiveram nos quatro desafios anteriores.
A indignação não está confinada ao Portimonense. José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol, recorda que, mais do que uma óbvia responsabilidade, escolher quem vai a jogo é um direito "inalienável e exclusivo" do técnico. "No que concerne ao contrato de trabalho, uma das coisas sagradas é a constituição da equipa", lembra. Companheiros de profissão colocam-se sem hesitar ao lado de Paulo Sérgio neste processo. António Conceição defende-lhe o "caráter", Domingos Paciência constata que se limitou a gerir as escassas opções de que dispunha, ou seja, pensou "somente nos interesses da equipa", e Manuel Machado sublinha que a aposta compensou, pois venceu o Moreirense, "garantindo a permanência".
Regulamento: o que dizem os artigos 63 e 97 da Liga
O ponto um do artigo 63 do Regulamento Disciplinar na Liga prevê como corrupção "apresentação de uma equipa notoriamente inferior ao habitual", o que implicará a anulação do jogo e a sua repetição ou, ainda, a subtração no " mínimo de dois e o máximo de cinco pontos na classificação" e o artigo 97 uma de multa "aos clubes que, sem motivo justificado e em jogos oficiais se apresentarem em campo com equipas notoriamente inferiores."
"Paulo Sérgio é íntegro
"É mais um episódio polémico, sem sentido, que não abona nada a favor do futebol português. Conheço bem o Paulo Sérgio e ele jamais faria favores a alguém. É um profissional íntegro. Esse processo de inquérito baseia-se em suspeitas infundadas porque eu só tenho razões para acreditar no profissionalismo do Paulo Sérgio. É amigo do meu adjunto Baltasar, já nos encontrámos algumas vezes e trata-se de uma pessoa honesta, de grande caráter".
Toni Conceição, treinador
"Eu fui goleado pelo Arsenal"
"O Paulo Sérgio é um homem sério. Pensou somente nos interesses desportivos da equipa. Olhou para o calendário e projetou o futuro próximo. Isso faz parte do trabalho de um treinador. Não conheço nenhum treinador que tenha gosto em ser humilhando por uma derrota por 7-0. Não acredito que ele quisesse facilitar a vitória ao FC Porto. Eu [ao serviço do Braga] fui goleado pelo Arsenal [6-0] e e não troquei nenhum jogador. E a UEFA não me colocou processo nenhum por causa disso".
Domingos Paciência, treinador
"É um preciosismo do CD da FPF"
"A montanha vai parir um rato. O que aconteceu não foi em benefício de terceiros, foi em benefício do Portimonense. O próprio Paulo Sérgio foi claro em relação a isso ao dizer que estava preocupado com a situação da equipa e com o jogo seguinte, frente ao Moreirense, que depois acabou por vencer, garantindo a permanência. Como isto não aconteceu para beneficiar terceiros, não vai passar de um inquérito para lá e de outro inquérito para cá. É um preciosismo do CD da FPF".
Manuel Machado, treinador
"Não precisa de justificação para rodar"
Diogo Soares Loureiro, especialista em Direito Desportivo, já vai habituando ao padrão "muito interventivo" do atual Conselho Disciplinar (CD), mas, ainda assim, estranha o "excesso de zelo" na instauração de um processo de inquérito ao Portimonense pelo onze do Dragão. Admite que o "ruído social" que se seguiu à goleada possa ter precipitado a decisão, enquadrável em dois artigos do Regulamento Disciplinar. O artigo 63º, relativo a corrupção, refere a apresentação de "equipa notoriamente inferior" e prevê a "ação concertada entre os clubes com vista à obtenção de um resultado". O artigo 97º visa "clubes que, sem motivo justificado e em jogos oficiais se apresentarem em campo com equipas notoriamente inferiores" e, neste caso, explica, "não necessita da intervenção do FC Porto para o Portimonense poder ser punido, mas, mais uma vez, a prova é muito difícil, até porque um treinador não precisa de justificação para rodar os jogadores". Outros já o fizeram e assumiram, recorda: "A não ser que o CD tenha tido conhecimento de factos que desconhecemos e justificaram a abertura deste inquérito, esta situação não me parece ser diferente de outras que existiram no passado e causou-me alguma estranheza". Paulo Sérgio terá agora de "repetir o que já disse e reiterou" sobre as opções para a jornada 30 e essas declarações serão "relevantes" para o inquérito. Mais difícil será o treinador conseguir que lhe seja feita justiça, caso o assunto seja arquivado, como se antecipa, à luz do que é público. Pode agir judicialmente contra o CD, mas este poderá sempre alegar que "estava apenas a investigar" .
ANTF está solidária
José Pereira, presidente da Associação Nacional de Treinadores de Futebol, disse a O JOGO que vai contactar Paulo Sérgio para lhe "manifestar solidariedade e colocar à disposição" a associação da classe e frisou que o direito de um treinador escolher a equipa é "inalienável". "Nem sequer é um direito subjugado ao presidente da Direção", reforçou José Pereira, para quem este "caso não existe", porque "toda a gente reconhece que o Paulo Sérgio estabeleceu uma estratégia com objetivos não apenas para aquele jogo, mas para os restantes. A estratégia de qualquer um é prescindir de alguns jogadores porque têm cartões, pois têm em mente que o próximo jogo é importantíssimo", defendeu, lembrando ainda que Paulo Sérgio "demonstrou publicamente qual era a sua intenção". O CD, diz, "fez, provavelmente, o que lhe competia, mas vai-se provar que é um direito exclusivo do treinador".